Hoje roubo um dia da vida, em flagrante delito, apresento-me e confesso, sem a menor vergonha ou culpa, que no dia de hoje faço absolutamente só aquilo que me dá felicidade. Não há aulas na escola, tenho o dia para mim, roubo-o da vida e junto-me aos gatos no prazer da existência ociosa.
Fico feliz ao acordar sem despertador, não muito tarde mas também não cedo demais, por volta das nove horas, que já não são horas de trabalhador, mas também não são horas boêmias.
Fico feliz ao comer frutas, uma tangerina obscenamente laranja, leite e cereais. Fico feliz com uma xícara de café bem quente e fraco, uma xícara inteira, sem açúcar, tomado aos poucos, enquanto a vida é contemplada. Fico feliz ao voltar para a cama, descabelada como uma doida, ainda de camisola rosa, e ler um livro que me faz esquecer do tempo e querer voltar para casa mais cedo para voltar à leitura. Fico feliz ao marcar as páginas em que chorei com duas lagriminhas, achando isso brega à beça mas fazendo mesmo assim, como aprendi com um amigo. Os gatos vêm para a cama, e o mais gordão sobe na minha barriga, machuca um pouco, mas é legal. Fico feliz ao marcar as páginas em que ri, e ao marcar as partes assombrosas de tão bem escritas e construídas. Fico feliz ao perceber que esqueci do almoço, pois o livro inclusive me fez segurar o xixi por mais de meia hora. Como rabanetes com cenoura. Eu adoro rabanetes com cenoura, o doce da cenoura amansando o rabanete picante. Um dos maiores mistérios da minha adolescência ( infância!) era entender como a mãe de Rapunzel pôde ter arriscado tudo por desejos de rabanetes. Pensava assim: impossível. Desejar bolo de chocolate tudo bem, mas mandar o marido invadir a horta da vizinha má por vontade de rabanetes?? Hoje cresci e, se não arriscaria a minha vida ou de meu marido por um rabanete, tenho pelo tubérculo ( e rabanete é tubérculo? ou tubérculo é só batata? ) bastante consideração, e mesmo afeto. Às vezes sou até tomada por desejo de rabanete, e sempre lembro-me da pobre da Rapunzel e suas longas tranças, enquanto mordo o bichinho. Cortei meus super rabanetes, e minhas super cenouras, orgânicas e portanto saborosas, sal, muito sal, sal à beça, e lá fui eu, ler o último capítulo. Feliz. Fico feliz ao tomar um banho longo, esfoliar minha pele, passar cremes, vestir calcinha e sutien combinando e vir aqui escrever, confessar meu delito de um dia roubado para mim. Fico feliz quando a escrita sai. Depois conto o resto.
Um beijo a todos,
Lu.
ps: o achado do dia roubado é de Alexandre Soares Silva; o nome, pois a idéia já é praticada aqui pela luluzinha faz tempo.
Hoje fiquei feliz de ter tido a ideia de abrir seu blog e ler aqui este belissímo texto.
ResponderExcluirEstava triste, mas fiquei feliz.
Obrigado.
miranda
Uh la la:
ResponderExcluirque texto *megavilhoso.*
Dói de tão bonito.
Detalhe(s) de vida se transformando em literatura.
Parabéns, dona Lulu.
s.m.j.
beijos
Meg
Delicioso texto, delicioso dia roubado, deliciosa Lulu! Adoro tb fazer coisas simples assim, que nos enchem de prazer...
ResponderExcluirbjs
Clé
Ah, te citei, no meu blog, hoje.
ResponderExcluirLulu, transformar tudo em ritual é maravilhoso. Transformar ritual em literatura é divino.;0)
ResponderExcluirMiranda,
ResponderExcluirpuxa.. é para isso que eu queria que servisse essa bodega de brog. Isso é o mais imposrtante. Que bom, obrigada a você.
Meg querida!!
Estou sorrindo até agora com seu comentário aqui. Obrigada, minha amiga.
Clelia,
seu blog anda uma coisa de lindo. adoro aparecer por lá!
Vivien,
num é? literatura num sei... mas de rituais eu sou boa. Vamos fazer o nosso, tá?
Beijos a todos,
Lulu.
Transformar as coisas rotineiras em um ritual é elevar o prazer ao posto de coisa mais importante da nossa vida. E é assim que eu encaro o prazer. Não abro mão de buscá-lo. É pra isso que a gente é provido de criatividade.
ResponderExcluirluanaaa
ResponderExcluirque livro é esse que vc estava lendo? estou precisando de boas dicas.
bjs
ju do move
Ju,
ResponderExcluira consciência de zeno.
Maravilhoso. Aliás, italiano!! :-)