sexta-feira, 31 de agosto de 2007

o quê acontece?

quase não escrevo, sumi dos e-mails, msns e afins, não respondi a pergunta sobre HQs da minha querida Meg....

acontece que é final de trimestre e bilhões de provas e trabalhos e redações me chamam.
Poucas coisas na vida são tão chatas quanto corrigir trabalhos...



protelei ao máximo, e agora só me resta enfrentar.
esse é mais um não-post. de puro desabafo.

volto logo mais.

lulu.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

desiderar

(revirando arquivos antigos, achei um trabalho que escrevi quando estava no terceiro colegial, sobre amor e desejo, para o curso de filosofia. Resolvi colocar uns pedaços dele aqui. Não coloquei notas de rodapé à época, mas tenho a impressão que minha maior fonte de consulta foi a coletânea O Desejo, organizada pelo Adauto Novaes)





Em Roma, o ato de contemplar os astros, ou o espaço sideral era chamado: "CONSIDERARE". "SIDERIS" quer dizer Estrela, ao passo que "SIDUS" é o nome dado aos astros na linguagem dos adivinhos romanos. Os adivinhos eram pessoas que observavam os astros e através de seus passos percebiam os passos da vida humana, podendo assim prever seu futuro.

No entanto, havia aqueles que, descrentes, desistiam de "considerar". Em Roma, quando um homem já desesperançado, miserável, mal mesmo, desistia de contemplar os astros, e passava a olhar para si mesmo, o verbo mudava. Nasce a palavra "desiderare", que significa algo como "a curtiçåo da ausência. "Desiderium" significa, sobretudo, Perda, ausência, falta. Quando se priva de saber sobre o futuro e cai-se na roda da incerteza, dessa roda, nasce o desejo. Desiderar é buscar um preenchimento de algo que seja palpável, ansiar, apetecer, ser atraído, pelas coisas da Terra. É sobretudo, o abandono da contemplaçåo. Do Verbo desiderar, nasce o substantivo DESEJO, O HOMEM PASSA A CRIAR SEUS PROPRIOS PASSOS, os quais seguem o caminho que ele mesmo criou.





Olhem o final, como o trabalho acaba.
Eu achei tão adolescente, e tão bonito, que fiquei até emocionada, e resolvi colocar aqui:


O Homem precisa daquilo que lhe escapa. É necessário, mesmo nos tempos mais racionais, de menos estrelas, viver a experiência do sublime, do incontrolável. Um homem precisa ter a sorte de ser carregado, de criar asas e sair voando, pelo menos uma vez na vida. O contrário significaria muitas dor, nas pernas.
O pensador contemporâneo tenta hoje entender as leis do amor, assim como outrora tentaram entender as leis celestiais... É o homem buscando o controle daquilo que o controla. Daquilo que suas mãos não pegam, que é brilho e luz puro.
O amor e as estrelas colocam o homem no seu devido lugar. Fazem o bicho homem viver que nem gente. Não há bicho que pare pra olhar as estrêlas, não há bicho que conheça o amor. As estrelas mostram ao homem sua pequenês e falta de brilho físicas. O amor lhe mostra sua pequenês e falta de brilho espiritual. Em ambos os casos, o sugerido é a busca. Não somos tão belos assim e isso permite que vivamos a sorte do pardal que é marrom e canta mal. Os pássaros vistosos foram todos presos ou estão em extinção. O Universo, e o Amor são provas concretas da existência de mais, prova de que pecisamos, precisamos. Não por luxo, mas por necessidade. É uma alegria poder ver as estrelas e pensar que, se a terra explodir, não vamos saber tanta falta assim. É um alívio poder se apaixonar, ver estrela, e viver feito gente.





Enfim... essa era (é) a lulu, aos dezessete.








E atenção:
não percam a semana Shakespeare que ele está fazendo aqui. Um must total, vão lá.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

livros pra cima

Porque não é todo dia que a gente recebe um comentário desse, e olha que ele nem lê blogs!!


furio lonza disse...

LIVROS PRA CIMA
(bem, se não forem exatamente pra cima, são, pelo menos, engraçados ou saem um pouco da mesmice)

Ensina-me a viver - Colin Higging
(Record)
Contos de Eva Luna - Isabel Allende
(Betrand-Brasil)
A louca da casa - Rosa Montero
(Ediouro)
Pulp - Charles Bukowski (LPM)
Fup - Jim Dodge (José Olímpio)
Complexo de Portnoy - Phillip Roth
(Cia. da Letras)
A lua e as fogueiras - Cesare Pavese (?)
Ainda existem aveleiras - Georges Simenon (Nova Fronteira)
As pelejas de Ojuara - Nei Leandro de Castro (Nova Fronteira, mas tem uma edição mais recente de outra editora que não me lembro)
O dia do coringa - Josteen Gaarner
(Cia. das Letras)
Grego procura grega - Friedrich Dürrenmatt (?)
Um milhão de dólares e A vida alucinada de Balso Snell (Brasiliense)
Ópera de sabão - Marcos Rey (Cia. das Letras)
Galvez, o imperador do Acre - Márcio Souza (?)
Conversas na Sicília - Elio Vittorini (Cosac)
boa sorte
grande beijo
furio

28 de Agosto de 2007 19:10


Agora, largue tudo e leia dois contos do Furio Lonza aqui.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

apesar do mundo

Apesar do mundo, ela acorda, e insiste, diariamente, em ser feliz e encontrar alguma verdade em seus passos.
Apesar do mundo, ou por causa dele mesmo.
Apesar do mundo ela chora sem saber porquê, depois dança dança como uma doida e come chocolates como uma menina e bebe como uma adolescente que toma seu primeiro porre.
APesar do mundo, das coisas do mundo, ela quer se apaixonar sempre, encontrar sentido, ser melhor do que é e, enfim, viver tudo aquilo que puder, com sinceridade, amor e paixão. Viver tranqüila e tomar chá à tarde com amigos, e varar a noite, e conversar mais com as amigas.
Apesar do mundo, ou por causa dele mesmo, ela insiste. E olha para fora, e acredita, apesar de tudo, apesar dela mesma e de todos os seus foras, de todas as suas trapalhadas, de tudo o que ela ainda não sabe fazer direito.
Ela diz sim.
por ela mesma, ela diz sim para si.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Três tigres tristes

( continuação acerca do pedido por livros alegres - ler post: professora, queremos livros felizes)

na sala de aula...

Esse negócio de ser professor, professora, pode ser muito legal e também pode ser um inferno.
Quando andei melancólica, semana passada, entrei na classe sem pique, sem pisar firme, um pouco distraída, um pouco desatenta. Sabem o que acontece? as classes crescem, os alunos se multiplicam e vc sai devorada, uma manada passa sobre você que mal se recupera e já tem que entrar na classe seguinte. Os meninos atropelam. A sala de aula demanda cem por cento de atenção e empenho, não dá para estar na frente da lousa pela metade, distraído, sem convicção. Não dá, simplesmente porque se vc piscar, três papéis amassados voam em sua direção, dois meninos começam a brigar, um terceiro a chorar, e outro se distrai tanto que até esquece que tá na sala de aula, uma menina lixa as unhas enquant outro grupinho fofoca. E eu aprendi já a separar a professora da pessoa, e não fico mais em crise de segurança se a aula não dá certo, mas é chato, é claro que é - todo professor é meio vaidoso, de preferência a gente gostaria de ser ouvido, né?

A atenção tem que ser full time, ficamos de pé, tomamos decisões morais e éticas o tempo inteiro. Viro árbitro de coisas sobre as quais nem tenho muita certeza, as aulas têm que ser preparadas, os trabalhos corrigidos com critérios e justiça. Não tem nada de abstrato no trabalho do professor, e a gente vê coisas acontecendo, boas ou ruins. Se enxerga pelos olhos dos alunos, que por sua vez se enxergam através dos nossos olhos.
E como todo bom professor é também ao mesmo tempo bem cabotino e exibido ( no mínimo, gostamos de ouvir nossa própria voz) é legal saber ou achar que fazemos parte da vida das pessoas, eu fico achando que posso até fazer algumas transformaçõezinhas, ajudar, dar segurança, proporcionar descobertas, imprimir alguma marca positiva da minha passagem pela vida deles e delas. Além disso, quando o cansaço não é grande demais, dar aulas é bem divertido, capaz até de alguns momentos serem inclusive tocantes.


ouvir os alunos...


Então, quando os alunos vêm com alguma reclamação, ou demanda, eu ouço. Não tenho paciência para ouvir reclamações de pais ( escuto, mas não ouço) , mas as dos alunos eu ouço. Às vezes são reclamações sem sentido, frutos de malandragem ou uma certa preguiça, fruto de um medo de falhar, de falta de empenho; reclamações pelo mínimo esforço, pedidos de exceções, rever prazos, dar segunda chace, rever a nota, menos lição de casa, a gente sabe e lembra. Essas eu faço o maior esforço para ignorar, vez por outra cedo, mas só tenho a crescer se ceder cada vez menos e me tornar cada vez mais exigente.

Outras vezes os alunos vêm dizer coisas que talvez façam sentido.

Como contei, os alunos da oitava série ( quinze, dezesseis anos) vieram me falar que a literatura que lemos no curso de português é muito deprimente. Que o curso de português é meio deprimente, que é difícil.
Que é muito duro ler um livro triste atrás do outro.
Outros acham simplesmente chato, esse povo que só quer falar de angústia e de como o mundo é ruim.

Um deles falou:


- eu não aguento mais esse negócio de anti-heróis! Por que vc não dá um livro sobre pessoas felizes e bem realizadas e bem resolvidas?

Eu adorei, e na hora respondi:

- Porque pessoas felizes e bem realizadas e em harmonia com o mundo não vão escrever literatura. Para quê? se estão felizes e realizadas e de bem com o mundo?

e falei mais:

- A arte é expressão da vida, gente, do mundo. Vamos combinar que ele não tem sido assim, dos melhores. Os temas da literatura no século XX e mesmo no XIX são mesmo a solidão, a falta de sentido, a crueldade e a violência, o desencontro, a procura do eu, a desigualdade social, as injustiças do mundo, sei lá.
São difíceis os grandes livros solares, iluminados, para cima.

E eu fiquei pensando, pensando, pensando. Fiz enquete com meus amigos e amigas, conversei um monte. Peço a ajuda de vocês. Poucos se lembram de grandes livros alegres.

Continuei pensando.

Talvez coisas que para mim e pros meus amigos faziam sentido na adolescência, um desacordo com o mundo, uma certa procura de si mesmo, uma vontade de superação e mudança, de intensidade, de ir contra a hipocrisia e as injustiças do mundo, de me afundar em crises e tal, talvez não façam mais sentido para essa adolescência.
Talvez não adiante dizer: o mundo é ruim, ninguém ao redor da Macabea prestava mesmo, é assim mesmo. Porque os alunos me perguntam: e daí?
eu sei lá.
Outros falam: eu nem quero saber disso. ué, que diferença vai fazer?
Outros falam: eu não aguento saber disso, é ruim, é uma droga.
Outros, ainda: eu não sei lidar com isso.

Eu, lulu, não sei também.
Leio, me emociono, vou dar aula, escrever, namorar, pensar, escrever, dar mais aulas, viver com ética, me livrar de prisões que me deixam infeliz, escrever, viver com intensidade e verdade.
Minha resposta é essa, a deles não sei qual é.
Não há respostas e isso pode ser uma coisa inclusive bacana dessa geração, não há nenhum caminho pronto, ideológico, político, partidário, o que seja, cada um acaba tendo que achar o seu. E tudo bem, é legal ser feliz, é ótimo, mas é interessante esse negócio de muita negatividade ser meio insurpotável.

E eu fiquei pensando que essa busca da felicidade é bem válida, não é ruim. E que talvez eles sejam a tal geração prozac que não aguenta a dor e tal, mas talvez eles tenham também um pouco de razão.

E fui procurar livros felizes.

Em primeiro lugar uma explicação necessária:
não há uma lista de livros obrigatórios que devem ser dados no fundamental 2 ( ginásio). A gente não sofre nem a pressão do vestibular, então é genial, podemos dar, basicamente, o que quisermos.
A minha opção, construída com total apoio da escola, foi a de oferecer aos alunos uma perspectiva geral dos grandes livros da literatura, para que eles saíssem dali com uma formação cultural e literária sólida, passando por diferentes gêneros, conhecendo autores, percebendo influências, lendo sempre o que há de melhor em cada gênero. Tudo isso está melhor explicado no manifesto pelos direitos dos alunos leitores e não leitores, que escrevi há algum tempo atrás e pode ser lido aqui.

E o curso fica mais ou menos organizado assim:

na quinta eles lêem livros que contam da infância ( geralmente O menino no espelho, do Fernando Sabino) e clássicos de aventuras (As aventuras de Tom Sawyer, A ilha do tesouro, Vinte mil léguas submarinas, Caninos Brancos, sei lá) . Depois lêem livros que criam universos de fantasia ( A história sem fim, por exemplo, ou O Hobbit), e pronto. Discutimos por alto a diferença entre ficção e história, a vida vivida e a vida inventada, vemos a estrutura básica de uma história clássica de aventuras (conflito, enredo, personagens) e trabalhamos descrições, narrativas de aventuras e criação de mundos. Exercitamos a imaginação ( a gente tende a dar pouca importância para a imaginação, mas depois de ler trezentas redações sobre a Jane e o Joe que assaltam bancos e assassinam pessoas com a bazooka xk 307, passa-se a achar que esse é um tema que vale ser explorado).

Na sexta série leio um livro chamado Os amigos ( publicado pela Martins Fontes que aliás talvez seja a editora que tem o melhor acervo nesse sentido, dos chamados livros infanto-juvenis) que trata basicamente de amizade, crescimento, essas coisas. Depois passamos para a fase histórias de detetive, medo, suspense (Agatha Christie, Conan Doyle, Edgar Allan Poe e Maurice Leblanc) . Depois, nesse ano, lerei O fantasma da Canterville, do Oscar Wilde, que parodia histórias de fantasmas.
No final da sexta série eles lêem Capitães da Areia. Aí começamos a discutir a literatura e suas relações com a história e com a sociedade.

Na sétima lemos crônicas, para observar a captura do cotidiano. Depois, lemos o Ítalo Calvino, O Cavaleiro Inexistente ( ou o Visconde partido ao meio) . O Ítalo Calvino é um autor mais solar, uma prosa divertida, que também discute o próprio fazer literário, um livro bacana. Resolvi dar Jane Austen, já na procura por livros de tom mais ameno, mas não sei se vai dar certo, eu adoro, mas os meninos talvez morram de tédio no meio do caminho, não sei - vou contando. E depois eles lêem O Apanhador no Campo de Centeio.

Tenho tido muita vontade de incluir no curso O senhor das moscas, lê-lo com a sexta série, talvez, mas é mais um livro triste e terrível. Lindo de morrer, mas terrível. O médico e o monstro também é bacana, há inúmeros livros bacanas, todos meio soturnos, ou tristes, ou terríveis.
Adoraria trabalhar com ficção científica, mas nunca dá tempo. 1984, ou o Eu robô, do Asimov ou ainda Fahrenheit 451, do Bradbury.

Deveria incluir o gênero teatral no curso, mas não sei lidar direito com a leitura de peças de teatro, me perco um pouco, então fica assim mesmo, sem teatro.

E na oitava série eles lêem poemas ( bastante Fernando Pessoa, e uma passada de olhos cronológica pelos grandes poetas da língua portuguesa) e alguns grandes livros de prosa que eu acho que dá para eles lerem. Olhem uma lista inicial que eu fiz:

Ray Bradbury, Fahrenheit 451.

Graciliano Ramos, Vidas Secas/ São Bernardo.

Luís Fernando Veríssimo, O Jardim do Diabo.

Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas ou Dom Casmurro. Contos.

Clarice Lispector, A hora da estrela.

Melville, Bartleby, o escrivão. (e a edição da Cosac desse livro.... Que tal descosturar um livro em classe, todo mundo junto? )

Gabriel Garcia Marques, Crônica de uma morte anunciada/ Doze contos peregrinos/ Cem anos de solidão....

Camus A peste.

Kafka, A metamorfose

Hemingway, O velho e o mar.

Hoffman, O homem de areia.

( e atenção, alguns livros não fazem parte da escola, têm que ser descobertos e lidos sozinhos: On the road, do Jack Kerouak, por exemplo, é um deles. Literatura erótica também, é claro! Fundação, do Asimov, também, assim como Harry Potter e a trilogia do senhor dos anéis)

O que mais? sempre aceito sugestões e adoro histórias de leituras na escola e fora dela, podem me contar, é um presente que vocês me dão.

O fato é que, por exemplo, da lista acima, os mais alegrinhos são o Verissimo e o Garcia Marquez, saindo da sexta série, o Italo Calvino também entra nesse rol, e talvez o Oscar Wilde (não o do retrato de Dorian Gray! outro livro super, mas sombrio à beça), e a Jane Austen. Os outros, todos, são tristes, duros, difíceis. Falam de um mundo desencontrado, de personagens partidas, coisas assim.

E outro dia a Vivien, minha querida Vivien, me perguntou sobre os meus livros preferidos. Os meus livros preferidos, os grandes mesmo, que para mim alcançam uma dimensão sublime, cósmica, sei lá, aqueles que eu levaria para uma ilha, não são apaziguadores. Ana karenina, Grande sertão, veredas, A hora da estrela, Crime e castigo. Colocaria Reinações de Narizinho aí também, esse apazigua, é bacana.
Talvez o Walt Whitman, com seu Folha de relvas, uma grande grande obra, também sublime, bastante solar, fora do signo de saturno, vivaz.

Outros? poucos, mesmo.

Não sei se a matéria da grande literatura é sempre negativa.
Nem sei também o que é esse tal desse sinal negativo. O mundo não tá mesmo bem, pelo contrário, viver é difícil e é muito perigoso, como já dizia o outro. A literatura, a grande literatura, talvez tenha mesmo que ir contra o mundo, mostrando seu avesso, permitindo espaços para a expressão das desigualdades, angústias, sofrimentos, ironias, passagem do tempo, morte, prisões, solidão, subversões, perigos, paixões, sei lá. A matéria da arte talvez não seja mesmo solar, não sei. Será?

Sei que agora me fizeram pensar.
Não tenho respostas.
Se você souber de alguma, me diga.
E se você tiver alguma opinião sobre o assunto, me diga também.

afinal, literatura deprime?
( para ler rindo)


beijos a todos,

lu.



em tempo, permitam-me colocar aqui o que a querida Meg, lá do metrô rosa mais lindo dessas bandas, escreveu para mim:

Sobre tudo que envolve leitura e literatura:este post, meg-avilhoso ao extremo da minha querida (sim, eu sei que ela é querida de todos mas eu vi primeiro, certo?) Lulu:
“Legal…mas tem história?” . Aliás, às vezes penso que só deveria existir um blog (perdão, guys) que era o blog do Lulu. Leiam o blog todo, inteirinho. E isto é pura verdade. O blog da Lulu é uma referência sobre vários assuntos na blogosfera. Imbatível!


Obrigada, Meg.





Post relacionado:
da dor e outras dificuldades.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

"professora, queremos livros felizes"

Ontem, na aula de literatura, houve uma espécie de levante. Interessante, o levante.
Reclamaram que a gente lê livros tristes demais e que tudo que a gente lê mostra que o mundo é uma merda, que as pessoas são angustiadas, infelizes, tal.
As três últimas leituras foram; O apanhador no campo de centeio, A hora da estrela, e agora, o Memórias do subsolo ( ver post anterior ) . Dostoiévski foi idéia deles, mas é claro que eles esqueceram. Essa classe também leu Kafka, A metamorfose, leu Hamlet. Lemos Fernando Pessoa e poemas em geral, Manuel Bandeira, Drummond, Murilo Mendes... fiz uma seleção.

Na aula, houve uma espécie de desabafo que foi muito muito interessante:
falaram que os livros que a gente lê em geral dão uma visão muito negativa do mundo e que não apresentam saída. Que falam que o mundo é uma merda e as pessoas imbecis.
Que a gente leu o Apanhador e todo mundo é hipócrita, horrível e o Holden ainda termina num hospital doente.
Que na Hora da estrela, quando a Macabéa tem seu único instante de felicidade na vida, logo depois de consultar a cigana que diz que ela será feliz, ela é atropelada e fica jogada no asfalto, que no livro inteiro ninguém, ninguém presta.

E que é muito difícil ler livros assim.
( uma aluna ficou com lágrimas nos olhos, juro, falou que não há tempo para elaborar, que é um em seguida do outro e que a cada um, ela muda a visão de mundo dela, passa a enxergar as coisas de outro jeito e que tá achando tudo isso uma droga. )


Que o curso de português acaba sendo muito difícil, porque eles escrevem, e lêem, e se expõem e sentem, e é tudo muito triste.

Que eles querem livros alegres.

e felizes.

que não aguentam mais ler livros que dizem que o mundo é ruim e difícil.






(continua... )

domingo, 19 de agosto de 2007

legal, mas... tem história?




Na busca por livros bacanas para ler com a garotada um princípio é básico: os livros devem ter enredo, ou seja, deve contar alguma história, onde coisas aconteçam. Muitas coisas, e que de preferência aconteçam rapidamente. Quando resolvi ler A hora da estrela com a oitava série essa foi a maior dificuldade: o narrador demora vinte páginas para entrar na história. Até chegar lá, escreve sobre si próprio, sobre o processo de escrever, sobre o porquê ele tem que escrever, o significado, essas coisas. Ainda por cima, conta como escrever sobre aquela nordestina é uma necessidade porque a nordestina lhe incomoda, como está cansado, que tem dor de dentes, deixou a barba crescer, essas coisas. Eu acho lindo. Os meninos, e as meninas, acharam um saco.
E olhem que A hora da estrela é talvez o romance da Clarice que mais tem enredo, mais tem vínculos com o mundo concreto, social, etc. e por isso mesmo é o melhor.
Causou uma espécie de trauma.
Comecei a ler um outro livro com a classe e nas primeiras três linhas um menino levantou a mão:

- Luuu...
- sim?
- esse tem história?


Conversava com um colega sobre isso, um amigo meu que dá aulas para o colegial e estava enfrentando a mesma dificuldade com o Sagarana, de Guimarães Rosa. A hora e a vez de Augusto Matraga tem enredo, tem um super enredo maravilhoso, mas outros contos ali são dificílimos. Esse meu colega e amigo falava que os alunos em parte têm razão, muitas vezes a narrativa perde-se nos meandros e encantamentos da linguagem e acaba perdendo-se mesmo, literalmente.

Alguns livros constróem-se quase que inteiros em cima desse encanto com a língua, ou com o pensamento e emoções de personagens e suas construções. Oferecer um livro assim a um adolescente equivale a, basicamente, dar um tiro na própria cabeça.

Não é só com a criançada que isso ocorre. Quem tem paciência para longas elocubrações sobre o que vai no interior de alguém? Quem aguenta filmes lentos com enredos minimalistas? Ou filmes que se constróem basicamente em cima de falas filosóficas que parecem não chegar a lugar algum e imagens belas mas díspares entre si?

Poucos, muito poucos.

No entanto, no entanto...

"não conta o final!"

se o que importa é o enredo e se o que nos prende a um bom livro ou mesmo um filme é a pura curiosidade de saber o que vai acontecer, porque a gente relê tantas vezes a mesma história? Por que a gente revê mil versões de Hamlet mesmo já sabendo de antemão quem matou o pai dele e que tudo vai terminar mal? Por que uma mesma história, com os mesmos fatos, contada por um bom contador pode ser maravilhosa e, mal contada, fica chatésima?

Saber o que vai acontecer de antemão talvez tire o encanto de muitas obras de sucesso que andam por aí, mas definitivamente não tira o encanto das grandes obras. Porque o que há de mais belo, mais original e mais emocionante numa obra de arte não é a história contada, mas como ela foi contada. Por isso um resumo não substitui um livro, por isso sou contra adaptações. Transformar experiências em linguagem é o grande lance e a grande dificuldade, a psicanálise sabe bem disso.

De qualquer maneira, é nesse como que reside a arte, é ali que se separam os grandes dos médios. É isso que tento mostrar aos meus alunos: no campo da arte, a forma não pode ser dissociada do conteúdo, por isso traduções são tão difíceis, quase impossíveis, por isso a maior emoção não está no fato de que o mocinho e a mocinha morrem no final devido a uma série de enganos e incompreensões familiares. A maior emoção é como essa morte, um dia, na Inglaterra, foi narrada. Todos sabem o final, o lindo é a narração desse final.


quantas histórias existem ?

Se formos pensar, todas as histórias do mundo são muito parecidas entre si. Amores e desamores, desejos, sexo, morte, encontros e desencontros. Infinitos são os personagens que as vivem, aquilo que sentem sobre o que vivem, infinitas são as maneiras de contá-las. E a cada nova maneira, faz-se uma nova história.

A marca humana, a marca da criação está na maneira de narrar aquilo que foi vivido, sentido, pensado, imaginado, sonhado.
A busca por fatos, por conteúdos, pelo que vai acontecer então é um pedacinho curtição de uma grande obra, o mais volúvel, que se perde com mais facilidade, basta alguém falador ao lado que já tenha visto o filme e... se o filme, ou o livro for só isso - puro enredo - acabou-se o porquê de lê-lo, de ver o filme.

Coisas que acontecem, e que não acontecem ...

cadê a porra da baleia?


Meu marido ama Moby Dick. Fez parte do nosso encontro minha descoberta de obras que eu não conhecia, ou não sabia apreciar: O senhor dos anéis, Star Wars. Ele diz que me fez virar uma nerd, basicamente. De minha parte... sei lá, ele passou a realmente gostar de sushi. Já havia lido todo o senhor dos anéis e o Hobbit, já parara de confundir Star Wars com Star Treck, já sabia que com a força não se brinca, mas ainda não havia lido Moby Dick. O livro foi e é a grande paixão literária dele. Fui ler.
"Call me Ishmael". Começa bem e tudo. E então vêm os capítulos descritivos. O óleo da baleia, a importância do óleo da baleia, o significado do óleo da baleia, a presença do óleo da baleia em todos os aspectos da vida. O que é uma baleia, quais os tipo de baleia que existem. Como se mara uma baleia. A função de cada um. O branco. Páginas e páginas inteiras sobre o significado da cor branca. E a obsessão do Ahab.
Confesso: tudo o que eu pensava era quando a maldita baleia ia, finalmente, aparecer.
Esposa apaixonada que sou, li o livro até o fim. A tal da Moby Dick aparece só no último capítulo, já aviso logo. Umas oitocentas páginas mais tarde. Quis morrer. Não rolou pra mim, achei tudo aquilo um saco. (depois redescobri o livro, ouvindo, num desses audio books, em inglês, e vi que era inclusive engraçado e tal, mas isso foi bem mais tarde)
O problema é que eu fui ao livro atrás da história da caça da baleia, a caça concreta, e esse não é o barato. É um livro sobre uma procura, sobre uma espera, sobre uma busca. A ação, a grande ação, nesse sentido, o encontro em si, é uma pequena parte. É claro que interessa saber se afinal o Ahab encontra ou não, se vence ou não seu monstro branco, mas a procura obsessiva dele é o maior conteúdo do livro, as descrições, as divagações do narrador, a atenção aos detalhes, os grandes personagens ali presos, submetidos à obsessão desse capitão ferido, são a matéria desse romance.

(sobre Moby Dick, fui pesquisar imagens e encontrei isso aqui. vale o desvio)

traiu ou não traiu?



Eu adoro enredo, adoro uma fofoca, tenho fascínio por ações e reações humanas. Ao mesmo tempo, me perco loucamente nos labirintos da minha cabecinha maluca. Meu avô fala que temos macaquinhos no nosso trapézio, aquele ali que fica dentro do cérebro. Os meus fazem a maior bagunça, raramente me deixam em paz - passo um tempão para entender o que é que quero afinal de contas e mesmo assim nunca tenho muita certeza. Fico horas não só divagando sobre o sentido da vida e da existência e do mundo como também sofro com isso. Uma inutilidade completa, e talvez mesmo uma grande perda de tempo. Fico tempos sem ação, vivo e revivo histórias, diálogos, ações, eu não saem da minha cabeça, me perco em mim. E afinal de contas não foi uma idéia fixa que matou o Brás Cubas? Ai de quem culpar na doença. E afinal de contas, já que estamos no Machadão, que importa se a Capitu traiu mesmo ou não o Bentinho? O barato é o que o Bentinho diz sobre isso, e o que ele não diz, dizendo.


se você trabalhasse na lavoura e ficasse bem bem cansada não pirava tanto assim...

Talvez.
Andei melancólica e junto a melancolia vem sempre uma certa paralisia.As ações de fato ajudam e ajudaram. O Lord inclusive deu uma dica bem prática: saia para correr, lulu. Endorfina, ajuda. Corri, fui ao cinema, namorei, vi pessoas, melhorei. Conversei com um grande amigo, daqueles queridos do coração, e ele me falou isso: lulu, vai trabalhar uns dias limpando chão que tudo isso daí passa. Mas a depressão, a tristeza, a melancolia tomam conta também da minha faxineira. Porque as coisas de dentro, que não acontecem a não ser ali bem dentro são tão reais quanto as de fora. E elas acontecem, havendo tempo para se pensar nelas, havendo espaço para senti-las, ou não.

Aqui, meu alter ago de uma mulher trabalhando na lavoura: a estonteante Silvana Mangano, em Arroz Amargo, um belíssimo filme, aliás.


Tá, confesso. Para essa mesma oitava série, ali, logo depois da Clarice, resolvi dar Dostoiévski, Memórias do subsolo. Okei. Pirei.

Em minha defesa digo que o pai de alguém havia falado para o filho que esse era o melhor autor do mundo e o moleque pilhou a classe inteira e ano passado todos falaram que queriam ler Crime e Castigo. Pe-di-ram. Que fique bem claro que dou aulas numa escola particular SP onde a maioria dos pais são intelectuais, artistas, profissionais liberais, etc. Por isso que esse tipo de coisa acontece. Enfim Crime e Castigo é enooorme. A orientadora vetou. Ficamos com Memórias do subsolo.
O livro tem duas partes, a primeira é pura angústia do personagem. Na segunda coisas acontecem. Pulamos para a segunda, quem gostar, depois lê a primeira. A angústia permanece. O cara se acha feio, e ainda por cima nem expressão inteligente tem. O cara se acha superior a tudo e a todos, ao mesmo tempo, se acha tão inferior que não olha nos olhos de ninguém. O cara sai à noite às vezes à procura de alguma experiência na vida. vê uma briga numa taverna, um outro é jogado pela janela. O cara fica querendo participar de uma briga, quer ser jogado pela janela.
- puta looser professora!!!
- meu, mata logo esse cara!!!
- ele merecia ser preso e comido na prisão!!!
Continuei lendo. O narrador tenta arrumar uma briga, mas é ignorado, não consegue nem isso. E pira. Fica dois anos pirando, planejando uma vingança sobre o outro que o ignorou e não se dignou nem a brigar com ele. Os alunos não acreditavam. ( sempre nas aulas iniciais sobre qualquer livro, leio o livro em voz alta com a classe, vamos lendo e conversando, é uma boa dica para quem dá aulas)
- meeeeeuuu!!!! por que alguém vai perder tempo escrevendo sobre um cara assim????
Até que uma menina levantou a mão:
-sabe, esse cara é meio pirado mesmo, mas... às vezes, eu piro muito com umas coisas que não têm nada a ver!! eu fico super encanada, pensando hooras.
Sorri um pouco, bem discretamente, estava salva:
- é... ás vezes eu me sinto também sem vontade de falar com ninguém...
- eu, ano passado, encanei com uma coisa que eu fiz e fiquei o ano inteiro encanado com essa coisa...
- eu já saí à noite procurando briga, por nada...

pronto. O livro tá rolando.
( dá para ler um trecho, aqui)

As histórias de dentro, as histórias de fora, e o mundo que se organiza.

Às vezes, essas coisas, as coisas de dentro, são traduzidas por grandes obras, que tratam não só das nossas vidas e ações mas também desses macaquinhos que vivem ali, em nossos trapézios, e às vezes parecem ter vida própria, dão o maior trabalho e não há lavoura que os acalme.

Não precisamos viver nossas vidas como personagens de Dostoiévski, ou como alguém num filme do Wood Allen, mas também não somos sempre o Bruce Willis que não só é duro de matar como também salva o mundo todos os dias. O bacana é, talvez, ter espaço para os dois, e para quantos mais vierem, e agir e curtir também a poesia do como a vida é feita.

Reconstruir a ordem do mundo e também a nossa, a cada vez, a cada novo perigo de destruição e perda de sentido.

Os livros ajudam - com ação ou sem ela.







aqui, o menininho maluquinho do Ziraldo, que explica tudo o que eu quis dizer, de maneira bem mais suscinta, não encontrei uma imagem maior... fica assim mesmo, para a gente lembrar. Reparem nos macaquinhos!!.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

dia gris

Então há dias em que a melancolia toma conta do mundo e das coisas. Vem quase sem aviso, ou já estava guardada ali, em algum lugar do corpo, prestes a expandir-se e entrar pelos pés, pela ponta dos dedos das mãos, cobrir o crânio, e penetrar nos ossos. E parece, então, que todas as vontades se acabam. Nesses dias, respira-se porque é automático, e as células e tudo o mais continuam funcinando porque sim. Nesses dias a cabeça curva-se, os ombros caem, e olha-se para baixo, e o mundo parece algo distante e estranho.

Uma voz, distante e externa fala assim que tudo está certo, que não há sentido na melancolia. E não há. e daí? Os prédios que vejo da minha janela parecem vazios, assim como tudo o mais. Em dias assim, é melhor esperar que passe, sentada num canto branco da casa, sem concentração nem para um livro, uma linha, uma palavra. Há dias assim. Há outros dias. eles vêm também, eu sei, mas esses dias são bem de verdade. e parecem me dizer algo que eu ainda não sei ouvir, enquanto olho para baixo e tenho um pouquinho de medo.


Joseph Mallord William Turner (English, 1775-1851), Moonlight, a Study at Millbank, 1797, oil on canvas, Tate Museum, London

O caminho de saída para dias assim é de ação, sair pela rua, ir ao cinema, aula de ginástica, sapatos novos, trabalho. pode deixar, eu sei. mas, tem dias que ficam assim.

paixão

Então ela foi ao dicionário, ver se encontrava aquilo que sentia. Digitou a palavra,



Foi encontrada 1 entrada.


paixão



do Lat. passione, sofrimento

s. f.,
sentimento excessivo;
amor ardente;
afecto violento;
entusiasmo;
cólera;
grande mágoa;
vício dominador;
alucinação;
sofrimento intenso e prolongado;
parcialidade;
o martírio de Cristo ou dos Santos martirizados;
parte do Evangelho em que se narra a Paixão de Cristo;
colorido, expressão viva, em literatura.

Tentou ainda mais um. escrito. Virou as páginas:


Houaiss:

Datação
sXIII cf. FichIVPM

Acepções
substantivo feminino
1 o sofrimento de Jesus Cristo na cruz
Obs.: inicial maiúsc.
2 Derivação: por metonímia.
o segmento do Evangelho que trata do martírio de Cristo; esse martírio, e o dos santos
Obs.: inicial maiúsc.
3 Rubrica: teatro.
peça teatral cantada, ou oratório sobre o tema da Paixão (acp. 2)
Obs.: inicial maiúsc.
4 Derivação: por extensão de sentido (da acp. 1).
grande sofrimento; martírio
Ex.: recebeu o conforto que sua p. merecia
5 (sXIV)
sentimento, gosto ou amor intensos a ponto de ofuscar a razão; grande entusiasmo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador
Ex.:
6 a coisa, o objeto da paixão ou da predileção
Ex.: a leitura é sua p.
7 furor incontrolável; exaltação, cólera
Ex.: dominado pela p., agrediu o motorista que provocou a colisão
8 ânimo favorável ou contrário a alguma coisa e que supera os limites da razão; fanatismo
Ex.: a p. religiosa tem provocado graves conflitos na Índia
9 sensibilidade, entusiasmo que um artista transmite através da obra; calor, emoção, vida
Ex.: filme pleno de p.
10 Rubrica: filosofia.
no kantismo, inclinação emocional violenta, capaz de dominar completamente a conduta humana e afastá-la da desejável capacidade de autonomia e escolha racional
Obs.: p.opos. a ação ('atividade livre')
11 Rubrica: filosofia.
no nietzschianismo, estado em que determinado afeto organiza e orienta toda a difusa emotividade humana em uma disposição plena de saúde e vigor
12 Rubrica: lógica.
categoria aristotélica que indica a passividade, a inatividade perante uma ação alheia
Obs.: p.opos. a ação ('categoria aristotélica')


Etimologia
lat.tar. passìo,ónis 'paixão, passividade; sofrimento', pelo vulg.; ver 2pass-; f.hist. sXIII paixon, sXIII paxon, sXIV payxõ, sXIV payxõoes, sXV paixão, sXV passiom, sXV paxam 'martírio', sXV paixões, sXV passõoes 'sentimento'

Sinônimos
ver sinonímia de mania e martírio e antonímia de desleixo e indiferença

Antônimos
imparcialidade




Ela ficou um pouco preocupada....
Sentou e torceu, não torcendo, para que passasse logo.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

literatura na internet e a falha de sp...

Enquanto rolam na blogosfera discussões bacanas e sérias sobre literatura na internet, a Falha de SP resolve fazer um debate sobre o assunto, e chama quem???




AQUINO E BRUNA SURFISTINHA DEBATEM NO CCBB
Hoje, às 19h30, no CCBB (r. Álvares Penteado, 112, centro, tel. 0/xx/11/3113-3651), os escritores Marçal Aquino e Bruna Surfistinha debatem "A Literatura na Internet". O evento, que vai reunir o roteirista e autor de "O Invasor" e a blogueira de "O Doce Veneno do Escorpião - O Diário de uma Garota de Programa", terá transmissão on-line via TV UOL no www.tvuol.uol.com.br. O encontro é gratuito e terá mediação de Marcelo Rubens Paiva e Marcelo Tas.


O Marçal Aquino é autor de livros publicados em papel, reconhecido, etc, etc. etc. A Bruna surfistinha tem blog, mas não faz literatura, e ( acho) nem quer fazer.

Não custa perguntar...

Alguém entendeu?

pô, e os mediadores são ótimos. Quanto desperdício...

melhor ficar nos blogs mesmo:

Alguns links:
Links descaradamente chupados do ótimo post do Alex sobre o assunto,

Por Que Os Jovens Autores Querem Ser Publicados Pelas Grandes Editoras?

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Ratatouille e o omelete de amoras

O Rei e a Omelete

Era uma vez um rei que tinha todos os poderes e tesouros da Terra, mas apesar disso não se sentia feliz e a cada ano ficava mais melancólico.

Um dia ele chamou o seu cozinheiro preferido e disse: "Você tem cozinhado muito bem para mim e tem trazido para a minha mesa as melhores iguarias, de modo que eu lhe sou agradecido. Agora, porém, quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me preparar uma omelete de amoras iguais àquelas que eu comi há cinqüenta anos, na infância.

Naquele tempo, meu pai tinha perdido a guerra contra o reino vizinho e nós precisamos fugir: viajamos dia e noite através da floresta, onde afinal acabamos nos perdendo.

Estávamos famintos e cansadíssimos, quando chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha que nos acolheu generosamente.

Ela preparou para nós uma omelete de amoras, quando a comi, fiquei maravilhado: a omelete era deliciosa e me trouxe novas esperanças ao coração.

Na época eu era criança, não dei importância à coisa. Mais tarde, já no trono, vasculhei todo o reino, porém não foi possível localizá-la.

Agora quero que você me atenda esse desejo: faça uma omelete de amoras igual à dela. Se você conseguir, eu lhe darei ouro e o designarei meu herdeiro, meu sucessor no trono. Se você não conseguir, entretanto, mandarei matá-lo".

Então, o cozinheiro falou: “Senhor, pode chamar imediatamente o carrasco”.

É claro que eu conheço todo o segredo da preparação de uma omelete de amoras, sei empregar todos os temperos.

Conheço as palavras mágicas que devem ser pronunciadas enquanto os ovos são batidos e a melhor técnica para batê-los. Mas não me impedirá de ser executado, porque a minha omelete jamais será igual à da velhinha. “Ela não terá o sabor picante do perigo, a emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido, não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa e do ansiado repouso, enfim conseguido. Não terá o sabor do presente estranho e do futuro incerto". Assim falou o cozinheiro.

O Rei ficou calado, durante algum tempo.

Não muito mais tarde, consta que lhe deu muitos presentes, tornou-o um homem rico e despediu-o do serviço real.”

(adaptado de : Walter Benjamin, em Imagens do Pensamento, In: Walter Benjamin, obras escolhidas volume II, "Rua de mão única"; São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 219 )


Fui ver ratatouille da Disney, um dos filmes mais bacanas em cartaz.

Esqueçamos a baboseira de anyone can cook, do ratinho que deve vencer todos os preconceitos em relação a sua espécie e origem, que deve acreditar em si mesmo, e blablabla... esqueçamos o de sempre, a moral disney americana, onde há espaços para todos, e o mundo é democrático e belo e tal, e fiquemos com o que há de grande no filme, que em muito supera as lições do politicamente correto.

É um filme que homenageia o comer. O desfrutar e a apreciação dos sabores. O pobre ratinho que quer ser chef e para isso deve superar suas origens e condição roedora não somente tem um olfato excelente, mas também sabe distinguir gostos. Fecha os olhos, experimenta um queijo amarelo e ouve os sons que aquele sabor suscita. Experimenta uma noz, e ouve sons diferentes. Experimenta os dois juntos, e cria uma sinfonia. Ele presta atrenção na comida, aprecia os sabores, e não é necessário mais que isso para ser um grande cozinheiro. Basta respeitar cada ingrediente, tirar de cada um o que há de melhor.

O pobre ratinho não pode viver de lixo, de restos de comida que servem somente para encher a barriga, não pode viver de roubo. O ratinho sabe das coisas, arrisca sua vida e expõe a colônia inteira por alguns pistilos de açafrão. Ele tem que ser um chef.

Sozinho, vai parar em Paris, a meca dos que gostam desse negócio de comer e cozinhar. Vai parar bem ali na cozinha de seu ídolo, um cozinheiro que popularizou a idéia que lhe encheu de esperanças, de que qualquer um pode cozinhar, mas que, entretanto, morreu de desgosto ao perder duas estrelas de seu restaurante. É fato que chefs franceses morrem por causa disso, se suicidam, nunca mais se recuperam, esse tipo de coisa, ao perder estrelas no Michelin. O implacável crítico, Anton Ego ( e alguém já viu nome mais excelente? ) retirou duas estrelas da casa, colocando-a no seu lugar de direito: lugar turístico para estrangeiros deslumbrados. É o começo do fim, um golpe duro demais.

Pois bem, o tal do ratinho ( sim, esqueci o nome do bicho, sorry, ou melhor, pardon) , chega lá e graças a mil artimanhas e peripércias possíveis somente na ficção ( e quem é que liga? ) torna-se o chef da casa. E mais, passa a fazer aquilo que até então ninguém ousara: altera as receitas consagradas do antigo chef. Muda, incrementa, inventa. Todos se horrorizam, mas o povo ( tá, povo não, coloquemos comensais) os comensais gostam e se acabam. Querem mais novidades. O restaurante volta a ser popular, volta a ganhar boas críticas, volta para o centro das conversas, há filas na porta, a mídia enlouquece.

Falta o parecer Dele, do Crítico: Anton Ego.

Ele, que já havia dado a sentença final, que já condenara o restaurante à galeria das estrelas menores, a ponto turístico e nada mais, a reles três estrelas. Anton Ego não se conforma de estarem refutando suas palavras finais. Como assim?A sentença final fora dada. Anton Ego volta ao restaurante e avisa, para toda a imprensa e o mundo, que estará lá no dia seguinte, para dar uma nova chance ao estabelecimento.

Não há nada mais tenso que a visita de um crítico a nossa casa. Ali, a visita toma proporções inimagináveis. Anton Ego é tudo o que pode haver de mais horroroso em um crítico. Ele é implacável, mordaz, feroz - tem a vida e a morte dos chefs e de suas casas nas mãos - e diverte-se com isso. Anton Ego vai lá preparado para o pior. E diverte-se com isso. Ele é a estrela, ele é o artista maior, ele é deus.

Estão todos nervosos. O maitrê vai atendê-lo, o pobre treme. E o crítico, ao ser perguntado sobre o quê deseja, responde:

- Uma perspectiva.

- Como assim?

- Eu quero uma perspectiva. Que vinho combina com isso?

O maitrê treme, sua frio, não sabe como traduzir uma perspectiva em pratos, está perdido. O crítico é , então, um pouco mais condescendente:

- Eu quero que o chef surpreenda-me. Supreenda-me. E quero o vinho tal ( algum vinho desse excelentes, que eu não lembro qual era, aposto que a Birgitte lembra!).

Não há diálogo melhor. O vinho é servido, na cozinha, o caos absoluto , não vou contar para não tirar a graça da surpresa para quem ainda não viu o filme, mas de qualquer maneira, dá tudo errado, como não poderia deixar de ser. No entanto, o ratinho ainda reina, ainda que só e desacreditado. The show must go on.

O que servir a Anton Ego?

E, então, vem a sacada de gênio, o ratinho resolve servir uma ratatouille. Um prato simples, camponês, desses que se come em casa, trivial - barato, até.

Nada de escargots ao molho de besouros raros da índia e emulsão de camarões cantoneses; nada de espuma de vieras embaladas numa sopa fria de salmão selvagem com um leve toque de tamarindo; nada de aspargos dourados em óleo de abacate cobertos por foie gras e lascas de atum, nada de acrobacias. Uma boa e velha ratatouille, que consiste basicamente de abobrinhas ( tipo italiana), berinjelas e tomate, com tomilho, levadas ao forno. As receitas variam, um pouco de cebola cai bem também, e se vc quiser ousar e colocar abóboras, fica uma delícia. Basta picar ( pedaços grandes, não é para virar uma papa) e colocar tudo no forno, regado com muito azeite de oliva, até que os vegetais amoleçam e quase queimem, galhos de tomilho são fundamentais, sal e pimenta do reino. Alguns alhos inteiros ficam bons também, pode fazer.

É isso que o ratinho faz, mudando um pouco a receita original. A antiga sous chef fica horrorizada, é o fim de tudo, como servir um prato simples assim a ele: Anton Ego? estão todos perdidos.

Cobre-se o recipiente com um molho de tomate espesso, fresco, feitos com os melhores tomates, escolhidos um a um pelo cheiro. Fatia-se as berinjelas e as abobrinhas em fatias finíssimas, rega-se o prato com azeite e tomilho, forno e voilá. Pronto o assado, monta-se o prato com arte e beleza, e então a ratatouille chega à mesa de Ego.

Agora, quem não leu ainda, ou não entendeu a historinha do omelete de amora que introduz o post deve lê-la novamente. O crítico mal humorado, azedo, pálido e infeliz, prova a ratatouille que lhe é servida. E fecha os olhos. E lembra-se da sua infância, de sua mãe lhe servindo uma ratatouille. O crítico chora. Um momento proustiano, disse um outro amigo meu.

E Anton Ego volta para casa, e escreve a crítica mais elogiosa de sua carreira, entrega-se à arte do pequeno camundongo, diminui em estatura, e louva a cozinha daquela casa e daquele rato.

Depois, a agência sanitária acaba por fechar o estabelecimento, e não tem importância, todos ficam muito felizes numa nova casa, um simples bistrô, sem estrela alguma e muita comida boa, com espaço para homens e ratos.

Porque os sabores mais importantes são os mais simples, são aqueles relacionados à vida e à experiência de se estar vivo, são aqueles que nos trazem memórias e condensam experiências, emoções.

O sabor da omelete de amoras, sempre buscado, sempre procurado e que, sempre, vale a pena ser vivido e experenciado.






sexta-feira, 10 de agosto de 2007

dia de redação 2

Os leitores atentos e de boa memória desse diário já sabem que sexta feira no curso de português da lulu é dia de redação ( segunda: leitura; terça: gramática. )
Quero contrar da sexta passada, que não só foi dia de redação como também foi o primeiro dia de aula depois das férias, as aulas começaram na quarta feira, então só encontrei os meninos sexta.

Com a quinta série o grande estudo de redação é entender bem como se compõem as histórias, do que são feitas as narrativas e quais as regras da narrativa.

Perceber que toda história tem personagem ( tooodaaa? toda. mesmo se vc fizer as aventuras do ventilador maluco, o ventilador maluco será o seu personagem). Toda história se passa em algum lugar ( toooda?? toda. Um quarto, um país, uma casa, uma escola, um lugar que é o nada, uma encruzilhada, uma cozinha, mil cidades, um avião... ), toda história tem um tempo (uma duração. não existem ações fora do tempo, então toda história dura um tanto. Ela pode durar para sempre, e ter começado a acontecer desde tempos imemoriais, mas a narrativa vai pegar uma fatia de tempo e escolhê-la para narrar. Pode-se narrar um dia, a história pode ter a duração de uma almoço, pode acontecer em três minutos, em décadas e décadas, pode atravessar gerações. Muita coisa pode acontecer, em espaços mínimos e enormes de tempo, cada história tem o seu, mas todas as histórias duram algum tempo, desenvolvem-se no tempo). E o enredo. Como os personagens agem, vivem, pensam nesse espaços/espaços, por uma fatia de tempo determinada. ( toda história tem enredo? sim, mesmo nas que não acontece nada. Ai professora, essas são bem chatas, né?)

Os escritores são como espécies de deuses que, com elementos simples, criam mundos, personagens, determinam durações, e então criam histórias. Há histórias que primam pela excelência dos personagens. Outras, em que o espaço ocupa um papel fundamental ( vamos lá: o que seria de Harry Potter sem Hogwarts? Aquela escola é o máximo!), outras que centram-se na passagem do tempo, outras que centram-se no enredo, na sucessão de ações e acontecimentos. Pode haver histórias quase sem enredo (odiadas com todas as forças pelos adolescentes. Depois a gente fica mais tolerante com histórias quase sem enredo. Engraçado isso, talvez seja porque aprendemos a apreciar a estética literária em si, mais que a historinha, que importa cada vez menos. Afinal, o que dá mesmo a qualidade à obra não é o quê ela conta, mas como ela conta aquilo que conta. ). Há histórias sem marcação de tempo, de espaço, mas os elementos da narrativa são esses.

E aí, quando vamos contar a tal da história, aparece a figura do narrador, e então vem a última escolha que o escritor tem que fazer: escolher seu foco narrativo, como contará a história, com posicionará sua câmera. Toda história contada é contada de alguma perspectiva, não tem jeito.
Pode ser uma narrativa em primeira pessoa, e aí a perspectiva será toda parcial. Essa primeira pessoa pode ser a protagonista ou não da história ( e não há nada mais difícil que construir uma narrativa em primeira pessoa, na quinta série ainda não rola. Começa a poder acontecer lá pela sétima, ou oitava). Pode ser uma narrativa em terceira pessoa, e aí vem o tal do narrador que vai falar sobre o outro. O outro pode ser um outro mesmo, e o narrador pode ser quase transparente, ou seja, imparcial, onisciente, onipresente, etc. ou, o narrador pode ser um personagem da história, sem participar necessariamente dela, pode narrar algo que viu ou ouviu; o narrador pode ser um personagem. De qualquer forma, o narrador já não tem nada a ver com o escritor, e essa é uma lição importante aprendida na quinta série já, e esquecida, esquecida, esquecida. O que se confunde narrador e escritor por aí, não é brincadeira. De qualquer forma, o foco narrativo define tudo o que a história vai mostrar, e o que ela não vai mostrar.

O que a gente faz na quinta série e no curso de redação em geral é uma série de exercícios que trabalham todos esses elementos da composição narrativa. Ninguém precisa sair escritor, mas é bacana poder inventar uma história, escrevê-la com clareza, e ter critérios de discussão e avaliação claros. A qualidade literária das histórias, o como elas são narradas, a escolha das palavras, a criação deimagens poéticas, quase nem ligo para isso, até porque isso acaba criando uma certa presunção, ou mesmo bloqueios. O importante é contar histórias, bem construídas, e compreensíveis. Quem sabe fazer isso, já sabe um monte.

No primeiro dia de aula da quinta série, falei um pouco disso tudo - e é fácil falar disso usando exemplos de narrativas infantis clássicas, onde todos esses elementos aparecem de forma bem evidente, especialmente o espaço: Nárnia, A Terra Média, A Terra do Nunca, A Ilha do tesouro... . Queria trabalhar com eles a noção de verossimilhança, fundamental em qualquer narrativa que se preze.

O povo acha às vezes que ser verossímil significa ser possível, dentro do nosso mundo. Então sai do filme de dinossauros falando assim: isso não é verossímil, que filme ruim.
Nadica disso.
( agora, permitam-me uma digressão)


Dentro desse mundo da ficção, o compromisso é muito mais com a verossimilhança do que com a mimese, a mimese acontece, mas é a verossimilhança o ponto principal. Explico-me:
a criação literária não precisa ser uma imitação do mundo tal como ele é. O critério de sentido de uma obra, de convencimento, não está no quão semelhante ao nosso mundo ela é. O que nos faz crer numa obra literária, ou num filme, é a tal da verossimilhança, no sentido interno, da coerência interna que tal obra deve ter. A obra deve ser semelhante a si mesma, fiel aos seus princípios internos de construção.
Por exemplo: eu posso inventar um mundo onde há dinossauros, e eu quero no entanto que esse seja o mundo contemporâneo, de hoje em dia, tal como ele é. Eu preciso , então, dentro das regras do mundo de hoje em dia tal como ele é, elaborar estratégias que convençam o espectador da possibilidade de existência de dinossauros andando vivos por aí. Então eu tenho que inventar alguma história que sustente a possibilidade de em uma ilha secreta haver um jardim zoológico pré histórico. Coloco cientistas vestidos de jaleco ali, incremento o lance com pitadas de teorias científicas da moda, teoria do caos, por exemplo, crio reuniões governamentais onde tudo isso é discutido, invento um milionário bem louco que financiou tudo aquilo, mostro experimentos genéticos, coloco logo no início do filme alguém dando uma aula sobre tudo isso ( geralmente para um ouvinte cético) e voilá! a ficção está montada, e a gente assiste e pode acreditar no que está vendo. Me entendam: essa crença não precisa ser uma crença ingênua, onde a gente sai do cinema e pensa: puxa, onde eu vou encontrar o próximo dinossauro? Mas tem que ter um nível de crença suficiente para a gente ligar prá se o menininho vai ou não escapar daquela ilha vivo. A apreciação da arte requer algum tipo de entrega, deve-se entrar no faz de conta, e quando a gente entra, e chora, torce, vibra, se emociona, passa nervoso, cria afeto pelos personagens, já é bem legal. Num nível mais sofisticado, é possível também apreciar as obras como quem ouve uma música erudita, reparando na composição, nas palavras, no ritmo, nas cores, na descrição, na arte mesma da forma da obra.
Se a obra não é verossímil, se ela não te convence, se é mal composta, a gente fica pensando assim: puxa, esse roteiro tem furo; puxa, esse ator até que tá bem; puxa, esse cenário tá bem feito...; puxa, onde será que a gente vai jantar depois? ...
nesses casos a gente não só lembra do faz de conta ( e Brecht que me perdoe, mas eu acho isso um saco) como também se distancia, não é levado, não comunga mais com a obra, e não há encanto de composição. A verossilhança, repito, é interna, e é fundamental dentro da obra de arte. A arte pode representar o impossível, e esse se torna ou não verossímil graças à técnica e arte do artista criador.
( fim da digressão)

Então os primeiros exercícios da quinta série do segundo semestre de aula foram dois:
1) imagine um lugar frio, muito frio, gelado mesmo. Uma temperatura média de menos dez graus. Um lugar onde o sol quase nunca aparece e quando vem é pálido e fraco, e dura somente algumas horas. Um lugar onde sempre é de noite, onde neva, e venta. Imagine as cores desse lugar, a sensação de estar nesse lugar. O quê se come num lugar como esse? Como as pessoas vivem?
Agora, crie dois personagens que vivem nesse lugar.
- Pode ser um ser? Tipo um monstro da neve?
- Pode. A única coisa é que a criação tem que ser bem completa, como é esse personagem que vc criou, do que ele vive, como ele vive, onde mora, o que come, tudo, tudo , tudo.
- Pode desenhar?
- Depois que vc tiver escrito, pode.

( quanto mais tempo durar a descrição inicial e alguma discussão, mais fácil fica o exercício, porque todo mundo fica imaginando mesmo, e aí é baba)

2)Imagine um lugar muito quente e sem praia. Um deserto, onde a média de temperatura durante o dia chega a ser 40 graus. Ali tudo é muito quente, à noite esfria, mas durante o dia é quente mesmo. O sol nunca dá uma trégua, e chove de vez em nunca. Há pouca água. Quais são as cores desse lugar? Como seriam as casas desse lugar? Qual a paisagem?
Agora, crie dois personagens, ou seres, ou bichos, que vivam nesse lugar. A descrição tem que ser bem completa, muito completa, o melhor que vc conseguir, quanto mais detalhe, mais eu vou me convencer de que esse bicho, ou homem, ou ser, existe mesmo. Só pode desenhar quando tiver acabado de escrever ( sim, tem que repetir todas as instruções novamente, umas dez vezes, pelo menos) .

Essa foi a aula de redação da quinta. Me empolguei tanto que quase não sobrou espaço para falar das outras séries. Mas a escrita é assim mesmo também, toma caminhos apesar da gente, toda essa construção teórica na verdade serve de pouco quando estamos escrevendo, as palavras é que mandam. Mas vamos lá:

Na sexta, eles estão revisando um livro de histórias de detetive que fizeram.

Na sétima, eles estão lendo e escrevendo histórias de realismo fantástico, ou mágico. O tema de redação foi:
Esfeluntes.
- Como assim?
- Esfeluntes, oras bolas.
- O que é esfeluntes?
- Não sei.
- E aí?
- e aí sei lá, ué. tem que aparecer esfeluntes na história.
- em qualquer lugar? de qualquer jeito? pode ser o que eu quiser?
- sim.
- Pode ser uma doença? um sentimento? um ser? uma coisa? um nome?
- sim.
- eu posso escrever qualquer coisa e botar esfeluntes no meio?
- sim.
- tá.

Juro, eles fazem. Primeiro, porque é divertido, ou pode ser divertido. Depois, porque essas são as regras do dia de redação: tem que produzir pelo menos vinte linhas. Não tem conversa. Depois pode levar para casa, melhorar, começar até de novo, mas quem não escrever vinte linhas na aula fica com zero. Sério. Sem frescura de inspiração, vai escrevendo, deixa que a sua mão lhe leve.
Sabem quantos zeros eu dei até hoje? nenhum. é gostoso escrever, a aula de redação acaba servindo como uma pausinha no tempo, cada um na sua, inventando os seus negócios. às vezes fica bom, às vezes fica ruim, mas não importa, esse exercício de fluidez de escrita é bem importante, escrever no ritmo do pensamento é algo que se adquire com o treino, com a escrita, e escrever se aprende escrevendo, então vamos lá. Esfeluntes.


E na oitava, mesmo esquema.
Oi e tal. Nada de perguntar das férias, nadica disso. Vamos ao ponto, uma redação, para hoje pelo menos vinte linhas. Se você resolver a história em menos linhas, ok ( na oitave eles já começam a ficar mais espertos). Tá, não tem tamanho mínimo nem máximo. Tem qualidade e honestidade.
Tema:
- a ponte.
- que pooonte?
- qualquer uma.
- mas como assim?
- "a ponte", gente. Comecem a pensar. Tem algo embaixo dessa ponte? de um lado e de outro? é esse o tema, a ponte. e nãos e esqueçam: tema não é título.
- pode ser uma ponte metafórica ou precisa ser uma ponte mesmo?
- pode ser a ponte que vc quiser. Vamos lá.

e assim passa o dia de redação. Sim, é o dia mais legal da semana.

Leia também: dia de redação.