domingo, 30 de setembro de 2007

sobre o fim da novela

Eu não assisti a novela das oito que passa às nove, sempre nesse horário estou ou em reunião da escola ou fazendo minhas aulas de dança ou com amigos, mas na última semana sucumbi e assisti o último capítulo.
Algumas questões me vieram à mente...

1) Ninguém é obrigado a ver vídeo de viagem, batismo, casamento de ninguém... todo mundo sabe que esse vídeos só divertem quem viajou, casou ou batizou seus filhotes. Por que, meu deus, somos obrigados a ver vídeo de confraternização de empresa??? Me expliquem, o quê era aquele showzinho mequetrefe do Milton Nascimento e aquele bando de gente se fingindo de descontraída ao final??? Presisamos mesmo ver todo o staff da novela dando tchauzinho para a câmera? fingindo cantar uma música que não conhece, tentando ignorar a câmera e tal ( era até engraçado)? Se abraçando entre si?
No meu tempo, no final de novela sempre havia um casamento, ou, ok, mesmo um nascimento, a gente chorava, se divertia, via que o mundo era bom e os bons sempre ficavam felizes para sempre no final e pronto. Ninguém submetia à gente a vídeozinho de festinha de final de ano da empresa. Horror, horror...

2) Hilário o diálogo entre o Tony Ramos e a Glória Pires:
O Gilberto Braga deu um jeito do cara descobrir em dois dias que tinha dois filhos e no dia seguinte perder os dois. Um, porque não era dele mesmo; outro, porque morreu, assassinado pelo irmão invejoso, nos braços do pai recém descoberto. Uma coisa assim tragédia grega. Parece que ele foi muito malvado durante a novela inteira, então precisava desse sofrimento final para expiar um pouco suas culpas e poder ter um final feliz com a Glória Pires, até porque afinal com esse casal ninguém mexe, ela já até virou homi por ele e ele até já virou mulher por ela, têm que terminar juntos e felizes. Então bota o homi para sofre um pouco, em fast forward. Aí vem o Tony, com todos os seus pêlos e tal, chorar nos braços da amada: " Eu achei que tinha um filho.. perdi... Descobri que tinha outro.. perdi... Perdi dois filhos, de repente... "
E a Glória, com sua cara de cavalo, consternada e emocionada, anuncia para o maridão: "Mas você tem um filho! Um terceiro!!!Está aqui, dentro de mim!!!"
Geeeeeeeeeeente!! só rindo.

3)Sempre converso com meus alunos sobre finais de trama, especialmente tramas de suspense, assassinatos, etc. É uma arte, construir um bom suspense, muitos personagens têm que ter o famoso motivo e a tal da oportunidade, há que se espalhar umas pistas falsas por aí para confundir o leitor ( ou espectador), um monte de mensagens subliminares e entrelinhas que abrem suspeitas e espaços para teorias e mais teorias. Em novela, bolões são feitos para ver quem adivinha o final, a mídia preenche todo seu espaço com as mesmas reportagens de sempre,"Quem matou..." essas coisas.
O fato é que as peças do jogo devem estar todas na mesa, bom é aquele que consegue ordená-las da maneira correta, e perceber quem verdeiramente é capaz de realizar o assassinato em si. A Agatha Christie arrasa quando, por exemplo, cria uma trama onde, simplesmente, todos os suspeitos são o assassino, e as doze facadas foram dadas por doze pessoas.
O Gilberto Braga quis fazer um final tão surpreendente, mas tão surpreendente, que inventou uma história complicadíssima que eu mesmo não entendi bem.
A Vera Holtz não sabia quem era o pai do seu filho??? Como assim???
Ninguém entendia nada, e o coitado do Wagner Moura, morrendo, teve que desperdiçar todo seu imenso talento tentanado explicar, enquanto morria, uma das histórias mais furadas que já ouvi na vida:
A mulher perdeu o filho na maternidade, resolveu adotar outro, que pegou ali mesmo, no hospital, sem contar para ningupe que itnha perdido o original. O outro, que pelo que entendi ela achava que era um genérico aí qualquer, era o filho do Tony Ramos ( que ele também não sabia que existia, fruto de um caso com um aempregada aí qualquer do passado), herdeiro, herdeiríssimo. Só o irmão malvado sabia disso tudo e é claro que não vai contar nada para ninguém. . Aí o irmão cresce com inveja, o outro cresce traumatizado e confuso achando que é bastardinho, e o irmão malvado , que quer virar o herdeiro ele mesmo, bola um plano que, se eu entendi bem, é assim:
matava o Tony Ramos, aí matava o irmão bastardo herdeiro, aí matava a mãe, aí simulava um atendado contra si próprio para evitar suspeitas e depois acabava rico, herdeiro e feliz.
?????????
Please!!!
Putz! mas e a Thais? ficou faltando uma explicação para o assassinato da Thaís!
Fácil: Flash back. Um belo dia, sabe-se lá porquê, o Wagner Moura decide contar todo seuplano para seu comparsa. Bota a gêmea malvada para ouvir tudo enquanto mijava (e sabe-se lá porque o Wagner Moura resolveu contar tudo para o seu comparsa num belo dia). Como boa malvada quis chantagear, foi muito gananciosa e quis 40 por cento da herança. era muito, adeus irmã gêmea.

ô, gente... o Gilberto Braga teve quase um ano para bolar a trama... custava ter pensado num final mais coerente?
Se fosse aluno meu, mandava reescrever tudo, e dava zero no quesito verossimilhança. Toda ficção usa o recurso da coincidência para resolver questões do enredo, isso é ok. Todo mundo se cruza na rua, vai ao mesmo hospital, a mesma delegacia, tudo isso é ok. Mas essa solução abusou de todas as regras de convencimento.
Fica fácil criar um final surpreendente assim, quando vale tudo. Achoq ue o Wagner Moura podia ter contado a seguinte historinha:
na verdade, eu sou um alienígena que veio do planeta Zonskry com a missão de matar todo mundo que, um dia, usasse sapatos brancos. A Thaís, naquela sexta feira, usou sapatos brancos. Mamãe também... o Tony Ramos adora usar sapatos brancos, todos tiveram que ser mortos! Eu odeio sapatos brancos, e no meu planeta há uma previsão de que, um dia, um ser humano do planeta terra que usava sapatos brancos iria ao nosso planeta, tomaria nosso reino e escravizaria todos nós. Não podia deixar que isso acontecesse... por isso matei, ou tentei matar, todo mundo...

4) Decididamente a Alessandra Negrini é linda mas só fica bem em papel ou de engraçadinha ou de mulher malvada, nunca vi heroína mais sem graça, não é à toa que ninguém tava nem aí para o destino dela. E, não custa perguntar... por que ninguém pôs uma amarra nos braços do Fábio Assunção? Nunca vi alguém se mexer tanto e de modo tão exagerado! Começou até a me dar aflição. Fora o lance do biquinho... que biquinho é aquele que o cara fica fazendo toda hora? será que alguém falou algum dia que era sexy?
Mistério...
E um dia alguém será capaz de me explicar qual a graça que há numa perseguição de carro. Não há final de novela, ou filme de ação, que não nos obrigue a assistir entediados um carro perseguindo o outro pelas ruas de alguma cidade. Direito a close no rosto do mocinho e do bandido, direito a passageiro atirando no carro de trás, freadas bruscas, carros de polícia queimando e assim por diante... Uma chatice sem fim. Ok, brincar de carrinho é legal, e explosões e tal são legais, mas... a gente precisa ficar assistindo à brincadeira dos outros? é chaato...

4) Palmas para a Camila Pitanga, que realmente arrasou e tomou a novela para si. O final dela como Monica Veloso foi bacana também, e o Wagner Moura realmente é um grande ator, ele o comparsa dele eram os melhores o tempo inteiro, e não só porque os vilões são mais interessantes, os caras são bons atores, e pronto.


5) Por último... sobre as propagandas... é impressão minha ou estão cada vez piores?
Tenho visto pouca tevê mas, pelo que eu me lembre, no horário nobre da globo, especialmente em fim de novela, passavam as propagandas mais bacanas, caras, emocionantes, engraçadas, criativas. Aquelas que a gente lembra, viram ícones e tal.
Só vi aquelas propagandas trash das casas bahia, supermercados num sei o quê com ofertas de quilo de carne, móveis estofados, e tevê com carrinho e controle remoto. Outras, os caras nem precisam mais se preocupar com texto, inventam alguma palavra ou expressão nova, e ficam repetindo por quinze segundos, para ver se entra nas nossas cabeças. Ou ainda, propagandas de carro e cerveja. Tantos as propagandas de carro como as de cerveja estão cada vez mais parecidas entre si. Carro: o cara - estressado, infeliz, preso pelo horário e pelo trânsito, entra no carro. Imediatamente o cenário muda, começa a tocar alguma musiquinha cool, ele sai do trânsito, vai parar num lugar paradisíaco qualquer, conquista a liberdade e passa a ser dono do seu próprio nariz e mundo, um mundo de horizontes abertos e sem fronteiras. Ops! propaganda de celular também diz isso. Pois é...
E quem aguenta ver um monte de povo feliz em algum boteco, pedindo Aquela cerveja senão a festa, o pagode, o samba, o refrãozinho insuportável - e junto com todos eles, a felicidade - acabam.
A cerveja vem junto com alguma mulher bem linda, que aliás é ignorada porque todo mundo só quer beber.
ai, ai...


Enfim, esse foi o resultado de minha semana novelística. Fiquei muito decepcionada, adoro chorar em final de novela, e nesse não teve sequer um casamento decente.
Ficam aqui meus sinceros protestos.

Milton! já corrigi! ;-) O mestre manda, a gente obedece. :-)

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Sushi dormindo.

Alguns leitores mais assíduos e persistentes talvez lembrem-se do nvovo gatinho que tivemos aqui em casa, que achei que havia perdido mas estava debaixo da geladeira, e tal. ( relato dessa importante aventura de minha vida, aqui)















Meleca acordada.






Depois talvez alguém tenha aocmpanhado minha preocupação maternal com a amizade que meus felinos estabeleceriam ou não entre si. Queria que eles se amassem, se acompanhassem, ficassem amiguinhos.

Um só rugia pro outro, e mostrava as garrinhas.
Lulu ficou aflita, pois é da paz enão exigia menos de seus gatinhos.






Aos poucos, queridos leitores, eles foram se aproximando, com muita cautela e cuidado porque aqui nessa casa ninguém facilita com a palavra amor.


Meleca se aproximando so Sushi:



Resposta do Sushi prá Meleca:


Um dá uma corrida no outro, os dois se enxergam, um dá uma lambidinha no cu do outro, e fica por isso mesmo, sem muita intimidade, sem beijo na boca, nem nada.


No entanto, há uma certa cordialidade, principalmente quando o cansaço é tanto e o edredon, um só.

Aí não há espaços para frescuras.

O sono dos justos:

o Sushi tem o dobro do tamanho da Meleca, se espalha inteiro. A melequinha se enrola como uma bolinha, e apóia sua cabecinha no próprio rabo. A Meleca é auto-suficiente, precisa da gente para ligar o computador pois o lugar preferido dela é em cima do monitor , fornecer comida e água - só. De resto, vem quando quer, e gosta que também qu ejoguemos bolinhas de papel pela sala, ela sai correndo, pega e traz de volta. Acha que é cachorro, essa gata.

A melequinha gosta de estar por perto, mas não é dada a exposições públicas de afeto.

Uma lady, essa meleca.

( Para ver a Melequinha empoleirada no monitor da lulu, clique aqui, no post: sobre o ótimo uso do computador)

Já o Sushi se espalha, e é chegado num colo, vai subindo em cima da gente sem pedir licença, e sem a menor preocupação com preliminares ou conquistas.
Um gato viciado em colo, louco, tarado. Basta a gente se sentar em qualquer lugar e lá vem ele, carregando junto consigo seus quase dez quilos. Vem, se acomoda, dá umas tantas voltas ao redor de si mesmo, e se ajusta, entre as pernas, sobre a barriga, nas coxas mesmo.

Aqui ele , entre as pernas da dona. O cara é, basicamente, um folgado.
Queria treiná-lo para ficar andando sobre as costas da gente, fazendo massagem, mas ainda não consegui.

Enfim... a paz reina na casa da lulu. Melequinha e Sushi convivem em harmonia e é divertido ficar na companhia dos dois.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

gente

Eu gosto de algumas gentes, mas eu não gosto de todas as gentes.
Eu gosto de gente que que fala aquilo que pensa, que pensa, e sabe ser sincera. Odeio gente falsa.
Gosto de gente que conta histórias, adoro gente que sabe contar uma história e conta as histórias por inteiro. Tem gente que sempre conta as histórias ou fofocas pela metade, ou que você pergunta: e aí? como foi a festa, e responde: foi boa. Eu gosto de gente que conta como foi a festa, quem estava e quem faltou, o quê se comeu e bebeu, se dançaram ou não, como era a casa e tudo o mais que há para contar. Adoro quem conta a história da vida, conta do término do namoro, conta das suas falhas e conquistas, adoro gente com histórias para contar.
Eu gosto de gente que sabe dar carinho e atenção, embora eu mesma às vezes falte e não dê a atenção devida a muita gente que eu gosto.
Eu gosto de gente que sabe ouvir e presta atenção no que a gente diz, não gosto de gente que quer sempre ser o centro de tudo e só sabe falar de si próprio e se desinteressa por tudo que não lhe diz respeito.
Gosto de gente apaixonada, odeio gente entediada com a vida. Gosto de gente apaixonada e pode ser por qualquer coisa: encanamentos, selos, livros, cavalos, sapatos, o que for. Gosto de ouvir gente apaixonada falando de suas paixões, sério. Gosto de quem se dedica a suas paixões.
Gosto de gente generosa, que gosta de, por exemplo, cozinhar para os amigos enquanto conversa.
Gosto de gente que gosta de comer e beber, desconfio muito de gente que não come nem bebe - a não ser que seja por razões médicas.
Gosto de gente que se entrega, que chora e ri sem vergonha. Gosto de gente que se expõe, sem medo do ridículo.
Gosto de gente que sabe apreciar coisas bacanas, e depois comenta: nossa, como foi bacana. Que lembra da gente quando vê ou vive alguma coisa legal e comenta: nossa, vi isso e lembrei de vc, que sabe agradecer e sabe pedir por favor. Odeio gente mal educada. Gosto de gente que sabe brigar, embora eu mesma não saiba direito.
Gosto de gente ética, odeio os espertalhões, odeio quem fura fila ou engana os outros e ainda se orgulha disso, gosto de quem se preocupa com os outros.
Gosto de gente que aprecia diferenças, que é aberto ao novo e tem coragem e curiosidade de experimentar aquilo que não conhece.
Gosto de quem se apaixona, gosto de quem se perde, gosto de quem sabe rir de si próprio. Gosto de gente que tem coragem de expor suas opiniões e sabe ouvir a dos outros.

Gosto de gente torta, louca, falha. Odeio gente perfeita, que geralmente exibe a própria perfeição como um troféu. Assim: nossa... não preenchi o diário de classe. Não? eu preencho tudo, todos os dias, meu diário é perfeito, como é que vc esquece?
Gosto de quem vive uma vida viva.
São poucos, por isso não gosto de todas as gentes mas há por aí muita gente de quem eu gosto, e é suficiente.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

lulu de dieta

No fim de semana do meu aniversário era o fim de semana do meu aniversário, então comemorei sexta, sábado e domingo. Sexta com vinho e jantar em casa, sábado comida de lutador de sumô no bairro da liberdade ( sim, mas esse post fica para outra hora) e domingo, bacalhau e mais vinho.

Segunda e terça passei me recuperando. Ginástica, caminhadas, blablabla...

Ontem, estava determinadíssima. Comi cereal integral, leite desnatado e banana no café da manhã, com direito a linhaça e tudo (sei lá o que linhaça faz, mas já me falaram tanto dela que só de tomar uma colher por dia já me sinto vivendo uns cem anos). Tão saudável que estava, fui caminhando ao trabalho e almocei uma salada verde com croutons. Só. Nem uma quichezinha para acompanhar. Era algo assim inacreditável. Bebi água com gás com uma rodela de limão por favor.
Me senti chiquérrima, num lugarzinho bacana almoçando salada verde, Carrie Bradshaw, aqui vou eu. Não é só vc e suas amiguinhas que ficam comendo saladas e pratos de frutas em lugares badalados enquanto bebem bebidas vermelhas.
Aquele prato de salada ( bastante overrated - ou seja, caro - por sinal) havia me colocado na turma.



Ginástica depois do trabalho, aula de dança, e missoshiro e shimeji de janta, nadica de carboidratos, uma coisa assim... manequim 36. Já estava pensando quanto será que um Manolo Blahnik deve custar ...


Fui dormir, com um pouquito de fome, mas fome é para os fracos.


Acordei, um vazio existencial dentro de mim roncava em altos brados: queremos bons tratos! Sim, acordei faminta, uma fome atávica e antiga.
Peguei o maridón e lá fomos nós para a padaria mais próxima. Ele pediu um mamão e suco. Eu ri:
- moço, quero um misto quente.
- No pão integral? ( aquele garçom estava me provocando)
- Não, pão francês, com miolo.
- Queijo branco? ( era uma verdadeira conspiração)
- Presunto e queijo prato, moço, no pão francês, tradicional. E uma média sem leite por favor (sim, média sem leite. Eu sei... outro post).

Jornal na mesa, sol na rua, meu amor ali na minha frente, tudo estava certo enquanto saboreava dois ( sim, caros leitores... DOIS ) mistos quentes deliciosos e me despedia sem nenhuma pena ou culpa da chata da Carrie Bradshaw.


Porque essa lulu aqui will never be hungry again.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

silêncio

porque às vezes tem gente falando muito, com pouco, ou nada, a dizer. Porque às vezes é difícil falar de coisas que a gente nem sabe o que são. Porque é bom ficar em silêncio, às vezes.

Deixo aqui dois links, um que me emocionou muito, da Marta Bellini, sobre leituras:
Lulu, literatura, lendo...

e outro, um relato chiquérrimo da comemoração do aniversário da lulu, ali, no Tablóide da uol. Sim, lulu também é society!:
Na véspera, uma conclusão: a academia ignora os concursos de miss.

( sim, a professora do colégio que cantou em japonês sou eu... hihihi)
Não percam.


sábado, 15 de setembro de 2007

"professora, puta cara loser, esse Dostoiévski ."




"Puta cara loser, esse Dostoiévski, professora!"- falou um aluno. "Sabe... eu acho que eu me identifiquei um pouco com ele... - respondeu outro aluno."

















Esse post é continuação dos posts Três tigres tristes

Professora, queremos livros felizes.



Sobre o narrador de Memórias do subsolo, do Dostoiévski, na sala de aula, oitava série:


-Professora, eu ODEIO esse cara, odeio, odeio, odeio. Ele é o maior loser de todos os tempos!

( eu comecei a rir, achei engraçado, e o aluno tem razão: o herói do Memórias do Subsolo é mesmo o maior loser de todos os tempos:

"Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. (...) Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (...)
Mas, apesar de tudo, não me trato por uma questão de raiva. Se me dói o fígado, que doa ainda mais."(p.15)

Desempregado aos quarenta anos, por vinte foi um funcionário "maldoso, grosseiro, e encontrava prazer nisso".

"Não consegui chegar a nada, nem mesmo tornar-me mau: nem bom nem canalha nem honrado nem herói nem inseto." (p.17)

Aos quarenta anos, viveu sua vida toda. " Viver além dos quarenta é vulgar, imoral!" Ainda por cima é feio, e nem ao menos tem o consolo da expressão inteligente.

Na primeira parte do livro, dedica-se a falar de si:

"Tenho agora vontade de vos contar, senhores, queirais ouvi-lo ou não, por que não consegui tornar-me sequer um inseto, Vou dizer-vos solenemente que, muitas vezes, quis tornar-me um inseto. Mas nem disso fui digno." (p. 19)



O cara não consegue nem ser um inseto decente. Looooooooooseeeeerrrrrrr. Doeeennnnteeeeee.

O diálogo na sala de aula continuava:

- Puta cara chato, meu! Sério, professora, sabe do que eu acho que esse cara precisava? Precisava ser preso e enrabado por três negões, aí ele ia deixar de frescura.

( risos, são bons, esses meus alunos)

- Sabe quem é esse cara, professora? Você já viu aquele programa, linha direta?
- Já.
- Então, ele é um desses caras que aparecem no linha direta.
- Será? O quê vocês acham, gente?
- Eu acho que não... - falou uma menina, bem tímida mas convicta - porque... sabe? O que é legal nesse cara é que ele tem consciência de como ele é ridículo e patético, ele sabe disso. Ele tem raiva do mundo mas acho que tem raiva principalmente de si. E... sabe? eu acho que eu até me identifiquei em algumas partes do livro... não assim com essa raiva toda que ele tem do mundo, de todo mundo, tal... mas da vergonha que ele sente de si próprio às vezes... da vontade que ele tem de não falar com ninguém e ser grosseiro com todo mundo... De como às vezes ele é superior a todos, e às vezes se sente super inferior.


- Sabe o que eu gostei no livro? - um outro aluno - como ele sempre pensa que deve fazer uma coisa e nunca faz aquilo que pensa que deve fazer. Ele está lá num lugar e pensa: eu preciso dar um soco nesse cara, ou : eu preciso ir embora... mas fica lá, andando de um lado para o outro e não faz nada daquilo que gostaria de fazer, ou que acha que tem que fazer. Eu achei isso muito legal.

- Eu acho que esse livro me ajudou a entender melhor as pessoas...
- Por quê?
- Ah... sei lá... o cara tem coragem de falar um monte de coisa que todo mundo sente um pouquinho mas não tem coragem de confessar, ele vai lá e confessa, sabe?

Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos seus amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até a si próprio, e, em cada homem honesto, acumula-se um número bastante considerável de coisas no gênero. E acontece até o seguinte: quanto mais honesto é o homem, mais coisas assim ele possui (…)

Agora, quero justamente verificar: é possível ser absolutamente franco, pelo menos consigo mesmo, e não temer a verdade integral?
(p. 52)


Uma menina vira para o outro que disse odiar o cara com todas as forças:
- Você nunca faz uma coisa da qual se arrependeu depois? Ou deixou de fazer por falta de coragem e depois ficou pensando nisso durante dias e dias, e isso virou uma coisa enorme na sua cabeça? Você nunca quis fazer algo e acabou fazendo justamente o contrário? Eu fiquei com um pouco de pena do cara, sabe? mas gostei dele, de uma certa maneira, sei lá.

- Eu não gostando do livro porque dá aflição e angústia.
- Eu acho que o cara devia tomar coragem, se matar e deixar a gente em paz.
- Por que alguém vai escrever um livro sobre um cara desses?

Isso que é o mais lindo, gente. Que alguém vá escrever um livro sobre um cara desses. Que alguém vá falar que a razão, o bom senso, a racionalidade não são suficientes para explicar o que é o ser humano. Que o cara, e a gente, tem impulsos auto-destrutivos que todo mundo tem... Que nem sempre a gente age com racionalidade, quem nem sempre dá, e vale a pena, ser um winer na vida. Que tudo isso aliás é meio ridículo, que há o subsolo do humano, e que esse não pode ser negado. Porque todo mundo aqui sabe que a gente tem às vezes prazeres e desejos perversos, ou teve - na infância, sei lá... todo mundo aqui já fez alguma vez alguma coisa muito nada a ver, perigosa ou auto-destrutiva prá caramba, só para flertar com o perigo, para testar limites, sei lá. ... Que todo mundo é meio loser mesmo e ainda bem, porque essa figura do cara que sempre consegue tudo aquilo que quer, que sempre faz tudo aquilo que acha que deve fazer, que tá sempre feliz, realizado e se dando bem com todo mundo... Vamos combinar, gente... é um saco. E é falso também... Sabem, esse cara leva ao máximo um lado que todo o mundo tem, vamos chamar de lado loser, para vocês verem o ridículo dessa expressão. Ainda bem que alguém escreveu um romance sobre ele, porque o ser humano não tem controle absoluto sobre si próprio, tem o inconsciente, tem um prazer que a gente sente na dor, tem um monte de coisa... Essa obrigação de ser feliz, de se dar bem em tudo, de conseguir as coisas, é na verdade não só ridícula como muito dura também.
E o pior: ele é um cara que tem a consciência hipertrofiada. Pensou demais, observou demais, refletiu demais. A resposta possível que ele dá para tudo isso, para o ridículo das pessoas que observou, para a hipocrisia do mundo, os bajuladores, etc. é a inércia. Pois para ele não adianta fazer alguma coisa, porque nada do que ele fizer vai mudar ou alterar o estado do mundo e das coisas. Mas isso não impede que ele sinta raiva, muita raiva. O discurso dele é inteiro raivoso, e é bacana um discurso raivoso, o mundo precisa também disso.

Sabem, quando vocês falaram aquele negócio de livros tristes eu fui estudar. E li um livro que chama A teoria do Romance, do Georg Lukács. E uma das coisas que ele diz lá é que o romance moderno é mesmo necessariamente meio triste, ou é triste ou é entretenimento.
Porque na modernidade o mundo não está dado, ele não é harmonioso, não tem um sentido a priori, uma essência que faz com que tudo tenha seu lugar e a vida faça sentido. É a gente que tem que construir o nosso mundo, sabe? Ir juntando as pecinhas partidas, criando nossos sentidos... Para o Lukács, o romance moderno trata justamente dessa construção: o herói do romance moderno tem que construir a si mesmo e ao mundo, criar um sentido para si e para as coisas do mundo. Esse é o grande tema.
O problema é que, para esse autor, essa construção necessariamente está fadada ao fracasso. Porque se o herói se adapta e vence no mundo ele perde algo de si mesmo, da sua verdade. Ele se torna, sei lá, ou um pouco hipócrita, um pouco cínico, sei lá... perde a sua integridade. Isso acontece por exemplo no romance Ilusões Perdidas, do Balzac, que mais tarde vocês deveriam ler. Por outro lado, se o herói mantém sua integridade, ele não cabe no mundo. Aí vira por exemplo um inseto, coitado, como na Metamorfose. Ou mesmo no Apanhador no campo de centeio. O Holden acha todo mundo meio ridículo, meio patético, tem uma consciência e o Holden só se ferra. Tem um amigo meu que inclusive acha que esse romance é reacionário, porque no fundo diz que se você tem essa consciência hipertrofiada e quer ser fiel a si mesmo e aos seus valores, você vai acabar tendo um troço, sendo expulso de todas as escolas, e terminando numa clínica de repouso.


Eu não sei, gente, se tem uma saída. Eu sei que é verdade que muita gente abdica de si mesmo e se aprisiona ao máximo para poder inserir-se no mundo, não virar um loser, ganhar muito dinheiro, sei lá. Tem muita gente muito infeliz por aí, gente demais. E é difícil mesmo. Porque por outro lado ninguém quer virar uma barata ou um personagem do Dostoiévski que nem barata conseguiu virar. Mas é bacana a literatura mostrar que o mundo é um pouco isso aí mesmo. Que é uma batalha a gente ser fiel a nós mesmos, e para isso a gente tem que lembrar o tempo inteiro que essa construção do mundo e de nós mesmos nos dá uma coisa muito muito preciosa e bacana: liberdade. Ninguém está predestinado a nada, ninguém tem um lugar fixo, cada um pode ser livre para viver seus desejos, construir sua vida, lutar pelos seus sonhos, lutar pela construção de um mundo melhor - mesmo que isso signifique ficar um pouco `a margem, sei lá. A resposta para esses livros não precisa ser uma tristeza e uma depressão, pode ser pelo contrário: ação, e mesmo, talvez, um certo alívio, porque não é humano vencer, se dar bem e ser racional o tempo inteiro, e esses livros mostram que nem é isso que interessa.



Essa foi a aula de ontem. Quis escrevê-la, sem nenhuma obrigação de amparo teórico nem nada, porque muita gente acompanhou e pensou sobre a questão dos livros tristes na literatura. Essa foi a minha resposta, e sabem? eu acho que , ao final, deu certo e valeu a pena a insanidade de ler Dostoiévski com a oitava. Cerca de 70 por cento da classe gostou, e esse tipo de conversa, esse tipo de reflexão são bem importantes, nunca a classe esteve tão em silêncio e concentrada como ontem. Enfim, eu tenho muitos amigos fiéis a si mesmos, que conseguiram, nesse mundo louco e desigual, encontrar caminhos verdadeiros e que lutam sempre para viverem de acordo com suas verdades e desejos. É possível, a medida que fico mais velha, me sinto cada vez mais livre, e traço minha vida para ser cada vez mais verdadeira, e feliz. Acho que dá sim.


quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Aviso importante

O Diário da Lulu informa que domingo próximo, dia 16 de Setembro, sua dona, a Lulu, aniversaria.
O Diário da Lulu gostaria de informar que sua dona, Lulu, gosta muito de receber mimos, cartas, presentes, declarações e parabéns e que os mesmos podem ser enviados para o e-mail de lulu:
almluana@gmail.com já que o Diário às vezes fica um pouco sem jeito com excessos. A lulu não fica, nunca, portanto ela libera esse espaço aqui também. Para presentes maiores, champanhes, livros, sapatos e coisas assim, é só pedir o endereço que a minha dona infelizmente é meio facinha e certamente libera seu endereço para corrrespondência.

O Diário da lulu agradece àqueles todos que reviram suas páginas diariamente, ele acha isso tudo muito legal.

Sem mais, grato pela atenção de todos,

O Diário da Lulu.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Um dia roubado

Hoje roubo um dia da vida, em flagrante delito, apresento-me e confesso, sem a menor vergonha ou culpa, que no dia de hoje faço absolutamente só aquilo que me dá felicidade. Não há aulas na escola, tenho o dia para mim, roubo-o da vida e junto-me aos gatos no prazer da existência ociosa.

Fico feliz ao acordar sem despertador, não muito tarde mas também não cedo demais, por volta das nove horas, que já não são horas de trabalhador, mas também não são horas boêmias.
Fico feliz ao comer frutas, uma tangerina obscenamente laranja, leite e cereais. Fico feliz com uma xícara de café bem quente e fraco, uma xícara inteira, sem açúcar, tomado aos poucos, enquanto a vida é contemplada. Fico feliz ao voltar para a cama, descabelada como uma doida, ainda de camisola rosa, e ler um livro que me faz esquecer do tempo e querer voltar para casa mais cedo para voltar à leitura. Fico feliz ao marcar as páginas em que chorei com duas lagriminhas, achando isso brega à beça mas fazendo mesmo assim, como aprendi com um amigo. Os gatos vêm para a cama, e o mais gordão sobe na minha barriga, machuca um pouco, mas é legal. Fico feliz ao marcar as páginas em que ri, e ao marcar as partes assombrosas de tão bem escritas e construídas. Fico feliz ao perceber que esqueci do almoço, pois o livro inclusive me fez segurar o xixi por mais de meia hora. Como rabanetes com cenoura. Eu adoro rabanetes com cenoura, o doce da cenoura amansando o rabanete picante. Um dos maiores mistérios da minha adolescência ( infância!) era entender como a mãe de Rapunzel pôde ter arriscado tudo por desejos de rabanetes. Pensava assim: impossível. Desejar bolo de chocolate tudo bem, mas mandar o marido invadir a horta da vizinha má por vontade de rabanetes?? Hoje cresci e, se não arriscaria a minha vida ou de meu marido por um rabanete, tenho pelo tubérculo ( e rabanete é tubérculo? ou tubérculo é só batata? ) bastante consideração, e mesmo afeto. Às vezes sou até tomada por desejo de rabanete, e sempre lembro-me da pobre da Rapunzel e suas longas tranças, enquanto mordo o bichinho. Cortei meus super rabanetes, e minhas super cenouras, orgânicas e portanto saborosas, sal, muito sal, sal à beça, e lá fui eu, ler o último capítulo. Feliz. Fico feliz ao tomar um banho longo, esfoliar minha pele, passar cremes, vestir calcinha e sutien combinando e vir aqui escrever, confessar meu delito de um dia roubado para mim. Fico feliz quando a escrita sai. Depois conto o resto.
Um beijo a todos,
Lu.

ps: o achado do dia roubado é de Alexandre Soares Silva; o nome, pois a idéia já é praticada aqui pela luluzinha faz tempo.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Samurai, o Cowboy, Hiro e o dilema e o lugar dos heróis.










O Samurai e o Cowboy:

“Sete homens e um destino” é um belo filme de faroeste, refilmagem do belíssimo “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa.
Ainda gostaria de escrever sobre o samurai e o cowboy, já que os filmes de samurai parecem se adaptar perfeitamente ao farwest americano, bastando apenas mudar a paisagem e os figurinos. Além dessa adaptação, há ainda o magnífico Por um punhado de dólares, filmado por Sergio Leone e totalmente baseado em Yojimbo, também do Kurosawa. As duas versões americanas seguem par e passo os originais japoneses. O roteiro é praticamente o mesmo, as personagens são as mesmas, é incrível como dá certo.

Afinal, o que há em comum entre o samurai e o cowboy?

O que está em questão, especialmente em Os setes samurais é a ética e a vida do herói.
Tanto o samurai como o cowboy são exemplares da figura do herói solitário, seu poder à serviço às vezes de um senhor, às vezes da grana, mas sempre guiados por um código de honra rígido dentro de uma vida que cotidianamente depara-se com a morte.


O agricultor e o guerreiro:


A história do filme Os sete samurais é bastante simples: os camponeses de uma aldeiazinha estão sendo explorados por um bando de homens armados que vive da exploração dos camponeses da região. Todo ano, saqueiam as aldeias. Esse fora um ano difícil, não há arroz suficiente para os camponeses, quem dirá para o bando.

A história começa quando o tal bando chega à aldeia e avisa que passará ali no mês da colheita para buscar todo o arroz. Os camponeses são miseráveis e não poderão sobreviver após esse saque. Ficam entre resignar-se, e entregar todo o fruto do seu trabalho ao bando, ou lutar. Logo deparam-se com sua prórpia impotência, são camponeses, seu ofício é o plantio, entendem de terras e sementes, não de armas e espadas. Não sabem lutar.

Resolvem então contratar samurais que lhe ensinem a combater. Têm muito medo e pouca confiança em si mesmos, mas a solução dá uma esprança aos aldeões. Não têm como pagar os serviços de um samurai, mas vão mesmo assim à cidade à procura de ajuda. Na cidade são ridicularizados pro seus modos caipiras, sua fraqueza e pobreza.

Acabam por comover um grande samurai, que consegue convencer outros cinco a ajudar os camponeses na batalha em troca somente de algum arroz. Um homem bêbado que quer ser samurai - mas não é - acompanha o grupo, e acaba conquistando o direito de pertencer ao grupo por mostrar-se honrado e entender os camponeses.

O grupo de sete homens chega à aldeia, que se esconde cheia de medo. Logo há uma aproximação e grande parte do filme gira em torno da vida dos samurais na aldeia. Eles têm um ou dois meses para preparar todos para a guerra. Treinos e estratégias.

Os samurais são nômades, vivem à parte da sociedade, não têm família, não têm laços afetivos, não têm um lugar. Percorrem as cidades à procura de trabalhos. Os camponeses vivem suas vidas sempre no mesmo lugar, casam-se, criam seus filhos, são enterrados em lugar próximo.

O agricultor e o guerreiro.

Ao agricultor cabe cultivar, plantar-se num espaço, ficar ali por um longo período de tempo, colher os frutos, fazer filhos, uma vida no tempo, longa. Ao guerreiro cabe percorrer espaços, onde houver pagamento, onde for chamado, ele vai, e deve estar preparado a todo instante para a morte honrosa, o samurai não pode temer a morte e vive, sob seu código de conduta e honra, uma vida percorrida através de diferentes espaços, no tempo presente, provavelmente curta.

O samurai não tem uma casa, jamais pode ser agricultor, leva consigo tudo o que precisa e não pode apegar-se a ninguém, é um solitário, quase um pária da sociedade, que vive o tempo presente dentro do caminho do bushidô.

Nesse momento de treino os camponeses têm que aprender a ser guerreiros - perder o medo, ganhar postura, prontidão, aprender o manejo das armas - e os sete samurais vivem uma vida de camponeses - plantam, cuidam das crianças, participam do dia-a-dia da aldeia, criam laços, apaixonam-se.

Surgem muitos conflitos, muitos camponeses ficam achando que seria melhor entregar tudo a arriscar perder a vida. Entre os samurais surge até um desejo de abandonar a vida de samurai, construir uma casa, plantar algo, ter família e a vida passa a ter mais valor.

Finalmente, chega o tempo da batalha.

É na guerra (diante da morte) que os propósitos de cada um são testados e que o sentido da vida de cada um ganha força e significado. Aos samurais cabe o sacrifício da própria vida, não por dinheiro mas pela dignidade e possibilidade de manutenção da aldeia e dos agricultores. Eles também ganham dignidade e morrem como heróis, e como heróis são lembrados. Sobre a montanha que ladeia a aldeia, agora segura, repousam suas sepulturas. Suas espadas são suas lápides.

A canção sobre o herói:


Todo herói deve ser lembrado. O helenista Jean Pierre Vernant comentava que Ulisses precisava voltar para casa, para sua Penélope, principalmente para poder ser cantado pelos poetas. O herói grego torna-se herói quando sua história vira canto.

Na excelente série Heroes o grande momento que dá dignidade e força ao Hiro ( perfeita encarnação de um herói) é quando seu amigo Endo lhe diz que ele será lembrado, como são lembrados o Super Man, os guerreiros Jedis de Star Wars, o surfista prateado. Hiro é ele mesmo personagem de história em quadrinhos, relatos de sagas heróicas, e vive sua história para fazer juz à história em quadrinhos em que ele é um herói. Vive-a não para ser cantado, mas porque já foi desenhado.



O dilema do herói:

Sempre na história do herói surge um momento de crise interna. Uma vontade de pertencer, de fazer parte, de ser normal, criar laços, fazer filhos, viver na aldeia e fazer parte dela, de fato. O homem aranha, o batman... todos eles enfrentam esse dilema, geralmente despertado por alguma mulher, mas não necessariamente.

Ao mesmo tempo que amam e querem viver uma vida normal, têm poderes e junto aos poderes vem uma responsabilidade: viver na normalidade significa abrir mão do uso dos poderes, e aí surgem dilemas éticos. Pois a aldeia precisa do herói, o poder do herói pode salvá-la, e herói deve sacrificar-se. É meio triste, a figura do herói.

Há aqueles que usam seus poderes para ganho próprio, e esses são os vilões, fundamentais também. O herói usa seus poderes para ajudar o outro, para o bem comum; os vilões, para obter poder pessoal. Tisc, tisc, tisc...

No caso dos samurais e dos cowboys, o poder está na detenção da força, do gatilho rápido, da espada mortal. Seus vilões também, sejam índios, seja o bando ameaçador, o inimigo também tem poderes, também sabe manejar armas, são quase tão rápidos no gatilho. Em Heroes o poder é fruto de alguma mutação genética.

Enfim, seja qual for seu poder e história, o herói sempre enfrenta esse dilema: deve estar fora da sociedade para protegê-la.

Esse é o grande conflito da série Heroes, dos X Man, do Homem Aranha, do Superman, do cowboy, do samurai. O lobo solitário, por exemplo, fica com seu filho somente a partir do momento em que seu filho escolhe o caminho do lobo, que é o caminho da meifumadô, do inferno, uma vida que não está nem no plano da vida nem da morte, uma espécie de limbo. Esse pai vaga com seu filho, não têm casa, não têm laços, Daigoro não tem amigos e vive sempre no presente, tanto ele como seu pai estão sempre preparados para a morte, e não a temem.


Em Sete homens e um destino esse conflito é mais explicitado que no original japonês. A certa altura, dois cowboys conversam sobre a vida do cowboy:
Casa: nenhuma.
Esposa: nenhuma.
Filhos: nenhum.
Perspectivas: zero.
Lugares ao qual se apega: nenhum.
Pessoas que te seguram: nenhuma.
Homens para os quais você dá passagem: nenhum.
Inimigos: nenhum.
- Nenhum inimigo?
- Vivo, nenhum.
Escreva uma canção sobre nós, é o que podemos pedir.

O destino nobre do herói é esse sacrifício, e com a boa morte eles conquistam o direito de ser cantados.


A questão da soberania e o Estado de Exceção:



Giorgio Agamben é um filósofo italiano que escreve sobre a questão da soberania. Ele diz que a Lei se inaugura na força, isto é, para que a lei seja implantada há que haver um dispositivo de força que será usado contra aqueles que a violarem, todos estão submetidos à força da lei, e é assim que a constituição é implantada, e junto com ela, o Estado moderno. Já falei em outra resenha que os filmes de farwest tematizam essa implantação do Estado Americano no ambiente selvagem, desértico e bárbaro ( a barbárie representada pelos índios) que é o far west. Em Heroes há a questão da salvação do mundo, e por mundo entenda-se Nova York. A fronteira do far west é a fronteira da ausência da lei, e por isso ali o cowboy é necessário, por isso os samurais foram necessários. Ainda bem que no caso dos verdadeiros heróis há um código de honra que os faz agir dentro do caminho do bem.

No caso de Estado Soberano já sabemos que não é sempre assim. O que Agambem fala, que é interessante, é que o o Soberano que impõe a lei está fora dela. Ou seja, o Estado pode decretar a qualquer momento um Estado de Exceção que lhe permitirá infringir todas as leis ( torturar, matar, prender, etc... ) Nesse Estado, a vida dos cidadãos perde significado e valor, e transforma-se no que Agamben chama de “vida nua”, uma vida que pode ser matada sem que isso signifique assassinato. O Soberano está fora das leis da sociedade para poder manter a própria sociedade, e isso significa, para Agamben, que a qualquer momento qualquer vida pode deixar de ser uma vida cidadã ( com direitos, deveres) e se tornar uma vida nua.


O interessante é que esse Estado de Exceção é imposto justamente quando se crê que a lei e a sociedade estão em risco. Jack Bauer, da série 24 horas, ilustra com perfeição tudo isso. Diante de um perigo de destruição do mundo, ele pode e deve matar, torturar, invadir embaixadas, etc. Ele está fora da lei. Em uma das temporadas, ele inclusive se demite para poder matar mais à vontade, depois é readmitido de novo. Os Estados Unidos de Bush, sob ameaça, também restringem direitos de seus cidadãos e com as fotos de Guantánamo vimos o que é a Vida Nua.

Na raiz da própria soberania está a violência e a ameaça do seu uso, o farwest é ( ou pode ser) aqui.

Enfim, a figura do herói e seus belos dilemas sempre existiu.

No homem que matou o facínora esse conflito entre a lei e a força também é tematizado (leia a minha resenha sobre o filme aqui, essa é uma espécie de continuação daquela). Os super heróis têm seus códigos, e na ficção, os do bem costumam vencer.

O perigo é quando o soberano, também ele um fora da lei, toma para si decidir o que é a normalidade e quais os riscos que permitem que ele use seu poder de força sem precisar estar dentro da lei. Os produtores de 24 horas dão palestras e aulas para o exército americano. Não é à toa. Na aldeia, a voz da democracia deve vencer, e todos têm seus direitos e deveres, iguais. Quando o soberano resolve virar herói e sacrificar esses direitos, estamos dentro do campo do fascimo, e não dos heróis bacanas do mundo da ficção.

Quando o Estado e suas leis parecem falhar, surge o sentimento de que precisa-se de heróis, e isso é muito, muito perigoso.



posts relacionados:

As cordas de Ulisses

O homem que matou o facínora

Lobo solitário

O universo, os deuses e um homem.

Sobre Giorgio Agamben, o Idelber escreveu esse post aqui, com ótimos links:
Giorgio Agamben.

sábado, 8 de setembro de 2007

Eu converso, tu conversas...


Este prêmio é uma tentativa de reunir os blogues que são adeptos aos relacionamentos “inter-blogues” fazendo um esforço para ser parte de uma conversação e não apenas de um monólogo.

Schmooze: (Verbo) fofocar, jogar conversa fora, trocar idéias. (Substantivo) conversa, bate-papo.

Regras:
1. Se, e somente SE, você receber o “Thinking Blogger Award” ou “The Power of Schmooze Award”, escreva um post indicando 5 (cinco) blogs que tem esse perfil “schmoozed” ou que tenha te “acolhido” nesta filosofia. (Se não entendeu, leia a explicação no parágrafo anterior de novo).

2. Acrescente um link para o post que te indicou e um para o post do Mike ( esse aqui) , para que as pessoas possam identificar a origem deste meme.

Recebi do Milton Ribeiro, o que desde já me fez vaidosa vaidosíssima, já que o Milton prima não somente pelo bom texto, mas também pelo bom gosto.

Muito obrigada, Milton, você nem sabe como ando me debatendo com essas questões de diálogo em minha vidinha.

E agora, blogs que conversam por aí:

A casa da Mãe Joana. A Vivien conta casos, aponta quem vale a pena por aí na blogosfera, é generosa e estuda seriamente coisas para as quais a academia ainda insiste em torcer o nariz, como RPG, por exemplo. Mulher aberta, para muitas e muitas conversas.

O Biajoni, conversa, toma cerveja, bota as filhas para tocar alguma coisa e, se bobear, ainda se emociona e chora.


O Fiapo de Jaca além de apresentar crônicas ótimas, de um exclente observador das coisas do cotidiano, tem uma generosidade ímpar, sempre indicando as coisas bacanas que há por aí na rede.


Quem já teve um prazer de travar uma conversa com a Clélia Riquinho sabe do que eu tô falando. Seu blog, Achados e Guardados, traduz uma sensibilidade para a vida que passa por canções com as quais ela presenteia os amigos e quem vier. Um diálogo cantado, o da Clélia.

Vidas e imagens. Ok, não é um blog que dialoga com outros blogs, mas faz algo tão extraordinário que eu quis colocá-lo aqui. Em meio à cidade de São Paulo, pára, enxerga as pessoas e as escuta, conversa, quer saber da vida da gente que passa e nem reparamos. Não sei se é diálogo, mas é espaço para o outro, digno, atento.


às vezes os outros são puro inferno, mas muitos ( muitos? hum... ) ainda valem a pena.

Obrigada Milton.
Um beijo,
lu.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

As respostas maravilhosas que meus alunos dão:

prova, sexta série:

Explique a diferença de significado entre as palavras em itálico nas seguintes frases:

Não houve nada de mais. Eu te amo demais.

A diferença é que o de mais da primeira mostra a quantidade, e o da segunda, a gravidade.



terça-feira, 4 de setembro de 2007

conversas insanas

entreouvido dia desses, no bar, um amesa de mulheres cool e modernosas:

- Cês viram meninas? agora tem um disk marido!!
- Como assim?
- Cê disca e aparece um marido na sua casa. Ele vai arrumar o cano da pia que tá pingando, colocar quadros na parede, arrumar a janela, colocar óleo na porta de range, instalar o DVD... todas essas coisas que os maridos de hoje em dia não sabem mais fazer, e que a gente também não faz.
- Nossa!! E o cara faz sexo também??
- Queriiiida... é DISK MARIDO!! Ma-ri-do... desde quando marido faz sexo?
- ah é... tá certo...


ai, ai...

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

O fora do economista

( atualizado! invente um fora profissional vc também! )

Aconteceu de verdade, uma amiga contou, levou dois meses para que ela se recuperasse. Era um namoro longo, ela fazia tudo, se esfalfava, o cara parecia não estar nem aí. Até que um dia, o cara, o tal do economista, chegou e disse assim:


- Eu quero me exonerar da nossa relação pois eu não estou agregando nenhum valor a você e esse investimento a longo prazo não dará lucro algum.



Incrível, né? Claro que depois de um fora desses, a pessoa tem que se ajoelhar e agradecer aos céus por estar saindo de uma relação com um cara assim, mas a amiga sofreu, hoje, dá risada. Nada como o tempo para que as coisas ganhem perspectiva, não é mesmo?



Eu fiquei imaginando outros foras clássicos relacionados a profissões:

o fora da professora/professor:

- Eu te convido a se retirar da minha vida, pois a metodologia que eu posso oferecer não está sendo boa para o nosso desenvolvimento e não estamos construindo conhecimento nem ganhando novas habilidades. Nosso conteúdo não se renova há tempos, ficou previsível e antiquado e dessa maneira repetiremos todos os anos, ou melhor, ficaremos retidos nessa relação sem que nosso processo de ensino-aprendizagem se renove ou possa crescer.

o fora do sociólogo:

- O esgarçamento do tecido social da nossa relação atingiu níveis onde a continuidade da vontade de reprodução do status quo já não é mais suficiente para garantir a sua existência social e moral, tal como apontado por Weber.



viciei!!

atualizado!! (ou... o quê seria dessa bodega sem seus leitores? ) :

brigitte disse...

fora do publicitário:
preciso te comunicar que minha produtora deseja romper contrato da conta da sua empresa, pois nossa parceria não está alcançando os índices satisfatórios de interesse dos consumidores. Há um desequilíbrio entre o produto tradicional que vc quer vender e aquele que eu quero divulgar com a minha arte e criação, e nossos esforços de causar um mega-impacto no mercado foram, até agora, desastrosos para ambos.

2 de Setembro de 2007 21:07


miranda disse...

Fora do corretor:

Estou de forma unilateral comunicando o distrato de nossa relação haja visto que a relação custo/beneficio de meu investimento se mostrou amplamente insatisfatoria.

Desde já abro mão de valores a receber/pagar, para facilitar o acerto.

domingo, 2 de setembro de 2007

Lugares imaginários


Outro dia contei que com a quinta série faço um tabalho longo, onde eles criam um mundo imaginário.

Há um livro maravilhoso, O Dicionário de lugares imaginários, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, onde estão mapeados e decritos, com direito à mapas e tudo, os grandes lugares imaginários da literatura. Quase um guia de viagem, para mim é, principalmente, um guia sentimental, pois os lugares mais significativos que freqüentei trazem consigo lembranças, memórias de quem eu era à época, de quem sou, dos meus sonhos. Vivi e vivo em um monte desses lugares, são como casas em que eu morei, com a vantagem que continuam lá, e podem ser revisitadas sempre.
Cresço, e levo esses lugares comigo. Sempre fujo para lá, cada fase, um lugar.

A edição brasileira foi acrescida de alguns verbetes de lugares da nossa literatura, um deles sobre o lugar que mais me acompanhou na infância, O Sítio do Picapau amarelo.
Reinações de narizinho talvez tenha sido dos livros que mais li e reli, decorei o início, lia comendo jabuticabas, e ora era a Narizinho, ora a Emília. Acho que até hoje continuo assim, ora Narizinho, ora Emília.

Outro lugar também muito frequentado por mim na infância foi a Grécia antiga, repleta de deuses, monstros e heróis. Ora era Afrodite, linda, a deusa do amor, ora Artemis, livre, a deusa da caça, dos animais e da natureza. Queria também ser Atenas, a deusa da sabedoria, que nascera da cabeça de Zeus. Sou as três. Vivi muito no labirinto do Minotauro, nos campos gregos, percorri palácios, conheci o Hades e o Olimpo.
Eu amo esses lugares.
Que venham novos.

Deixo com vocês o verbete sobre o Sítio, com as dicas todas sobre o pó de pirlimpimpim.

SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO - Propriedade rural de não mais de cem alqueires de terra rica em petróleo,situada em lugar bonito do interior do Brasil. Sabe-se quedista légua e meia da vila mais próxima, mas sua localizaçãoexata é desconhecida, pois a proprietária, dona Benta Encerrabodesde Oliveira, impede a divulgação do endereço. A sede do sítio,uma casa branca de cômodos espaçosos e frescos, possui quatro quartos: o maior, de dona Benta, o de sua neta Narizinho, o de Pedrinho, primo de Narizinho que lá passa as férias, e o de tia Anastácia, a cozinheira e faz-tudo da casa. Em um canto do escritório, onde ficam três estantes de livros e a mesa de estudo da menina, moram a boneca Emília e o sabugo de milho conhecido como Visconde de Sabugosa. A sala de jantar é bem ampla, com janelas dando para o jardim; depois vêm a copa e a cozinha. A residência dispõe ainda de uma sala de visitas com piano, sofá de cabiúna e palhinha bem esricada, duas poltronas do mesmo estilo e seis cadeiras. A mesa de centro é de mármore e pés também de cabiúna. Na entrada, há uma sala de espera, com chão de grandes ladrilhos "cor de chita cor-de-rosa desbotada", que se abre para uma varanda muito gostosa. Cercada por gradil de madeira muito singelo, pintado de azul-claro, cheia de orquídeas e vasos de avenca miúda, é onde do na Benta costuma sentar na cadeira de balanço, com a cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz. Da varanda desce-se para o terreiro por uma escadinha de seis degraus. O jardim, nos fiândos da sala de jantar, é composto por plantas antígas e fora de moda. No seu centro, há um tanque redondo comum a cegonha de louça toda esverdeada de limo, que deveria esguichar água pelo bico, mas o bico e até a cabeça foram vítimas das pelotadas do bodoque de Pedrinho. Nos fundos da casa, depois do "quintal da cozinha", do galinheiro, do tanque de lavar roupa e do puxado da lenha, encontra-se o pomar, com a famosa pitangueira da Emília, as três jabuticabeiras de Pedrinho, a mangueira de espada de Narizinho e os pés de mamão da tia Nastácia.

O terreiro é vedado por uma cerca de paus a pique e uma porteira, bem no centro. Para lá da porteira fica o pasto, onde há um célebre cupim de metro e meio de altura; e mais adiante, um velho cedro, ainda do tempo da mata virgem.

O Sítio do Pica-Pau Amarelo costuma ser visitado por personagens das fábulas, da mitologia, do folclore e da literatura infantil, bem como por nobres da estirpe de Don Quixote de la Mancha. Recentemente, dona Benta adquiriu mais 1200 alqueires de terras vizinhas para ali instalar o Mundo da Fábula.

O visitante não deve deixar de provar as jabuticabas e os bolinhos de polvilho de tia Nastácia. Aconselha-se a consumir com moderação o pó de pirilimpimpim, guardado pelo rinoceronte Quindim e administrado pelo burro falante Conselheiro. Trata-se do pó mais mágico que as fadas inventaram, que deixa a pessoa leve como pluma, tonta, dá uma zoeira nos ouvidos e conduz ao País das Fábulas e ao Mundo das Maravilhas. Mas deve-se tomar cuidado para não molhar o pó com água salgada, pois cessa o efeito.

(José Bento Monteiro Lobato, 0 Saci, São Paulo; 1921; Reinações de Narizinho, São Paulo, 1931; 0 Picapau Amarelo, São Paulo, 1939)