domingo, 20 de janeiro de 2008

saber cozinhar... a experiência do ovo frito perfeito.

republicação de um post do comecinho do diário da lulu, lá de dezembro de 2006.

Sim, a boa cozinha está na simplicidade e na arte de fazer bem coisas aparentemente simples.
Uma vez fui num restaurante chiquérrimo, nos jardins, badalado e tchudo. Fomos numa das promoções que esses restaurantes fazem, de um menu fixo no almoço, quando é possível entrar nesses lugares, comer e pagar sem ter que deixar as calças, vender os filhos ou, simplesmente, gastar metade do PIB da Somália....

Bom, o menu é fixo e de entrada tínhamos a opção de uma salada verde ou ... ovo frito.

Sim, senhoras e senhores, ovo frito.

Pedi.
O ovo. Frito.
Meu marido ficou me olhando com aquela cara de..."puta-que-pariu-ela-vem-nesse-restaurante-e-pede-ovo-frito..."

Eu nem aí. Quero o ovo frito. Copos de cristais e ovo frito.
E lá veio.
Confesso: eu sei fazer uma salada verde maravilhosa, sei mais ou menos o que é uma salada verde maravilhosa, mas não sei fazer um ovo frito maravilhoso, e não sabia, até então, o que podia ser isso.

Para começar o ovo veio num prato todo lindo, quadrado, branco, umas cinco vezes maior que o ovo em si, que estava ali ao canto, artisticamente posicionado, triunfante. O melhor ovo frito da minha vida, e eu nem sou fã de ovos, muito menos de ovos fritos. A gema perfeita, a clara crocante, um parmesão maravilhoso, cortado por cima... enfim... Uma obra de arte.
Por quê?



e aí vêm alguns princípios fundamentais da boa cozinha:

1) O ponto.

pode estragar tudo, ou salvar o jantar. Uma massa molenga, uma carne hiper passada, uma lula esturricada... não há talento, experiência ou ingrediente que funcione.

Aquele ovo frito estava no ponto perfeito: a clara era crocante e a gema estava mole, não mole demais para se espalhar por todo o prato e estragar a arte da coisa e nos lembrar dos tempos da gemada, nem dura demais, o que tiraria o gosto e o charme da coisa.

Para conseguir o ponto perfeito, além da atenção e arte, geralmente é necessário um bom fogão também, e boas panelas ajudam muito.

2) A qualidade dos ingredientes


Nada também adianta se a matéria prima não é boa. A cozinha pode ser muito muito simples, uma salada de alfaces com azeite e sal. Toda a diferença vai estar na qualidade do alface, do azeite e do sal.
Um bom tomate, um bom pão... pronto. Ingredientes de qualidade e frescos. Frutas da estação, peixes escolhidos a dedo... Isso é que faz uma boa cozinha.

No caso do ovo frito, aposto minha vida que era um ovo hiper especial de galinhas felizes e caipiras, vindas não sei de onde e tal. O parmesão era excelente, e assim por diante.

3) Os temperos.

O que temperava o ovo:
Sal... flores de sal, não assim um salzinho qualquer não... cristais de sal, de preferência colhidos por moças virgens à primeira luz da manhã...
Pimenta do reino, moída na hora, é claro. Pimenta do reino que já vem moída e é guardada em saquinhos perde todo o cheiro e sabor. Sim, amigos e amigas, comprem um moedor de pimenta bacana.
Lascas do melhor parmesão. Eu não estou falando de queijo ralado e dessa mania de colocar queijo ralado em tudo, estou falando de fatias finíssimas de parmesão, duas ou três, que começavam a derreter com o calor do ovo.

Nota importante: na cozinha da Lulu não entra nenhum tempero desidratado, nem químico, nem nada que já venha pronto em cubinhos, vidrinhos ou qualquer coisa assim. Credo.
Folhas de manjericão inteiras, maceradas `a mão... Tomilho, sálvia... Cada tempero dá uma alma e personalidade ao prato, alguns são amigos de carne, outros se dão bem com peixes. Cuidado. Respeitem as ervas, as pimentas, a mostarda, o curry. Nada de sair por aí misturando tudo loucamente. E sim: aposentem aqules vidrinhos de ervas desidratadas. Faça o teste: elas assim desidratas têm gosto de quê?
Respondo: nada.
Caldo de carne em cubinhos? Nem pensar.

4) Texturas e contrastes.


Fundamental para qualquer prato.
Comer é uma experiência que envolve os cinco sentidos: o som da cozinha é algo belo, o azeite chiando na panela, o cozido que borbulha. O cheiro... O paladar, claro. Os olhos. E o tato. Todos esses sentidos são aguçados se se souber combinar harmonia e contrastes: doces e salgados, um certo amargo em meio às folhas, a ardência leve da pimenta em meio a um prato suave.
Geralmente esquecemo-nos das texturas. Misturar texturas, algo crocante em meio a uma sopa, uma pasta que explode no recheio de um ravioli... A surpresa é um dos fatores da boa cozinha, e a textura é um dos elementos importantes.

Já aviso que cozinho com as mãos e se no programa de cozinha a/o cozinheira/o aparece com luvinhas higiênicas... desligo na hora, num tem papo, nem choro, nem vela.

Ali havia a textura crocante da clara contrastando com a textura mole e macia da gema, e o parmesão e as flores de sal conferiam surpresas gustativas que só realçavam a qualidade do ovo em si.

5) O visu.

A louça era linda, e um ovo frito é lindo em si, duas cores fortes, branco e amarelo, um círculo perfeito ao meio. Zen, e belo.

Os japoneses sabem. Come-se também com os olhos. Bacana cuidar do visu de um prato.


Enfim... é isso.
Comi o ovo frito perfeito.

Quem não sabe cozinhar direito pode até fazer um risoto de morangos com champã e impressionar a namorada, mas para fazer um excelente ovo frito... é preciso conhecer e dominar a arte do negócio.

7 comentários:

  1. Lu

    o "seu" ovo lembrou-me duas coisas:
    1- Walter Benjamin e a reflexão sobre a vida a partir do ovo (você sabe que eu adoro a simbologia dos ovos e coleciono os pintados)
    2- a sua capacidade mistificação das coisas ordinárias.
    Você vai para o céu...
    PS. e leve o marido

    JC

    ResponderExcluir
  2. Lu!
    Amei. E compartilho de sua aversão aos "cubinhos" e que tais.

    ResponderExcluir
  3. também tive uma experiência deliciosa com ovo (que eu, particularmente, adoro): fui num almoço num restaurante de uma amiga, onde tudo é do bom e do melhor, inclusive ela só usa produtos orgânicos, o cardápio é maravilhoso (a primeira vez que fui lá, eu falei: quero tudo!), e neste dia especial, era um almoço especial, com menu exclusivo que ela mesmo escolheu para uma visitante italiana do Slow Food, outra do Ministério do Desenvolvimento Agrário e dois do Canal Futura (além de mim, of course).
    Entrada: ovo caipira mais ou menos pochê sobre creme de farinha branca de mandioca com trufas negras
    eu não precisava mais de nada porque me senti abençoada, adoro ovo, principalmente pochê, com aquele creme delicioso e ainda com trufas, é demais, minha amiga arrasou, todos elogiaram e fizeram estes comentários bonitos iguais aos seus a respeito da simplicidade etc.
    mariaalice

    ResponderExcluir
  4. Acreditem...
    Girar os ovos como peozinhos de brinquedo, é uma técnica que deixa as gemas centralizadas...se vc quer uma estética mais "bonitinha" do seu ovo frito.
    Parece mágica...
    E é incrível, um prato relativamente simples, exige muita técnica, controle de temperatura, habilidade manual, ponto de cocção...

    ResponderExcluir
  5. bitcho

    que honra você por aqui. Vou fazer o teste do peão.

    Abraços

    lulu

    ResponderExcluir
  6. DONA MARIA, ESTE PRATO COM CERTEZA, VAI SER LEMBRADO PARA SEMPRE,EU ATÉ POSSO VER A RIQUEZA DE DETALHES...DEU ATÉ VONTADE DE COMER OVO, ACREDITA!!

    ResponderExcluir
  7. quero aprender a fazer pratos diferentes

    ResponderExcluir