sexta-feira, 29 de junho de 2007

da dor e outras dificuldades

Pensamentos esparsos...

Eu dou aulas há uns dez anos, por aí. Em todas as classes que lecionei, da quinta série ao terceiro colegial, sempre havia pelo menos um aluno medicado. Hiper atividade, depressão, ansiedade, sei lá o quê. Sempre. Pelo menos um. Escolas particulares, classe média paulistana. Uma vez, um menininho da quinta série que não conseguia parar quieto na cadeira me escreveu um bilhetinho pedindo desculpas e se explicando: desculpa, professora... é que eu sou imperativo.
Eu desculpei, e fui conversar. Como é seu dia? Ah, eu vou à escola de manhã, depois volto par casa, fico lá, vendo tevê ou jogando vídeo game, vou pro inglês, volto... Quando você brinca? Ah, em casa, fico desenhando. Quando você corre? Na aula de educação física. Quando você rola no chão descalço, brinca até ficar cansado, joga futebol com os amigos, essas coisas? Ele ficou me olhando, rindo da professora maluca.

Eu sou a favor de remédios, anti depressivos e tal, quando e fato há algum transtorno. Depressão, por exemplo, é doença séria e deve ser tratada como tal. E de fato há muitas crianças deprimidas, hiper ativas, com pânico. Há mesmo. Mas serão tantas? Numa classe de vinte, duas? sempre?


Outra história. Está-se constatando um novo fenômeno social. Um número crescente de crianças com onze, doze e treze anos não mastigam ou têm muita dificuldade em mastigar a comida. Isso mesmo. Comem somente papinhas, purês, sopinhas, vitaminas. Não conseguem mastigar. Não, não há nenhuma impossibilidade física, biológica, simplesmente, não aprenderam a mastigar, não conseguem. É sério. E isso desenvolve sérios problemas na dentição, na formação da musculatura do rosto, do maxilar. Pergunte para o seu dentista.


A planta típica de um apartamento de uma família classe média alta é de uma suíte para cada pessoa da família. Na suíte: computador, devedê, televisão a cabo. Uma orientadora educacional perspicaz uma vez fez uma análise sobre isso: os meninos crescem sem precisar fazer uma negociação. Não negociam o controle remoto, não negociam o uso do computador, não negociam qual filme vão assistir, não negociam o uso do banheiro. Crescem individualizados ao máximo, já que a irmã gosta de ver malhação e o menino quer ver outra coisa, uma tevê para cada um. A estrutura da casa é montada de maneira que ninguém precise dividir nada, nunca. Há cinco suítes minúsculas, mas grandes o suficiente para caber o computador e a tevê, e isso é suficiente.

Uma amiga minha tem três irmãos. A família, de seis pessoas, cresceu numa casa com dois banheiros. Ela acordava todos os dias meia hora mais cedo que todo mundo para poder tomar seu banho com calma. E escapar da briga pelo banheiro de manhã. Uma negociação diária, e assim se aprende a crescer, ceder, viver em sociedade. Sério. Esse negócio de uma privada para cada pessoa da casa estraga as pessoas.

E outro dia li outro estudo interessante mostrando como o uso demasiado do celular diminuía o senso de responsabilidade e compromisso dos adolescentes. É assim: se não há celular e a gente faz um combinado, ele tem que ser cumprido. Pronto. Nos encontramos na sorveteria às seis da tarde. Tá. Conto com você para não sei o quê. Tá. Se alguém fura, não há como avisar, o outro fica na mão, é hiper complicado. Claro que é bom ter um celular, também por causa disso. Você fica preso no trânsito e liga dizendo que vai atrasar. Seu filho não chega em casa, vc liga para saber onde ele está. Mas... Eu reparei, os meninos combinam compromissos assim: você me liga quando tiver saindo, que eu te ligo quando tiver saindo e chegando lá a gente se liga para ver onde cada um vai estar. Não marcam nem o horário do encontro nem o lugar. Juro. Não precisa. Então não fica sendo tão necessário prestar atenção no outro, se adaptar ao que está fora, pois o mundo gira em torno de um ritmo individual. Não tenho nada contra celular, são ótimos e tal, mas de fato há um sentido menor do compromisso, uma necessidade menor da memória. Sem falar dos pais e mães que ligam para os filhos no período de aula, sem constrangimento algum, mas esse é um capítulo à parte.


Um menino está muito acima do peso, deve emagrecer por recomendação médica. No entanto, ele tem, todos os dias, quinze reais para gastar na cantina, o que é um despropósito, já que tudo na cantina dessa escola custa entre 1 e 2 reais. Resultado: lá vão , por dia, uns cinco pedaços de bolo, e assim por diante. Foi-se falar com a mãe. E a mãe explicou que por causa da dieta, só há legumes, saladas e carnes magras em casa, e o menino não gosta, e ela fica com pena, e dá dinheiro para ele comer na cantina. Uma outra havia brigado com a classe inteira. Pediu para a mãe que a tirasse da escola. No dia seguinte estava sendo pedida a transferência.


Outro dia, saiu na Carta Capital um dossiê sobre anti depressivos. O grande anúncio da nova geração de remédios é não somente acabar com a depressão mas também com a dor, a dor corporal e física que muitas vezes acompanha a tristeza.

Agora, me entendam bem. Anti depressivos e tais são fundamentais para quem sofre de fato de depressão ou outros transtornos psíquicos. Ajudam de fato, ainda bem que existem, acompanhados de uma boa terapia realmente ajudam as pessoas. A questão é o diagnóstico. Feito às pressas, de maneira facilitada. Eu como professora fico aflita, pois sempre, qualquer aluno com alguma complicação, agora, é hiper ativo. Ele não é bagunceiro, ou mal educado, ou simplesmente moleque. É hiper ativo ou o que tiver na moda no momento. Os pais respiram aliviados, se eximem da culpa, a escola também, e o menininho cresce medicado.

É ótimo ter tevê no quarto, tudo bem cada um ter o seu computador. No entanto, as famílias conversam pouco, pouquíssimo, pois quando em casa, não ocupam espaços coletivos. Em um documentário sobre o trânsito de São Paulo uma mãe que atravessa a cidade todos os dias para que a filha estude numa escola de elite diz que acaba sendo bom, pois o momento no carro, no trânsito, é o momento de bater papo com a filha, é o momento em que as duas estão juntas, sem mais nada para fazer.
E logo isso também vai mudar, cês não viram a propagando com o carro com tevê para o banco de trás? A família pode viajar tranquilamente para onde for, as crianças não vão mais pentelhar com o famoso: falta muito para chegar? ou com a impaciência, ou com cantoria, berreiro, choro. Ficam ali, vendo tevê durante a viagem inteira, para alívio e respiro dos pais. No carro. Ah, sou contra. Quase tive uma síncope quando vi a propaganda. Sério.

Fazer regime é um saco mesmo, eu mesma fui uma criança gordinha e é dificílimo. Eu entendo a mãe, entendo a dificuldade, não entendo o argumento dado como justificativa: ele não gosta e eu fico com pena. A gente até pode sentir isso, mas não fala, não acha que é isso mesmo. Todos os pais estão mesmo muito ocupados, não há tempo para nada, todo mundo quer sempre o melhor para os seus filhos e tal. E é claro que minhas experiências pessoais como professora não são a regra, mas há uma tolerância cada vez menor para as dificuldades da existência. As soluções procuradas são sempre rápidas, práticas e vão sempre na direção de procurar evitar todo sofrimento. A vivência da crise, da dor, da frustração, é pouco tolerada. Há uma vontade de super proteção, de controle absoluto, de soluções rápidas.

mas... não é assim - se frustrando, negociando, sofrendo - que a gente cresce e se humaniza?


Gostou desse texto? Leia também:
da obrigação de estar bem. Aqui.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Lulu by Janaína









Um dia, chegando em casa após a ginástica eu me olhei no espelho e vi que era bom.
Brincadeira, mas era um dia desses, em que a gente se olha e se vê bem. Não sei bem, quando esses dias ocorrem. São dias. Ou noites. Já testei, não adianta tomar litros de água, lavar bem o rosto, compressas de camomila. São momentos, a gente pega e fica bela, ou acha que tá bela e fica bela. Ou deixa de se preocupar com isso e fica bela. Ou relaxa. Sei lá. E então eu resolvi me fotografar. Porque fazia muito tempo que eu não me via assim.


Muito tempo.


Porque eu estou aprendendo a me ver.










Estava sozinha em casa, botei batom, prendi os cabelos. Me postei frente ao armário de madeira, me postei em frente à parede vermelha da casa, ajeitei a luz, e lá fui eu.




































E então a Janaína, a nossa querida Janaína, a minha querida Janaína, viu as fotos. E, além de escrever do jeito que escreve, com a inteligência e clareza dela, que os leitores daqui conhecem via comentários (porque ela está em fase de não querer blog...) , ela é uma artista da fotografia. Ela pediu para brincar, no photoshop. Eu fiquei toda toda. Nunca ninguém tinha brincado comigo no photoshop.









Mas eu não sabia de nada.
Eu não sabia que ia ficar tão lindo. Ela é uma artista. ( se vcs clicarem nessa aí de cima ela fica grande e parece um cartão postal!)






E aí, eu fiquei achando que até que ficava bem na foto. E me deu uma vontade louca de postar as fotos aqui. Mas eu me segurei. Pensei: a lulu não tem imagem. Até porque a lulu é a lulu, e a Luana é outra coisa- diferente. São duas coisas distintas. Isso vai dar a maior confusão. E depois o povo acaba me conhecendo e vê que não é nada disso...
Mas aí, cada nova foto que aparecia tava tão bacana, que eu pensei assim: mas ... puuxaaa...
a afinal de contas, essas fotos estão tão trabalhadas, tão trabalhadas, que podem ser fotos da lulu.


E pronto. No melhor espírito do abismo, apresento a vocês, a lulu by Janaína. Janaína P. Marques da Rocha.











segunda-feira, 25 de junho de 2007

"Para não falar de todas essas mulheres"

O Milton Ribeiro um dia escreveu mais uma história de homens e mulheres, de casais, paixões, atrações, desencontros, essas coisas. Quem o lê sabe como são tocantes - às vezes engraçadas, às vezes melancólicas, sempre bem escritas, bem construídas, sempre tocantes - essas histórias que o Milton escreve. E histórias bem escritas pegam a gente de jeito.

O Valter Ferraz foi pêgo, enlaçado e tomado pelo conto que o Milton escreveu. Um conto sobre uma Luana e um Juliano ( e eu ainda mato essas Luanas todas que andam por aí, vilipendiando um nome tão belo, tão poético... :-) ). Um conto sobre um fora. "Para não falar de todas essas mulheres". E o Valter se emocionou, e foi impelido a continuar o conto, a vida das personagens não poderia parar ali, os caminhos continuavam. Continuaram, aqui.

E fez-se o convite, ainda aberto, para que continuássemos, e escrevêssemos uma espécie de obra coletiva, onde os capítulos fossem dispostos e expostos a cada segunda, pelos meandros da blogosfera. Mas as palavras têm seu ritmo e vontade própria, e escrevemos ao mesmo tempo a continuação a partir do caminho do Valter. Eu, Adelaide Amorim, e se bobear, muita gente mais.

Não ia postar a minha agora, as Luanas e Julianos tomam caminhos diferentes em cada continuação, e isso quebraria o enredo da história. Mas o Valter falou que eu postasse. E eu fiquei pensando que fica até legal, comparar. Como a história continua, por cada mão. Quais destinos damos e demos aos personagens.

E o conto se bifurca, como num jardim borgeano. Ou não. Torna-se um conto só, multifacetado. Vai saber...
E não são sempre assim os caminhos, daqui, de lá e da literatura?
Então, aqui vai a minha parte sobre essas mulheres.

Para acompanhar, não deixe de ler primeiro o conto do Milton. Depois a continuação do Valter. Aqui está a minha, que continua a do Valter. E aqui uma outra possibilidade, no umbigo do sonho ( que nome lindo para um blog, não?) . Deu para entender, né?






Será que ele lhe era insuportável? Sim, era.
E que idéia, convidá-la para sair, daquele jeito, ali, na fila do buffet. Era melhor ser o mais direta possível nessas horas, porque senão os caras não entendem, e grudam. Deixar tudo claro de uma vez por todas, com simpatia: um cinema, ok; mais que isso, não, já aviso logo de cara que é para não criar expectativa. E a cara que ele fez? Cara de cão sem dono – pior, cão abandonado pelo dono, no meio da chuva, no dia de natal. Vai ficar com essa cara? Ele nem respondeu... dava logo para ver que ele queria uma História. De amor, sessão da tarde, pipoca, essas chatices de menino. Ah... mas como são tolos esses moleques. Imagina se ela ia se apaixonar por um menino como ele? Tenha dó! E além disso ele não tirava os olhos do decote dela, nunca, jamais. Parecia falar com o pingente que caía entre os seios, não com ela, Luana. Não fora para aquilo que ela tinha feito a cirurgia nos seios, não... queria coisas melhores, e haveria de ter. Havia prometido a si mesma: chega de sair com moleques. E respirava aliviada, queria grandes histórias, com Homens Interessantes.

Queria um homem mais velho, que lhe soubesse tocar, grisalho, as mãos calejadas, o coração calejado, que pagasse a conta e abrisse a porta do carro, lhe ensinasse sobre a vida e vinhos e tomasse as decisões. Que soubesse ouvir e falar, tivesse casa, dinheiro, carro. Que lhe contasse histórias de longe e de perto, de outros lugares, que soubesse línguas e fosse educado. Queria uma voz rouca, uma vida já construída, um porto seguro, um olhar cansado e sábio, vivido. Nada dessas besteirinhas apaixonadas de alguém que tem ainda cara de menino. Um Juliano... Nada de dedicação sem fim, de carinho, de ficar olhando enquanto ela dormisse. Queria uma certa indiferença e uma certa malícia, uma certa autoridade de homem mais velho. Sem essa de gente que fica sonhando acordada, olhando olhando, que perde a fala e mal sabe fazer um convite decente. Queria que lhe agarrassem, que lhe arrebatassem, que viessem e dissessem: vem, é por aqui. E a deixassem sem fôlego.

Melhor ser direta nessas horas. Falar logo de uma vez: só saio com homens mais velhos. E ele amuou que parecia que ia derreter por baixo da mesa. Havia até gente reparando, ela notou. E depois, sim, ela falara sem parar, porque o cão abandonado e sem dono era cada vez mais insuportável.

Pô, nunca teve um convite recusado na vida? Ele murchara, foi minguando, não conversava mais com ninguém, até olharam feio para ela. E ela tinha culpa? O olhar dele quase batia no chão, e ele nem quis sair depois com a turma. Ficou sozinho, ela reparou, e tinha como não reparar?

Lembrou do collie que tivera na infância, ele tinha uns olhos tristes assim. O collie morreu. E Luana foi ficando com mais raiva. Quanto maior a raiva, mais falava, jogava o cabelo para lá e para cá, como fazia quando ficava nervosa. A turma inteira conversando e o Juliano lá quieto, sorvendo as palavras... Não podia mais ver aquele menino, diria logo no dia seguinte: Juliano, não podemos nem ser amigos. Não aguento essa sua cara de bebê chorão. Não ia conseguir dormir. Não havia jeito. Decidiu ouvir um jazz, tomar um uísque, antes de voltar para casa. Sempre há homens interessantes e mais velhos, nesses buracos onde se ouve jazz.

Os tempos

Querido diário,

Hoje é segunda feira e o final de semana foi muito bom. Vou até contar como foi, foi assim:

No sábado acordei e fiz uma caminhada-passeio-antropológico que já se torna tradicional aos sábados: ando a Oscar Freire inteira, do começo ao fim, em direção aos jardins. Chego na Augusta, faço a ginástica, e volto para casa andando também. Deixa eu contar que a Oscar Freire, aos sábados de manhã, ainda mais sábados ensolarados como foi o de anteontem, virou point dos ricos de SP que ainda andam pelas ruas. E é engraçado vê-los, juro.

A caminhada começa pelo que convencionou-se chamar de Baixa Oscar Freire, que é um jeito elegante de se dizer que há a Oscar Freire pobre e a rica. Moro perto da pobre, então começo a caminhada por lá. Atravessa-se a Rebouças e chega-se na Oscar Freire rica. É uma coisa, calçadas alargadas, cachorros e cachorras de toda espécie andando pelas ruas, os donos - inspirados nas grifes e nas roupinhas que seus bichinhos usam - andam para lá e para cá também. Uma fauna, bem divertido. Todo mundo de cabelo liso, as mulheres de cabelo liso e comprido, uma beleza. Passei por ali, de tênis, roupa de ginástica, e cachos. Me sinto quase uma revolucionária. E é impressionante como a paisagem da cidade muda, ao atravessar um quarteirão, uma cidade guetizada. Adoro andar pela cidade.

Vou seguindo a passo rápido, afinal de contas o objetivo é exercitar-me. O bom é que as coisas da vitrine são tão feias mas tão feias que eu nem ligo de uma bota custar 300 reais. Quer dizer, ligo um pouco, mas não me tira o sono nem nada. Faço a tal da ginástica, alongo, e volto caminhando também.

Essa história toda, caminhada, ginástica, caminhada, rende umas três horas de exercício. Chego em casa suada e bem disposta, acordo ele, ainda na cama, me enfio nua debaixo dos lençóis, namoramos. Longamente, sábado de manhã. Já é tarde.

Almoço em família, festa junina na escola, encontramos amigos. Em casa, Os sete samurais, do Akira Kurosawa, e Sete homens e um destino - promessa do próximo post sobre faroeste. Tá foda, confesso. Assisto um pouco. Ele tem que trabalhar. Escrever um artigo. É noite, vou ao cinema.

Aquelas coisas de São Paulo: fila para estacionar o carro, fila para comprar ingresso, fila para entrar na sala de cinema, fila para pegar o carro de volta. Ao final a gente se sente assim quase que uma sobrevivente. Nossa, consegui! Cinema, em pleno sábado à noite.
Mas é sempre bom ir ao cinema. E adoro ir ao cinema sozinha. Sento-me sempre na segunda fileira, ali, o mais perto da tela possível. Sem ninguém na minha frente, melhor ainda, sem ninguém do lado, estou tão perto que as pessoas ali na tela tornam-se todas gigantes. É lindo. A gente se perde de si mesmo, e a tela nos invade.

Escolho os filmes um pouco aleatoriamente, primeiro pelo cinema. Só vou a cinemas de rua, quando vou ao cinema sozinha. Detesto cinema de shopping. Odeio. Não há nada como sair do filme e sentir o ar, a luz, o cheiro e o ambiente da rua, do mundo fora do filme. Esse constraste entre a rua e a sala de cinema faz parte da experiência do cinema, e se perde no shopping.

Acabei vendo um filme dinamarquês, uma história de amor entre duas mulheres, sendo que uma tem pinto. Explico-me: é um ( ou seria uma? ) transexual, prestes a fazer uma operação para virar mulher em termos corporais também. É bonito o filme, bem filmado, excelentes atores e atrizes. E trata a questão do gênero, e do sexo, e da diferença absoluta que há entre as duas coisas, de maneira delicada e sem levantar bandeiras. Uma história de amor e de encontros, tratada com delicadeza. O povo que estav aao meu lado na fila odiou, saiu xingando. Eu gostei.

Volto para casa. Escrevo minha parte do conto que o Valter me convidou a escrever ( quem quiser entrar, ainda dá tempo! Trata-se de uma ciranda de escrita, uma coisa bacana que ele inventou. Leia mais, aqui).

Domingo de manhã, é dia de tomar café da manhã na rua, ali na lanchonete que parece uma padaria, perto de casa. Compramos a Falha, o Estado... uma melancolia. Carta Capital, e Revista Gula, porque ninguém é de ferro. Deixa eu explicar que é uma lanchonete charmosa, sentamos na calçada, umsuco d maracujá com laranja e um dos melhores pães de queijo da cidade.

Em casa, Chet Baker e Dave Brubeck na vitrola e lemos mais, e mais. Domingo é dia de ler o jornal inteiro e conversar sobre as notícias. Um uísque, cozinhamos, almoçamos nós dois. Um macarrão com tomates, meia garrafa de vinho.
Vejo mais um pedaço dos filmes. Tá fogo falar sobre eles.

Vamos andar? Andamos até a Livraria Cultura, a nova. E conversamos, conversamos, e andamos. Ele, em ritmo de passeio, eu, trotando atrás dele. Chegamos. Não conhecia. Rende um post específico. Já digo que não gostei, e tem mais: achei que tem pouco livro, para o tamanho da coisa. Tava lotado. Mas encontramos amigos, e pronto. Uma hora de bate papo... Acho o Ulisses em português. Sabem quanto custa? Oitenta e três reais. Sim. Oitenta e três reais. Três Ulisses dão uma bota da Oscar Freire. Mas a bota tá na Oscar freire e é feita de couro, costurada a mão, e tal. O livro é um livro. Quem compra livro, para ler mesmo, quem vai à livraria sem ser para tomar café, não tem dinheiro! Muito caro livro nesse país. Muito caro. Depois reclama-se que ninguém lê. Depressão. Isso sim me tira o sono. O livro fica lá.

Andamos de volta para casa, mais uma hora de passeio, com fome, mas como é difícil achar um lugar barato e bom em SP para se comer. Quase impossível. Paramos ali na lanchonete na esquina de casa mesmo. Sim, onde tomamos café da manhã. Ali é quase nossa segunda casa, confesso. Comemos comida: bife, arroz, farofa, salada... Eu comecei a querer calcular as calorias ingeridas em relação às calorias gastas, mas parei rapidamente com isso, juro.
Mais conversas, mais um pouco de filmes. Hora de dormir.
E colocar o despertador para seis da manhã de segunda, pois as cem provas e trabalhos e etc continuam intactos. Pois é, a professora aqui anda totalmente sem saco...

Um beijo grande a todos,
Lulu.

Hum.. você é novo por aqui? Leia também!
Sobre a Oscar Freire, aqui.
Sobre o Ulisses, aqui.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Cansada nada!

Ontem, conversando, meio em crise, meio cansada, com uma amiga bem mais sábia que eu, ouvi:
- lulu... Cansada do quê? Eu aos trinta não cansava nunca! É normal professor pifar em final de semestre, todo professor pifa. O quê há?
- Eu...

E conversamos , conversamos. Coisas nossas. E na verdade percebi que às vezes, nessas de ego oscilante, tenho medo é de não aproveitar de fato a vida. De deixá-la passar, arriscar pouco, vê-la da estação e perder o trem. E então decidi - e essa é uma decisão sempre renovada, dia a dia, uma promessa de atos sempre refeita, a cada vez, e atos feitos e refeitos, a cada vez, porque há ciclos, e às vezes essa decisão escapa.
Qual decisão?
A decisão fundamental de se ter coragem de mergulhar no abismo da vida.
De agarrá-la pelos chifres, e deixar para lá esse negócio de cansaço, porque viver é mágico, como me disseram ontem.

E disseram mais, disseram assim:

Só se vive uma vez e não se vive no estoque do que já se tem.
Vive-se , e devemos nos expor, nos arriscar. Mesmo que soframos, mas se ganha. Sim, viver às vezes é muito complicado, arriscado, entretanto é so vivendo que se sabe que viver é mágico, que era isso o que Guimaraes Rosa queria dizer.
Lulu, vc não sabe e talvez não acredite em mim, mas eu que vou fazer aniversário daqui a pouco e vc é dona do mundo, com a idade que tem, do jeito que vc é!

Se eu tivesse que lhe dar um presente de palavras, agora, eu lhe daria/diria: Agarre a vida e esprema dela todo o sumo que houver.
Agarre a VIDA
e extraia dela tomo o sumo que tiver e enjoy it
com toda liberdade.
vc pode.




Então agradeço. Obedeço. E desejo todas as felicidades e abismos do mundo, a mim e a nós, todos e todas.

ÔPS!! completando! :


E entre as escritas e as vidas, lembrei do final do Cavaleito Inexistente, uando a narradora, Bradamante, sairá do convento para viver suas aventuras e seu amor por Rambaldo. E ofereço o final à(s) minha(s) amiga(s). Que fazem aniversários e desaniverários.



“ Por isso, a certa altura, minha pena se pôs a correr. Corria ao encontro dele, sabia que não tardaria a chegar. A página tem o seu bem só quando é virada e há vida por trás que impulsiona e desordena todas as folhas do livro. A pena corre empurrada pelo mesmo prazer que nos faz correr pelas estradas. O capítulo que começamos e ainda não sabemos que história vamos contar é como a encruzilhada que superamos ao sair do convento e não sabemos se nos vai colocar diante de um dragão, de um exército bárbaro, uma ilha encantada, um novo amor. (...)

Quais imprevistas idade de ouro prepara, você, malgovernado, você, precursor de tesouros que custam muito caro, você, meu reino a ser conquistado, futuro... ”

quinta-feira, 21 de junho de 2007

final de semestre





Dóem-me as costas. Noite de insônia. Cem provas, cem trabalhos, cem redações. Para corrigir.
Cansei.
Pronto, para quem achava que eu só falava bem do meu trabalho, aí está. Que venham logo as férias!!


Tirinhas do Calvin retiradas daqui.

para ler melhor, clique em cima das imagens.

terça-feira, 19 de junho de 2007

O homem que matou o facínora





A chegada, o trem e o senador.


O filme, dirigido por John Ford, começa como tantos outros filmes de farwest: um trem atravessa a tela, chega a uma estação, pára. Dele, saem dois personagens, um homem e uma mulher.
O trem sempre acompanhou não só a história do velho oeste como também a do cinema. São clássicas as primeiras projeções dos irmãos Lumiére nas quais um trem atravessa a tela e fazia com que os espectadores corressem assustados, era primeira vez que se via uma imagem em movimento dentro de uma tela.

Em relação aos weasterns o trem representa sempre o progresso e a civilização, em contraposição a um mundo sem lei, governado por cowboys e pistoleiros, um mundo sem fronteiras, à espera da civilização. Há um filme perfeito para se analisar essa questão, No tempo das diligências, falo dele outro dia.

No homem que matou o facínora o tema da conquista do oeste é também presente, e talvez em nenhum outro filme clássico de bangue bangue esse tema seja trabalhado de forma tão profunda e acertada.

Quem chega no trem é um político, senador, um James Stuart envelhecido de maneira um tanto forçada, os cabelos brancos como a neve. O senador e sua esposa, Hallie. Logo abordado pelo jornal local, o senador deixa sua esposa a sós com um outro homem já velho que veio buscá-la, e vai dar entrevistas para o jornal. Por que viera? Para um funeral. Um funeral de um certo João Ninguém. Como assim? O senador é interpelado pelos jornalistas, tem que contar a história dohomem que morrera e que o trouxe à cidade de Shinbone.

Enquanto é entrevistado, a mulher pede ao senhor que veio buscá-la para adentrar no deserto. A cidade acaba, chega-se na fronteira na natureza, ainda do desconhecido, e nessa fronteira, no deserto, há uma casa abandonada e velha. Ao redor da casa, cactos floridos em profusão. Você já viu uma flor de cacto? Eu nunca havia visto, e a flor de cacto é um dos elementos centrais do filme. Com um cacto em flor Hallie era presenteada, quando jovem, por um outro homem.

Todos que conhecem o James Stuart sabem da certa cara de bobo que ele tem. O cara tem cara de inocente, de bom, essas coisas. O Hitchcock sabia disso super bem, e usava e abusava do certo ar naïve do rapaz. O senador é bom, correto e justo, logo se vê.







O passado, o deserto e o facínora.

Pois bem, a narrativa começa, e voltamos ao passado, ao tempo em que o trem ainda não chegava `a cidade, ao tempo em que James Stuart era novo e ainda tinha cabelos pretos, e tal.
O jovem Ranson Stoddart, o nome do personagem interpretado por James Stuart, um advogado recém formado, que chegar à cidade de Shinbone. Sua diligência é assaltada. Levam seu dinheiro, ele reage, apelando às forças da lei. A resposta: risos. Ali não há lei, a única lei é a da pistola e da bala. O que o jovem advogado carrega consigo? Livros. Livros de lei. E se recusa a carregar armas. Os livros são jogados ao chão, o chefe da quadrilha, que carrega consigo um chicote, bate e zomba do jovem advogado, que fica caído no chão, aos lados de seus livros, rasgados e jogados na lama.

Pronto, está dado todo o tema do filme.
A força das armas e da violência contra a força da lei, do conhecimento e da justiça.

Ranson
Stoddart, o personagem vindo do Leste, lutará para transformar a região em um Estado, o que significa ganhar fronteiras, direitos, escolas, o que significa ser regida pelas leis do Estado. Pela sua luta passa a alfabetização da população e a campanha pelo voto.

Até aqui, tudo um pouco esquemático, um tanto bobo. Mas então aparece a personagem do John Wayne, e um filme meio besta torna-se um filme de gênio.

Todos que conhecem John Wayne sabem a cara de meio mal que ele tem. Vamos combinar, o cara é todo torto, enrugado, essas coisas. Ali no filme está velho, rude. Seu personagem, Tom Doniphon, é o oposto de Ranson Stoddart. Não por ser fora da lei, pelo contrário, Tom Doniphon é honrado e bom. Ele é quem encontra Ranson na estrada, estragado pelos assaltantes. Leva o homem a um lugar onde sabe que ganhará cuidados, uma casa que oferece comida e bebida a todos da região. Nessa casa provedora está Hallie, por quem Tom é apaixonado. Claro, Stoddart se apaixonará por ela também. Tom Doniphon cuida de Ranson e logo lhe aconselha a carregar uma arma. Ranson Stoddart recusa-se, sua arma são os direitos pelos quais viera lutar.
Tom Doniphon é o melhor atirador da região. Só ele pode com o facínora, Liberty Valance, o homem que carrega consigo um chicote de prata. Só ele, com sua maestria, consegue impor alguma ordem e respeito àquela terra sem lei e sem ordem. Ele cuida das pessoas e protege a população.

A pistola e os livros.

O conflito que se estabelece entre Stoddart e Doniphon é o conflito entre a força e a lei. Um, Ranson Stoddart, acredita no poder das letras e da lei no processo civilizatório; Tom Doniphon acredita no poder da mão rápida no gatilho e de boa pontaria. Ambos querem o progresso, ambos querem que a região entre no mapa americano e deixe de ser terra de ninguém, controlada por criadores de gado. O caminho e os meios de um e de outro são diametralmente opostos.

Pois bem, pelo começo do filme, sabemos quem ganhou.
Ranson Stoddart tornou-se um senador respeitado e casou-se com Hallie. Tom Doniphon está sendo enterrado num caixão de madeira simples e anônima, sem suas botas e sem suas armas, sem honras e sem pompas, e no seu funeral há somente quatro pessoas.

E aí é que está. Tom Doiphon é o verdadeiro herói do filme. É ele o cowboy, e o cowboy é sempre solitário, e está sempre à margem. E o cowboy é sempre um bom atirador, e a ordem e a lei é sempre conquistada pelo tiro. Essa é a essência da conquista do oeste, e essa é a essência do filme. Na raiz da civilização e da conquista, na raiz da colonização de terras desconhecidas, esté sempre um ato de violência, e quem perpreta esse ato é o maior e mais emblemático herói americano de todos os tempos: o cowboy.

A história narrada pelo velho senador revelará a história apagada de Tom Doniphon. Que, ao final, será apagada novamente. Acompanhemos o filme.

Enquanto Tom Doniphon parte para o deserto para fazer seus negócios, Ranson se recupera, fica na hospedaria de Hallie, onde lava as louças em troca da comida e do abrigo que recebe. Logo começa a alfabetizar a população ( fato importante para que os moradores da região possam adquirir cidadania e assim, ter direito ao voto) e dar aulas sobre leis e direitos. Sua primcipal aluna é Hallie, que não sabia ler nem escrever.

É claro que o facínora, que representa os criadores de gado, a quem interessa a manutenção daquele lugar como um espaço de ninguém, sem lei, não gosta de nada disso e a certa hora chega à cidade para acabar com a festa.
A batalha de Ranson foi perdida. Nesse momento, a única alternativa que lhe resta é duelar com o facínora, enfrentar Liberty Valance não no voto, mas nas armas. O homem apaga a lousa de sua sala de aula vazia e pega em uma arma.

Vai à casa de Tom Doniphon, que procura ensiná-lo a atirar. Nessa outra aula, Ranson é humilhado por Tom, que ao mesmo tempo lhe lembra que Hallie é dele. Ranson, no entanto, dá um soco em Tom, e assim ganha seu respeito. O cara até que tem uma boa direita, e tem honra também. Os dois homens se separam.

Essa cena prenuncia o mote do filme inteiro, o futuro senador só conseguirá de fato o respeito e a força quando mostrar que detém também o poder da violência.

A noite do duelo chega. Todas as casas estão fechadas, ninguém sai às ruas. Toda a grandeza de John Ford monta um clima tenso, o final de Ranson parece evidente. O homem cambaleia, mal consegue segurar sua pistola.
Surpresa das surpresas, Ranson acerta o único tiro que dá, e mata o facínora, mata Liberty Valance. Ranson Stoddart torna-se uma lenda.

A partir daí, sua carreira ascende, é eleito representante da cidade, consegue o Estado, torna-se governador e depois senador por dois mandatos consecutivos.

A verdade e a lenda.

Voltemos à cena do duelo. à sombra, escondido, atrás de uma parede, está Tom Doniphon.
É dele o tiro que matara Liberty Valance, é ele The man who shot Liberty Valance ( título do filme em inglês). Tom permanece na sombra, não conta para ninguém da sua façanha. Queima sua casa, perde sua mulher, e conhecemos seu final. Somente Ranson sabe a verdade. A verdade que agora é contada.

Voltamos ao presente. O senador, de cabelos brancos, diz ao jornalistas que o ouvem, atônitos: agora vocês sabem a verdade, podem imprimi-la.
O editor do jornal rasga a entevista e diz uma frase que tornou-se clássica:

- Senhor, aqui é o Oeste, diz ele. Quando uma lenda torna-se um fato, publicamos a lenda.

Ranson sai da sede do jornal. Em cima do caixão pobre, um cacto florido, colocado ali por Hallie.
O funeral está no fim.
Ranson e Hallie esperam o trem. A região está totalmente diferente, junto com a civilização, chegaram escolas, comércio, a cidade cresceu, até o deserto floresceu. Aparece um homem, um cidadão, que vem cumprimentar o senador. E diz: que honra comprimentar o homem que matou o facínora.

Close para o olhar melancólico de Ranson. Nenhum de seus feitos como político é lembrado. Sua fama, a estrutura da sua força, o pilar de toda a sua carreira está no fato de que fora ele quem matara o facínora. Tom Doniphon estava certo.

E assim, o filme torna-se grandioso.

Porque tematiza a questão da política, da criação da lenda, da mentira sobreposta aos fatos. Porque mostra que no cerne da Lei está, sempre, um ato de violência. Que o passo para a "civilização" não pode ocorrer sem que escorra sangue. Que o poder dos livros e da lei não é suficiente. O homem tem que ter matado o facínora, com suas mãos. Tem que vencer o duelo. Depois vem a lei, depois vêm as letras.

A figura do senador é a mais melancólica possível. Ele é, na verdade, um perdedor, pois seu projeto não vingara.

Na essência da conquista do oeste, da entrada da Lei e da civilização, da conquista da fronteira, está sempre a violência e a força, reforçadas pela imprensa, pelos meios de comunicação, onde a lenda ganha da verdade.

E não é sempre assim?



O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), 1962. Diretor: John Ford. Elenco: James Stewart, John Wayne, Vera Miles, Lee Marvin, Edmond O'Brien, Andy Devine, John Carradine, Woody Strode.

Campanha: amigo blogueiro, mande o seu cotovelo

A campanha está a toda.

Enquanto eu não me organizo para falar das seriedades de costume ( rsss...)
vão lá ver, os sensacionais cotovelos que já apareceram.

Aqui e aqui.

Amigos blogueiros e amigas blogueiras...

arregacem as mangas, mostrem os cotovelinhos prá lulu!

segunda-feira, 18 de junho de 2007

O homem que matou o facínora - um não-post

ia escrever sobre o filme que revi ontem, The man who shot Liberty Valance.
Mas é meia noite, ando doída e com o corpo cansado. Quer ver alguém arrasado? veja um professor ou professora em final de semestre.

Então escrevo amanhã, deixo o trailer como uma espécie de teaser, e peço desculpas pela inconsistência e pelo trailer em ingrês...
Além disso, o ego anda oscilante prá burro, sabem?

então beijos a todos, juro prometo que logo mais também respondo aos excelentes comentários todos que me fizeram, e logo mais o semestre acaba, e até amanhã.

sábado, 16 de junho de 2007

Bloomsday 2007

21:00 hs

E chego em casa. E em meio a cotoveladas e um comentário lindo do meu pai sobre o Segovia tocando Bach ( que postei aqui), a descoberta de que estamos em pleno Bloomsday.
Não li jornais, não sabia de nada, na verdade, nem sabia que estava tendo fashion week na cidade, ia saber do bloomsday? Não sei a data de cor, é claro. Mal sei a data do meu próprio nascimento, vou lá saber qual foi o dia em que o Joyce finalmente saiu com a Nora?

E, via o biscoito sempre fino
designorei e desembestei um pouco , fiquei sabendo que dia era hoje e fui parar no blog Odisseia 2005
E olha como foi, e está sendo ainda, o sábado e a madrugada de domingo desse lugar, desse blog que aliás chama-se Odisséia: das oito da manhã do dia 16 às duas da manhã do dia 17 saem posts que acompanham o dia de Stephen Dedalus e Leopold Bloom por Dublin. Não contente, o Leandro Oliveira ainda faz mais posts sobre a obra, dando dicas de leitura, indicando outros links, mostrando um caminho possível de travessia dessa Odisséia. Ou seja, ano que vem, quem puder, pode ficar em casa, andando pela Dublin virtual, com excelente guia.

Fiquei besta.
E sabem o que eu fiz?
Eu ri.
Eu ri e pensei: e tem gente que ainda acha o Jack Bauer o gostosão da hora...
E depois ri mais, ao lembrar de tantas resenhas falando do caráter revolucionário da série 24 horas. Tanta coisa em um dia, vários ângulos... ai, ai... quanta pobreza.
E eu ri, um pouco triste, porque bacana mesmo é beber cerveja pelo Ulysses. E começou a me dar quase uma nostalgia de uma época onde havia de fato irrupções nas formas possíveis de arte, quando os processos eram sobre pornografia, onde havia pareceres bem escritos, feitos por juízes cultos... ôpa! outros nem tanto, calma lá... e logo lembrei que isso é besteira, romantismo besta que fica querendo sempre viver outros tempos já passados. O livro está aqui, eu tenho.

Lembrei que nunca li.

22:00 hs

O Idelber havia explicado já qual era história mesmo. Havia até o link do Ulysses for dummies, que eu talvez devesse ter consultado antes de escrever esse post. De qualquer jeito, a história parecia simples. Simplíssima.
Ou nem tanto. Continuei percorrendo os blogs.

Tinha o lance do paralelo com o Ulisses e sua Odisséia. Sorri confiante: esse eu conheço. Já li e reli, até contei um negócio sobre minha história com esse livro, aqui. Entretanto, minha confiança se desvaneceu nuns três toques do mouse... eu lá sei a ordem dos episódios toda de cor? E quem era a Nausicaa mesmo?
ai...
E tinha o lance dos trocadilhos, montes deles. Das brincadeiras com as palavras, as citações...
Claro, parei de sorrir.
Pensei: fudeu. Esquece.
Meu Ulysses vai continuar bem ali, ao lado do Homem sem qualidades, que o Milton mandou que eu lesse de camisola abotoada e sentada na escrivaninha ( nos comentários desse post aqui) . Quando eu tiver uns oitenta anos, se ainda tiver viva, vou lá e leio os dois de uma vez.

Mas... ( e tudo na vida tem um porém, e assim justifico o período iniciado com uma adversativa, ou não justifico, mas pelo menos me declaro consciente do mal gosto da escrita), mas...

tinha também um chamativo, um estímulo para a leitura.
um grande chamativo. Fora todas as lôas e a própria existência do Bloomsday, e tal.
Fora o fato de que todo mundo aproveita esse dia para beber cerveja.

Tinha mais uma coisa.
Que eu lembrei.

As tais cem páginas finais, o tal do monólogo da Molly Bloom.
Cem páginas de um período só, sem pontos finais ( lenda ou realidade?) .

A curiosidade é maior que o desânimo.


23:00 hs

Vou à estante, lá está ele, o livro, sempre, provocador. Abro as páginas, a lombada já está gasta, noto. Tantas vezes aberto, nenhuma vez lido. Coitado.

Enfim, livro no colo, checo: não sei se são cem páginas, mas que não parece haver nem um pontinho final em toda a parte final do livro não parece mesmo. Nem parágrafos, um jorro. Que coisa. Preciso mostrar para os meus alunos... e mais: o conteúdo. Ah, o conteúdo!

O Idelber havia confirmado: sim. Pornográfico. A mulher tá falando de sexo.
Puta estímulo.

( ok, concedo: esse negócio de conviver demais com adolescentes positivamente está me fazendo mal... ao invés deles começarem a pensar que nem eu, sou eu que cada vez mais penso como eles... ai, ai... ) .

Continuei xeretando. Fui ler as palavras finais, já que não tinha nem parágrafo nem frases finais.
E li. Olha só ( e peço desculpas pela versão em inglês) :

"(...) and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes"


24:00hs

lindo.
lindo um livro terminar com a palavra Sim, naquela situação, da boca de uma personagem feminina.
Achei bacana mesmo. E ainda reparei que não só não tinha pontos finais como também não tinha pontos nenhuns. Geeenteeee....

E... sabem? eu gosto mesmo do outro Ulisses, o da Odisséia.

E começou a me dar uma vontade de ler o livro.

de trás para frente, confesso.

Comecei a ler de trás para frente, porque queria saber o que vinha antes do tal do Yes final, e antes, e antes. Contive-me, já que sou uma mulher disciplinada ( risos) .

Respeitemos o desejo do autor, se ele organizou e se deu ao trabalho de dispor as palavras numa determinada ordem é porque talvez ficasse feliz se as lêssemos assim. Respeitemos.

Enquanto voltava para a primeira página do livrão que tinha no colo, lembrei de mais um estímulo:

tinham falado que era um livro legal.

isso é algo que se deve respeitar, quando vem da boca de gente que a gente sabe que é de confiança.

Há dois livros legais com fama de herméticos e difíceis que tornaram-se dois dos grandes livros da minha vida: Grande Sertão Veredas e Crime e Castigo. Morria de preconceito, com os dois. E comigo: me achava incapaz de gostar de livros assim. Vou contar um segredo: para além de qualquer metafísica, esses dois aí são, antes de tudo, livros legais prá caramba. Um, estilo bangue bangue; outro, de tribunal. Basta um pouco de interesse, alguma disciplina inicial, e entrega. Uma certa disposição de enfrentamento, de mergulho no não familiar, e pronto. Trinta páginas e já se está preso, e em contato com o sublime. Esses são dois livros legais, apesar de meio chiques e tudo o mais. Porque não há de haver mais outros?




Então, lembrados os estímulos, o livro já no colo, decidi me despir de preconceitos. Por via das dúvidas, coloquei uma camisola com botões de madrepérola. Sentei. Liguei o abajur potente.

01:00 h

lembrei de quando ganhei o livro. Cada exemplar tem a sua história. Esse também tem a dele.

Sabem, eu tenho o livro em inglês já faz algum tempo, e o levo para as casas pelas quais passo. Trouxe-o para cá. Tenho o livro desde os dezoito anos. Eu fui uma adolescente legal em algumas coisas, insuportável e complicada em muitas outras, e fui muito, muito metida.
E aí pedi de aniversário de dezoito anos Ulysses, e como se não bastasse, falei que leria no original. Acho que não passei da primeira frase. Dã....
E depois que cresci um pouco mais, fiquei com muita vergonha disso, de pedir um livro desses como presente de aniversário de dezoito anos. Eu heim? Coisa insuportável! Depois a vergonha também passou, mas o livro ficou lá, sendo aberto e logo fechado, de tempos em tempos. Eu o levei para lá e para cá. Nunca foi lido.
Agora, aos trinta e um, vou abrir a primeira página mais uma vez. Por motivos mais certos. Não porque seja chique ou importante ou sei lá o quê. Mas porque deve ser legal.

Começou o meu bloomsday, vamos ver. Se o inglês tiver muito complicado ( rá, rá, rá...), peço de aniversário de 32 a versão em português ( hum... já vou pedir...) .




2:00 hs

acho que vou tomar uma Guiness.

e obrigada a todos os dublinenses virtuais.


ps. Nesse momento, uma da manhã, Leandro nos conta que Stephen e Bloom estão indo até um abrigo de cocheiros. Na Odisseia, Ulisses se encontra com Eumeu, logo antes do encontro com Penélope.
sorrio.

começo minha leitura com o dia no fim, às vésperas do encontro.


Achei isso legal.

boa noite, e um beijo a todos.

depois eu conto se rolou. :-)

Imagem retirada daqui.

Caro blogueiro, mostre o seu cotovelo.

Sim, começou. A Campanha. Do século. Rebelde, Radical, Revolucionária.
Liberal, Libertina, Libertária:

Caro blogueiro, mostre o seu cotovelo.

Pela Revolução Socialista, pelos Proletários do Mundo, pela Democracia Corporal!

Um espectro ronda o LLL, o espectro do cotovelo.
Blogueiros e blogueiras do mundo, uni-vos. Mostrem seus cotovelos ali no blog do Alex, chega desse negócio de pés, chega desse negócio de bundas, chega desse negócio de peitos. Cotovelos, unidos, jamais serão vencidos. A campanha se intensifica, e conclama a participação dos amigos blogueiros.

Trata-se de uma verdadeira homenagem, um louvor a essa parte tão esquecida, calejada e mal amada do corpo humano, tão carente de amor, que sustenta, no entanto nossos pensamentos, serve de pouso para nossas cabecinhas, articula nosso antebraço, dá descanso para nossas mãozinhas enquanto digitamos. E nunca, nunca, pede nada em troca.

A campanha começou.

No mínimo, vocês farão o Rafael Galvão feliz. Juro. Quando insinuei que o negócio dele era pé, o cara me mandou um e-mail de uma linha só: "Podólatra, nem fudendo. "
Conciso, o rapaz.
E ainda me enviou um link, que foi assim, uma Revelação Cósmica: Pedi e vos será dado.

Então, ouça a voz do povo, arregace a camisa, e mostre seu cotovelinho.

as fotos podem ser enviadas para:
almluana@gmail.com

Amigo Blogueiro... libera aí.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

ontem

E ontem minha amiga ligou:

- Luu.. não vou poder ir prá aí... estou passando mal. Vomitei... a gente não vai poder se ver.

Minha amiga que não pára de viajar, parece mais uma executiva, vive no jet set nacional, para lá e para cá... Minha amiga de todas as horas, e quase não nos vemos mais.

- Hum.... eu vou para aí.

- Para aqui para campinas?
-Õxi! Cê num vinha prá São Paulo, só para almoçarmos juntas? Cê tá passando mal, eu vou para aí, uai! Chega da gente não se ver mais...

e lá fui eu.
Quinta feira é o dia em que não dou aulas. Um luxo desse ano, tenho um dia da semana em que não trabalho. Meu dia. Procuro nem corrigir coisas, nem preparar aulas, às vezes dá, às vezes não.
Dia de ver minha mãe, ir ao cinema, almoçar com as amigas, fazer nada, escrever com calma aqui, ler literatura....
Ontem, que também era dia de aniversário do meu pai, fui à Campinas.

Engraçada a sensação de pegar estrada no meio da semana. No carro, David Bowie, Zeca Baleiro, Radio Head. Volume bem alto, uma hora e meia de estrada, eu sozinha, dirigindo, para ver minha amiga. Eu pensei assim: nossa, quanta liberdade.
e que bom.

e em homenagem ao meu pai, um vídeo do Andres Segovia, tocando Bach, Prelúdio preludio em do menor.
Meu pai me ensinou um monte de coisas. Dentre elas, a gente ouvia Bach juntos, ele me ensinou a prestar atenção na música, e me ensinou a amar o Segovia.
O vídeo é antigo, a qualidade não é boa, mas é lindo.
Feliz aniversário, pai.
E obrigada, por tudo.



quinta-feira, 14 de junho de 2007

três mulheres de três pppês


Nessa semana reli dois livros dos quais gosto muito: The great Gatsby e Três mulheres de três pppês, do Paulo Emilio Salles Gomes.
Falarei do segundo.

A obra foi recentemente republicada pela editora Cosac e Naif, em edição bem cuidada, revisada e bela, como de resto são todas as publicações da editora. Em edição cara, como de resto são também todas as publicações da editora.

A edição que eu tenho é uma da Perspectiva, encontrada em sebo, lá dos idos do século passado, mais precisamente do ano de 1977.

O Paulo Emílio Salles Gomes é um dos grandes críticos e pensadores de cinema que temos, tivemos e teremos entre nós. Daquela turma da pesada, Antonio Candido, Decio de Almeida Prado, Anatol Rosenfeld e tal... Um pessoal culto, apaixonado, politizado sem tacanhez, que escrevia com elegância e susbstantivos e formava um pensamento brasileiro, sobre as coisas do Brasil. Intelectuais de mão cheia, de uma época onde ainda havia jeitos e espaços para grandes trabalhos, para a formação de grandes pensamentos, e para uma amplitude de estudos e conhecimentos que fazem corar a nós, especialistas e obsessivos com questíunculas a respeito de um único livro de um único autor. Paulo Emilio formou escola, e formou e forma a todos nós, quando nos ensina a ver e pensar sobre cinema.

E eis que um dia Paulo Emilio surpreende a todos os amigos com a publicação de um livro de ficção.

O livro é composto por três narrativas, que correspondem aos três PPPês do título:
P I : Duas vezes com Helena
P II: Ermengarda com H
P III: Duas vezes Ela

O narrador chama-se Polydoro. Mas não pronunciemos nem facilitemos com o nome do narrador, ele o odeia, tem vergonha, prefere que o chamem de P, ou que lhe tratem pelo sobrenome. Esse nome, "que marcou a ferro minhas aspirações à harmonia e à elegância num mundo cruel e arbitrário", é revelado somente ao final da primeira narrativa, quando o narrador, derrotado, a assina, escrevendo - pela primeira vez- seu nome por extenso:

Assino meu nome todo completando o P que habitualmente anteponho ao sobrenome. Me chamo com efeito Polydoro, combinação favorável de cinco consoantes e três vogais mas cuja relação a nova ortografia altera, nome de palhaço dado em homenagem a um bisavô ilustre e que marcou a ferro minhas aspirações à harmonia e à elegância num mundo cruel e arbitrário, cuja lógica secreta sempre ignorei apesar da rara oportunidade que me foi concedida: conhecer o Grande Mestre.

Deixo aqui o suspense a respeito da enigmática oração final, a respeito do Grande Mestre. Para os que gostam de histórias, revelo que a primeira narrativa trata de uma história de amor, onde o velho enredo do triângulo amoroso aparece. Uma narrativa em dois tempos, que envolve a juventude de P e seu amor por seu grande e maior mestre e um encontro com a esposa do professor, aos vinte e cinco anos de idade, que marcaria a separação do aluno e do professor. E o reencontro de P com o casal, aos cinquenta anos, quando a história da juventude é contada novamente, pela voz de Helena, a esposa.

Também a segunda e a terceira histórias são histórias de amor, onde há espaço para a traição, a decepção, e mesmo a crueldade - como aliás são as verdadeiras e belas histórias de amor. Aí é que está. Os três Polydoros, ou melhor, os três Pppês, narram três histórias de amor, desencontro e cegueira; um desencontro pautado pela impossibilidade de se compreender a narativa do outro, a história mesma, de se viver junto, de conehcer o outro; ou as mulheres.

E as histórias sempre se desdobram e se revelam diferentes do que se pensava. A cada história, em certomomento, as mulheres tomam a narrativa, seja por diárois, pela fala, por cartas, e a desfazem, palavra a palavra, destruindo os Polydoros ( e nesses momentos sempre o chamam pelo nome completo) ao mesmo tempo que se revelam para eles. E os três Pppês são sempre um tanto ridículos, machistas, o próprio personagem burguês, um pouco satisfeito demais consigo mesmo, orgulhoso de suas posses e de seus escritos bastante patéticos ( por exemplo, uma ode em louvor à Dama paulista) de suas conquistas amorosas e intelectuais. Além disso, chamam-se Polydoro, e o nome os persegue.

Assim, o que seriam histórias um tanto romancescas e mesmo chavões, perpassadas por brincadeiras com recursos narrativos também um tanto chavões, passa a ser obra de gênio, pela ironia e o humor que atravessam o livro inteiro.

Emengarda, com H, a mulher do segundo Pê, assim que chegou à casa do alto de Pinheiros, para ficar ( Ermengarda ocupou minha vida anos e anos a fio e mais ocuparia se não fosse uma dessas coisas que interrompe a continuidade do casamento e proíbe o retorno. Nunca foi tão adequado, como aqui, o verbo ocupar nos vários sentidos que o pequeno dicionário da língua propõe: tomar posse de; estar na posse de; habitar; tomar; encher; ser objeto de; atrair; exercer; ter direito a ; invadir; estender-se sobre; tomar o lugar de; prender a atenção de; entreter; empregar; etc. Ermengarda instalou-se confortavelmente em mim de nossos trinta aos quarenta e tantos anos. Tínhamos a mesma idade.), seguidamente passa a chamá-lo pelo nome inteiro, prenúncio da tragédia que estava a ser escrita e vivida:

De maneira que levei um choque quando no prelúdio da nossa união oficializada em país vizinho e amigo, Ermengarda pronunciou as quatro sílabas fatais. E as repetiu. Quando me preparei para reagir, tomou a dianteira: gostava de mim sem tirar nem pôr uma vírgula ou um nome, acrescentou maliciosamente. Mas era uma fanática da verdade e a verdade era que meu nome era aquele.

E entre a insistência de Pê em chamá-la de Ermengarda sem a aspiração do H e a insistência de Ermengarda de chamá-lo de Polydoro, faz-se uma narrativa em três tempos. A vida do casal e suas famílias, Pê no trabalho, a casa no Alto de Pinheiros, a piscina, sempre abarrotada de uma infinidade de primos de Ermengarda, os amigos, o dentista, a raiva. A descoberta de um diário de Ermengarda, onde Pê novamente se faz espectador de sua prórpia história, que lhe é revelada totalmente distinta daquilo que pensara. A descoberta de um terceiro diário, que ressignifica tudo outra vez. A história dessa ocupação.

O terceiro Pê já é um homem velho. Que abre dois carnets para falar de Ela, sua mulher, bem mais nova.

Reconheço que ao encontrar Ela - ela teria uns dezesseis anos - , um abismo de tempo se evidenciava na aparência física. Espiritualmente, porém, sempre estivemos próximos. No correr dos anos a diferença entre Ela e eu se atenuou e quando veio a ser minha esposa aos trinta eu precisava fazer esforço para lembrar-me que podia ser minh aneta. Tudo aconteceu como se eu tivesse parado no tempo a sua espera e como se ela tivesse se apressado em chegar. Abafando sua juventude em toaletes austeras, a maturidade precoce era facilitada pelo sutil amarelecimento da tez que denuncia o prolongamento da virgindade. Esses dois pontos, um subjetivo e outro objetivo, meu sentimento de ser jovem e a virgindade de Ela, embaraçaram nossa noite de núpcias, longa e laboriosa, no fim da qual não fora atingido o objetivo a que se propõe.

A narrativa dessa noite de núpcias é das mais engraçadas, irônicas e bem escritas que já li. Dado o insucesso da noite nupcial, malgrado as sucessias posições tomadas na cama, o mal estar se instalava, para ficar e tansformar-se em trauma duradouro. No entanto, Ela toma a palavra:

Inicialmente nos explicou, em seguida me explicou e finalmente se explicou, sempre com clareza e tato.

E quer descrição mais maravilhosa daquilo que nós mulheres fazemos, quando tomamos a palavra para falar da relação?
É claro que nem sempre primamos pela clareza, tampouco pelo tato, mas isso é devido às suscetibilidades da vida moderna... ou talvez porque não tenhamos feitos os cursos que Ela fez. Vejam:

Sua competência teórica era extensa por ter seguido com seriedade vários cursos de educação pré-nupcial, desde os assugurados pela paróquia da Consolação, até os administrados como matéria optativa pelos cursinhos que praparam os jovens para o ingresso na universidade. O motivo pelo qual seguiu tantos cursos, quando em geral as moças fazem um só, se explica pelo tempo que levou para se casar, mais de dez anos. Pois bem, durante esse período a ciência nupcial e seu ensino sofreram, como as demais ciências - notadamente a Linguítica e a Crítica - uma profunda alteração. Considerou Ela como seu dever de futura esposa renovar e atualizar anualmente a sua bagagem de conhecimentos nesse campo e a prova de que tinha razão foi dada nessa primeira noite, a qual sem sua cultura acumulada poderia ter me causado um trauma duradouro, talvez para o resto da vida.


Deposi do relato da fracassado noite de núpcias, novamente há aqui uma narrativa em dois tempos, separada pelos dois canets nos quais Pê escreve sobre Ela. E a descobre.

O livro é ao mesmo tempo uma leitura fácil, boa de se fazer no final de semana deitada na rede sob o sol. Daqueles que a gente lê e ri sozinha, e conversa com o estúpido do narrador. É, ao mesmo tempo, de uma profundidade arrebatadora. Porque constrói a ambientação de uma São Paulo burguesa, de sonhos pequenos, bairros e posses. Porque há um fio de tragédia e perda que sustenta as vidas nessa cidade, e porque não se entrega à tragédia, mas ao ridículo, e ri daquilo que fala. Porque fala do amor e da impossibilidade do amor, do casamento e da impossibilidade do casamento. Porque brinca com os acasos e brinca com a arquitetura da vida e do fazer literário.

Porque é putamente bem escrito , e só isso já é um prazer, raro e sem fim.





© Hans Gunter Flieg/Acervo Instituto Moreira Salles, 2006
Edifício Verde Mar, 1957, Santos, SP

terça-feira, 12 de junho de 2007

Releitura do Mário de Andrade








Dar, verbo intransitivo.












a questão das datas

a questão das datas é que por mais que você não ligue para nada disso, por mais que saiba que é tudo propaganda para vender mais celular, que todo mês tem mais alguma coisa, dia das mães, dos pais, dos avôs, da secretária, de natal, de ano novo, de roschaschaná, ramadã, lua cheia, lua nova, solstício, do raio que o parta, de páscoa, de natal, por mais que saibamos, convictos, do fundo do coração, da besteirada que é tudo isso...

é difícil, é difícil prá caramba passar imune e não querer entrar nem um pouquinho no clima proposto por eles, os demônios capitalistas e suas datas marcadas de amor, paz, mudança e união e felicidade.

E o pior é nunca essas coisas vêm sozinhas, vejamos:
com o natal deve vir árvore, iluminada, grande colorida; um papai noel branco e gordão descendo de uma lareira, presentes, neve, vermelho da coca-cola, peru, rabada, mas eu não gosto, foda-se é natal, faz parte, e a família reunida, papai, mamãe, titia, e o amor, e a propaganda, crinaças correndo pelo piso de taco, todos devem caber, todos juntos. e a propaganda, a porra da propaganda, ali, no inconsciente, falando: não é assim, tá errado, no comercial não é assim.

com o ano novo, praia, of course, e calcinha amarela para dinheiro, vermelha para sexo, e azul para paz e promessas e sei lá o quê. E uma peça de roupa nova, e outra peça de roupa velha, e as unhas cortadas, e felicidade, e pular ondas e muita atenção, porque como você passará o ano será como você ficará para o resto do ano inteiro seguinte. ( Pois é... alguém me incutiu isso na cabeça quando eu era criança e agora todo dia 31 de dezembro é uma espécie de tensão constante e ambulante. Um check up geral, tudo tem que estar em cima. Outro dia não estava depilada e nem com as unhas cortadas, e o ano novo chegava. Quis morrer, já comecei a me imaginar uma versão feminina do Zé do Caixão, as unhas cada vez mais compridas, para o resto do ano, o ano inteiro.)
Lentilhas, uvas, sete pulos, romã, dinheiro, flores, beijos, declarações, presentes, cartões, presentinhos, lembranças, atenção, tudo. E como sou meio judia, meio católica, e atéia, dali a pouco, vem tudo de novo.
Uma praga.

e páscoa, e coelhinho, e velas, e corações, e sei lá o quê.

então, nesse dia dos namorados, meus vivas aos infelizes, aos solitários, aos que andam sofrendo das coisas do coração, às putas e às amantes, aos amantes e aos putos, aos que estão perdidos, aos sem coragem, aos que tiveram coragem de dizer não, aos que tiveram coragem de dizer sim, aos que buscam, aos que pararam. Aos almadiçoados, os zicados, aos azarados e desastrados. Aos que ainda acreditam, aos que já desacreditam. Aos punheteiros, aos sonhadores. Aos que tentam e levam foras, e continuam tentando, aos que dão foras, às que dão foras, e a todos que continuam dando ( intransitivo!).
Aos solitários, aos infelizes, aos feios e belos, aos egoístas, aos que não sabem. Aos que conseguiram esquecer, aos que conseguem lembrar, às camadas, às nossas histórias, aos nossos passados, aos nossos futuros. Meus vivas. Porque esse mundo é torto, e de perto, ninguém cabe na foto, e ainda bem, porque a foto aprisiona, credo.

E o mais importante, mas o mais importante mesmo de tudo, é a gente ter coragem de Ser, inteiros e verdadeiros, do jeito que a gente for, cada vez mais, cada vez mais.

e todos os dias deveriam ser dias de namorar, ué; e de se apaixonar, e de se dizer que se ama.
Todos os dias, principalmente, dias de se reinventar, e dias de se libertar e dias de se apaixonar, sempre e de novo.
Porque os dias são nossos, e os nossos dias a gente que faz e vive, solitários e juntos, na corda bamba e no chão fixo.

beijos a todos.


vivamos tudo, todo dia.
e façamos nós as nossas fotos, nos nossos dias, nas nossas noites.


lulu

domingo, 10 de junho de 2007

os blogs das minhas amigas

e por essas coisas de internet, de influências e confluências da vida, eis que quatro amigas queridas, da escola, estão também chegando por aqui na blogosfera, com seus trabalhos, suas coisas, seus blogues. De uns três meses prá cá, quase junto comigo, viemos, estamos por aqui.

E eu percebi isso agora, a Lu- minha xará - a Caki, a Mari, minhas amigas da mesma classe, a Luciana.
A Caki desde o ginásio, a Lu e a Mari conheci no colegial. E estudamos juntas, e crescemos juntas, e faz tanto tempo e não faz tanto tempo assim.

E a outra Lu, Luciana, um ano mais velha, o que hoje não é nada, mas na época era tudo. Eu olhava pra as classes mais velhas como quem olha para outro mundo, inacessível e distante. E a gente foi se cruzando por aqui, em cursos, na rua, sempre uma alegria vê-la. Mulher sensível, uma carioca paulista engraçada como poucas, das mais divertidas que já vi, e agora por aqui.

Depois mal nos vimos, vejo poucas pessoas do tempo de escola, umas duas ou três. Mas essas amizades não se perdem, o carinho não se perde, fica fundo, cala fundo, e quando a gente se reencontra é como se fosse ontem, tudo.

Não sei se na vida adulta a gente ainda consegue fazer amizades assim profundas, como as da adolescência - achava que não, mas agora tenho achado que sim, ainda bem.

O fato é que vendo essas minhas amigas, inteiras, todas mulheres, todas pela vida, fazendo seus trabalhos, descobrindo seus caminhos, amores e desamores, na procura, à procura, me vejo também, nos vejo, e acho bonito. Porque em todos esses blogues tem um encantamento pelo mundo, um charme, uma alegria de viver e querer, um incômodo constante, mais charme, beleza, talento, e eu percebi isso agora, e fiquei toda contente. Como são bacanas essas minhas amigas!

Então vamos lá, ao que realmente interessa:

A Caki é conhecida de quem anda sempre por aqui e na caixa de comentários. Sim, aquela mulher elegante, interessante e inteligente, que disse tchau prá Vogue e foi morar e Nova York com seu amor bacanérrimo. A Caki escreve lindamente, é uma grande cronista das coisas de lá e das de cá.
Finalmente decidiu fazer um blog da Caki. A Caki foi a pessoa para quem eu mais escrevi cartas na vida, mas isso é assunto para outro post ( , amiga querida? )
Então chega de enrolação e vão visitar o cakiaqui
e leiam logo o post que ela fez sobre armaduras para vocês verem como a coisa é fina e sensível.

















E hoje agora fiquei sabendo do blog da Mari, que não vejo há tanto tempo, e ao ler as palavras dela, foi como se nos encontrássemos, e esses anos passassem bem rápido, como num filme, e como foi legal, ler e ver a Má. E não é que a Mari no seu blog nos mostra as coisas lindas que ela faz? Olha o nome do blog que lindo: COSTURICAS. e olha o que vem escrito embaixo: de retalho em retalho a gente se faz. O máximo, vão lá ver.









E a Luana Geiger, que é uma ilustadora, artista, de mão cheia, ruiva e doida. Andou por aí, fez arquitetura, morou fora, voltou, parece que ficou, e não pára de pintar, rabiscar, desenhar. O trabalho dela tá aqui, no Luana Ilustra. A Luana era da minha classe, viram?, sou chique prá burro.
Duas Luanas, na mesma classe? pois é... A Luana sempre foi alegre, e alegria continua, nos traços que ela faz.
























E a LU, Luciana, Lu Penna, que na verdade foi é um gato. Um gato contra a parede.
Que estava todo tímido para sair às ruas, mas aos poucos está saindo, e é bom o miado desse gato. Ele vai prá exposição, pro cinema, escuta música, escreve poemas... É divertido, dá um monte de links lindos, um gato que vale a pena ser lido.





(eu peguei essa imagem do blogue do gato, que na verdade faz parte de um cena que é linda, vão lá ver. )

é isso. Aproveitem gente, essas meninas minhas amigas de escola e de agora são o máximo.