O dilema da nação
JOSÉ VICENTE
O Brasil, tendo por referência os negros, ocuparia a 105ª posição no ranking de IDH entre países. Considerando só os brancos, ocuparia a 44ª
NO BRASIL, a despeito do discurso oficial justificar a distância e a invisibilidade social com a tese da discriminação social, um instrumento surpreendentemente demolidor tem deitado por terra a fragilidade e a inconsistência desses fundamentos que pregam a cantilena da democracia racial.
Importantes e atuais pesquisas isentas de organismos insuspeitos têm contribuído para colocar por inteiro e confirmar à exaustão o que sempre se soube informalmente: no Brasil, o segundo maior contingente de negros do mundo, a discriminação racial atinge níveis estratosféricos.
O IBGE aponta que os negros compõem 45% da população brasileira.
Nos estudos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, considerando o Índice de Desenvolvimento Humano, o Brasil, tomando como referência os negros, ocuparia a 105ª posição no ranking entre países.
Considerado só os brancos, ocuparia a 44ª. São 61 posições de diferença.
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) noticia que, nos últimos dez anos -oito de social-democracia-, a distância social dos negros em relação aos brancos aumentou.
Entre os 10% mais pobres do país, 65% são negros; entre os 10% mais ricos, 86% são brancos. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) comunica que, para trabalho igual, com mesma qualificação e igual anos de estudo, o negro recebe até 50% a menos que os trabalhadores brancos, e a mulher negra, até a metade do salário do homem negro.
O Instituto Ethos informa que, nas 500 maiores empresas do país que praticam responsabilidade social, os negros representam só 3,5% dos cargos de direção -e não é diferente nas estatais e nas multinacionais.
Aliás, e por incrível que possa parecer, muitas delas, atuando em país miscigenado, não desenvolvendo nenhuma ação de valorização da diversidade racial e não possuindo um funcionário negro sequer nos cargos de direção ou chefia, ainda assim são detentoras de certificações internacionais por práticas de ações de sustentabilidade socioambiental.
Em rápida e superficial imersão visual na comunicação social, concessões públicas que devem cumprir o fundamento constitucional da pluralidade, na propaganda oficial custeada por recursos dos contribuintes -negros também- e na propaganda comercial para comunicar e vender produtos e serviços para consumidores -negros também-, estes praticamente inexistem.
Nos aportes milionários dos fundos de pensão das estatais que abrigam a contribuição dos funcionários -negros também-, nas renúncias fiscais caracterizadas pelas leis de incentivo à cultura, ao cinema, ao teatro, ao esporte e à pesquisa ou de fomentos setoriais e às pesquisas -contribuição financeira dos negros também- e nas licitações e compras governamentais não há uma recomendação que seja no sentido de ser considerado nosso orgulho nacional da rica, valiosa, criativa, única e bonita miscigenação, garantindo sobremaneira atenção à diversidade racial e à efetiva participação dos negros na sua realização.
Ao final, no maior Estado e município da Federação, São Paulo, que agrega o maior contingente de negros do país, 30% de sua população -eleitores também-, não existe sequer um negro no primeiro e segundo escalão de governo. Não há um desembargador negro entre os quase 400.
Não há um procurador de Justiça, um delegado classe especial ou um coronel da Polícia Militar negro.
Na USP, maior universidade da América Latina -custeada com impostos pagos por negros também-, são 2% os alunos negros e, dos 5.400 professores, menos de dez são negros.
Assim, como realizar os fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana e construir uma sociedade livre, justa, solidária e que promova o bem de todos sem preconceito de raça e de cor sobre esses pilares com pés de barro?
Como alcançar os desígnios da paz, tranqüilidade, coesão e progresso social numa nação cindida e que joga na lata do lixo metade dos seus cérebros e talentos e, onde o gozo e usufruto dos bens, riquezas e oportunidades são disponibilizados apenas à parcela dos filhos da pátria?
Como se pode ver à saciedade, os números e os dados são latentes e insuperavelmente indicativos de que, menos por conta da discriminação social, do racismo cordial à democracia racial, do milagre brasileiro ao neoliberalismo, o mais intrincado e decisivo dilema da nação continua intocável, e o negro brasileiro continua onde sempre esteve, no porão, separado e desigual.
JOSÉ VICENTE, 47, advogado e sociólogo, é reitor da Unipalmares (Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares) e presidente da Afrobras - Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sociocultural.
Sobre o assunto:
Aqui no Diário: A cor não é transparente.
E, se você ainda não conhece, no Biscoito Fino: aqui.
Luana, sei que não justifica, mas explica: tudo começou na "abolição" da escravatura. O presente de grego que a raça negra recebeu revelou-se na verdade uma vingança da elite branca européia, os donos do país. Não mudou grande coisa de lá para cá. A negritude hoje só tem valor para compor estatísticas, todas essas medidas como cotas, metas de inclusão, etc são paliativos. A desigualdade vem de há muito e vai perdurar ainda muito tempo.
ResponderExcluirNão há justiça social nem com os brancos de origem não européia. Não existe uma raça brasileira, somos todos mestiços e herdeiros dos mesmos problemas.
Não acredito em igualdade racial enquanto houver desigualdade social.
Bom, acho que o problema é grande e complexo para resumir num pequeno comentário, né?
Um beijo