quinta-feira, 8 de julho de 2010

A notícia mais triste dos últimos tempos

Algumas notícias passam por nós sem que prestemos atenção. Notícias da mais alta gravidade e tristeza, notícias de países e pessoas distantes, notícias de catástrofes, notícias boas ou ruins que vemos quase como abstração, sem peso ou gravidade. Lemos o jornal e  seguimos vivendo, sem gastar com tais notícias que não nos tocaram  um minuto sequer de pensamento, carinho ou preocupação.

Outras notícias nos chegam e é impossível esquecê-las. Ficamos obcecados, procurando informações, imagens, saberes a respeito do fato acontecido. Essas notícias tornam-se nossas companheiras por dias, e tomam nossas conversas e pensamentos, no banho, no táxi, no bar.Algumas alcançam altas repercussões e viram o assunto inevitável de qualquer encontro, outras pertencem somente a nós, e tornam-se quase um problema individual. Uma nota curta, uma notícia escondida.

Eu quase nunca sou tomada pelas notícias que tomam a todos. Não quis saber da Isabela, dos Ardoni, não tenho o menor interesse no goleiro Bruno e nao quero ver a musa paraguaia da copa pelada. Até ontem não tinha a menor ideia do que era o  tal do Polvo Paul.

Mas algumas notícias me atingem, tocam, e ficam.
A notícia que me atingiu nesses dias não foi a de horrores de adultos doentes, ou  a mediocridade do nosso time na copa, nenhum derramamento gigante de óleo, atentado, tsunami ou enchente.

Nesses dias, parei por um casal que morreu em um acidente na Via Dutra, enquanto namorava no carro. 

A notícia, dura, fria, dos acontecimentos, é essa:

"O casal que morreu em um acidente na rodovia Presidente Dutra, na manhã desta quinta-feira (1º), estava namorando dentro do carro no acostamento da via, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal. O homem e a mulher foram encontrados sem roupa.
O veículo Fiat Uno estava parado na altura do km 175 da rodovia, no sentido São Paulo, na região de Guararema, por volta das 6h, quando foi atingido por um caminhão. O motorista teria perdido o controle do veículo por conta da neblina que tomava conta da estrada.

Com o impacto do acidente, a mulher foi arremessada pra fora do carro e atropelada por outros veículos. O homem ficou preso nas ferragens. Não houve tempo de socorro, os dois morreram na hora."


Primeiro, distraída, fiquei tocada pelo uso do eufemismo.
Achei bonito encontrar  o verbo namorar em meio a uma notícia de acidente, e achei bonito usarem "namorar" ao invés de transar, ou fazer sexo, ou sei lá qual o termo usado pelo jornalismo nessas ocasiões mais íntimas.Gostei da ideia de um casal namorando, no acostamento da estrada, nus.

 Depois pus-me a pensar  que de tantos namoros em carros, são raros aqueles nos quais  se tira todas as roupas. Geralmente o namoro no carro é o namoro apressado,  onde se abaixa o zíper, a calcinha e equilibra-se mal e mal entre o freio de mão e a direção, em meio ao medo do flagra, do assalto, em meio ao medo. Ou o namoro longo, daqueles sem quarto ou privacidade,  que no entanto não chegará mais longe, daqueles filmes dos anos cinquenta, nos quais o homem fica insistindo e a menina não cede. Ou cede. Mas ninguém tira a roupa. Não parece haver no carro espaço para a nudez, para uma entrega tão completa e de tanta intimidade.
Um casal nu, namorando, no acostamento da via Dutra, às cinco e quarenta da manhã.

Um casal singular, um casal feliz, fiquei querendo que eles fossem muito felizes.

Flávio e Juliana.

 Ela, secretária; ele, vendedor.  Trinta e três e trinta e dois anos. Nus.

Impossível não pensar na história que os levou até ali. A neblina era forte, talvez tivessem encostado por precaução e por paixão resolveram passar o tempo de um jeito mais belo. Talvez estivessem ali, namorando, a noite inteira. até o amanhecer, perdidos da hora e do espaço. Talvez fosse a primeira vez. Talvez se amassem, talvez não.Talvez estivessem voltando de uma festa onde se conheceram. De onde vinham, para onde iam, não se sabe.

 O fato é que namoravam, nus, às cinco e quarenta da manhã, uma manhã de neblina, no acostamento da Via Dutra.

E em meio ao amor, foram apanhados.

Um caminhão em alta velocidade amassou o carro inteiro e destroçou ali o carro e os corpos de Juliana e Flavio, que se amavam no lugar errado, na hora errada.

Meu repeito ao casal, e meus pensamentos, nessa semana, vão para essa história interrompida,  tão triste, de atropelamento tão absoluto de tantas coisas tão belas.

4 comentários:

  1. confesso que me apaixonei. apaixono-me por quem pensa em fragmentos, em detalhes, na sutileza de um amor invisível, mas que ali estava em ânsia e alegria, até o acidente. essas pequenezas. esse namorar. lindo o seu texto. lindo!

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  2. acho, carla, que a vida só conta mesmo nos detalhes, é ali que estão as coisas, na sutileza, nas pequenezas. é dessa matéria que é feita a vida bela, aquela que vale a pena viver.
    Um beijo!
    obrigada!
    Lulu

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  3. pelo menos, por instantes ou até mesmo horas, sentiram o mais maravilhoso sentimento do universo. o de amar. o de se desejar e ser desejado. o prazer.

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  4. A vida, por vezes, parece uma piada de mau gosto. Enfim, bom texto!

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