Acabei de rever o filme Um lugar, na platéia. Está em cartaz já há algum tempo, em SP ainda é possível ir vê-lo no Belas Artes, numa daquelas salinhas chinfrins e com som ruim. Mesmo assim, vale muito, mesmo.
Ando em crise com o cinema.
São poucos, bem poucos, os filmes recentes que eu vi e saí com a sensação de ter visto um belo filme.
Há, ao meu ver, uma crescente infantilização do que é produzido no cinema, e isso não é apenas porque o maior público de cinema é adolescente. Isso é também porque nós, adultos (hahahaha), vamos também, cada vez mais, a filmes de crianças.
Sim, eu fui ver Harry Potter.
Também vi homem aranha 1, 2 e 3. Vi Shreck 1, achei o máximo, vi Shreck 2, achei fraco, não vi o três, obrigada. Piratas do Caribe, quarteto fantástico, onze homens e tantos segredos...
o que mais? Desenhos animados, filmes de super heróis, refilmagens, sequências...
Vi tudo isso, não me empolguei com nada.
Eu AMO filme pipoca, aqueles que a gente vê para se divertir, e não para pensar sobre o mundo, deus e sua época. Não tenho nada contra, e não é novidade que em Holywood há no máximo dez roteiros básicos que são refeitos e travestidos de novidades: menino encontra menina, depois desencontra, depois encontra de novo, professor fodona que muda toda a escola decadente, herói em crise na vida que se vê obrigado a salvar sua família e o mundo e com isso recupera sua dignidade, e assim por diante... ok.
São filmes bacaninhas e a gente vai ao cinema assisti-los por isso mesmo. Porque sabe o que esperar, porque é confortável, gostosinho, como um sanduíche ou um bom prato de batatas fritas. Há um certo conforto na repetição, somos um pouco como crianças, que gostam de ouvir sempre a mesma história. Eu adoro batatas fritas, mas há fritas e fritas.
O que acontece é que mesmo os blockbusters estão cada vez piores. Não há personagem, o enredo não se sustenta e efeitos especiais tecnicamente perfeitos escondem filmes fracos, muito fracos, mesmo como entretenimento. Melhor ficar em casa, assistindo Dr House.
Do outro lado, há os filmes denúncia, que mostram o mundo cão e tal. Esses também me enchem. Ou os filmes cabeçosos, que às vezes são bons, às vezes, insuportáveis. Ou, ainda, filmes com criança, velhinhos ou cachorros. Tenho uma teoria sobre filmes argentinos, por exemplo: sempre tem ou uma criança, ou velhinhos, ou cachorros. Já repararam?
pois é... falta, muito, um bom filme despretensioso que, simplesmente, conte uma boa história, com bons personagens, essas coisas. Nem estou pedidndo uma fotografia artística, uma trilha sonora interessante, algum espanto ou originalidade narrativa, nada disso. Simplesmente, uma boa história, bem contada, através de imagens em movimento.
O filme Um lugar, na platéia é um filme assim.
A construção do enredo não tem nada de original, e no começo dá até um certo nervoso por causa disso. Trata-se da fórmula que o Robert Altman fazia tão bem, e que virou meio modinha quando o filme quer ser alternativo: várias histórias de personagens marcantes, autônomas entre si, que se entrecruzam no final ou durante o filme.
O lugar de cruzamento dos personagens do filme é um café parisiense, que fica em frente ao Ritz, ao lado de uma casa sofisticada de leilões, um teatro bacana, uma sala de concerto. Logo no início a singularidade do lugar é explicada: não há na região um supermercado, uma mercearia, um boteco, qualquer outro lugar que seja simples, onde seja possível comer um sanduíche de presunto honesto e barato. Por isso, o tal café é frequentado tanto por varredores de rua quanto por hóspedes chiques do Ritz ou artistas que querem se sentir um pouco normais de vez em quando ou querem, simplesmente, tomar um café.
A protagonista do filme, Jessica, é uma moça simpática que veio do interior da França viver um pouco do luxo e do glamour de Paris. Como não é rica, vai trabalhar em lugares luxuosos. A certa altura ela diz que tudo o que quer da vida é um bom lugar na platéia, que não seja nem muito longe, nem muito próximo da orquestra. E aí está a maior qualidade do filme, e a razão pela qual quis resenhá-lo aqui. Em meio a grandes personagens, que são grandes artistas cheios de talento e realizações, a personagem principal é uma espectadora. Uma mulher bacana, sem grandes pretensões a não ser curtir o que há de bom por aí.
Essa é a grandeza do filme, sua simplicidade e a absoluta falta de pretensão com que a arte e o fazer artístico são tratados.
Freqüentam o café um senhor de idade, colecionador de arte que venderá, em três dias, toda a a coleção que construiu ao longo da vida inteira. Uma atriz adulta, que está para estrear, no teatro, uma comédia de costumes e é a personagem principal de uma novela de sucesso que, para o seu desgosto, lhe dá fama e, principalmente, um dinheiro irrecusável. Um grande concertista, pianista, que não agüenta mais sua vida de concertos carésimos entre Japão e Europa, agendados até o ano de 2012.
Todos hiper e absolutamente bem sucedidos. Todos em crise, e todos, e isso é o que emociona, absoluta e sinceramente apaixonados por aquilo que fazem, pela arte.
A crise de todos eles tem a ver justamente com uma espécie de glamourização e importância excessiva que se dá à arte, ao ser artista, à posse de obras de arte, ao dinheiro, ao que supostamente é chique e de bom gosto. Em meio a isso, o prazer se perde.
E o filme trata disso. Do prazer que se sente ao ver uma escultura que nos toca, que faz com que sintamos vontade de nos apaixonar. Do prazer de ouvir um concerto de piano, de ver uma peça engraçada. Prazeres simples, que no entanto ficam inacessíveis a pessoas como Jessica, a garçonete.
E não é preciso, muita atenção nessa hora, não é preciso que a arte seja chata para nos dar esse tipo de prazer.
É um prazer simples, uma boa obra de arte também é divertida, também nos retira do nosso dia a dia, também entretém, mas mais do que isso: nos lembra de nossa humanidade, dá uma vontade da gente ser melhor do que é, de viver uma vida mais inteira, mais corajosa, de Ser. Um bom livro não é um livro chato, um bom filme não é um filme que nos faz sentir nojo do mundo ou que nos faça sentir burros ou com sono, uma boa escultura ou pintura não é algo que não entendemos ou que, ao vermos, pensamos assim: nossa, como é fácil a vida de artista, até meu filho de quatro anos faria isso. Boas obras são aquelas que nos tocam, seja porque razão for, mas nos lembram de que a existência é algo que vale ser vivido.
O lance é que somos mais interessantes que o homem aranha e sua banal dualidade preto-malvado, vermelho-bonzinho.
Somos mais que um mundo constantemente salvo graças a poderes sobrenaturais, somos mais que um casal onde a mulher apaixonada pelo feioso se transforma em feiosa também para que o amor possa realizar-se ( tenho birra desse final do excelente shreck 1).
Somos mais, podemos mais, mas às vezes a gente deixa para lá, e acabamos nos esquecendo disso.
Uma aventura amorosa pode nos lembrar disso, que estamos vivos e pulsantes, que podemos ser melhores e mais fiéis a nós mesmos. Uma ida ao parque de diversões também pode exercer essa função, um dia de jardinagem, cozinhar, sei lá. A arte pode também ter um papel assim, de lembrar que é bacana viver. Um belo filme também.
Assistam, Um lugar, na platéia.
Nem muito longe, nem tão próximo, apenas um bom lugar.
Ando em crise com o cinema.
São poucos, bem poucos, os filmes recentes que eu vi e saí com a sensação de ter visto um belo filme.
Há, ao meu ver, uma crescente infantilização do que é produzido no cinema, e isso não é apenas porque o maior público de cinema é adolescente. Isso é também porque nós, adultos (hahahaha), vamos também, cada vez mais, a filmes de crianças.
Sim, eu fui ver Harry Potter.
Também vi homem aranha 1, 2 e 3. Vi Shreck 1, achei o máximo, vi Shreck 2, achei fraco, não vi o três, obrigada. Piratas do Caribe, quarteto fantástico, onze homens e tantos segredos...
o que mais? Desenhos animados, filmes de super heróis, refilmagens, sequências...
Vi tudo isso, não me empolguei com nada.
Eu AMO filme pipoca, aqueles que a gente vê para se divertir, e não para pensar sobre o mundo, deus e sua época. Não tenho nada contra, e não é novidade que em Holywood há no máximo dez roteiros básicos que são refeitos e travestidos de novidades: menino encontra menina, depois desencontra, depois encontra de novo, professor fodona que muda toda a escola decadente, herói em crise na vida que se vê obrigado a salvar sua família e o mundo e com isso recupera sua dignidade, e assim por diante... ok.
São filmes bacaninhas e a gente vai ao cinema assisti-los por isso mesmo. Porque sabe o que esperar, porque é confortável, gostosinho, como um sanduíche ou um bom prato de batatas fritas. Há um certo conforto na repetição, somos um pouco como crianças, que gostam de ouvir sempre a mesma história. Eu adoro batatas fritas, mas há fritas e fritas.
O que acontece é que mesmo os blockbusters estão cada vez piores. Não há personagem, o enredo não se sustenta e efeitos especiais tecnicamente perfeitos escondem filmes fracos, muito fracos, mesmo como entretenimento. Melhor ficar em casa, assistindo Dr House.
Do outro lado, há os filmes denúncia, que mostram o mundo cão e tal. Esses também me enchem. Ou os filmes cabeçosos, que às vezes são bons, às vezes, insuportáveis. Ou, ainda, filmes com criança, velhinhos ou cachorros. Tenho uma teoria sobre filmes argentinos, por exemplo: sempre tem ou uma criança, ou velhinhos, ou cachorros. Já repararam?
pois é... falta, muito, um bom filme despretensioso que, simplesmente, conte uma boa história, com bons personagens, essas coisas. Nem estou pedidndo uma fotografia artística, uma trilha sonora interessante, algum espanto ou originalidade narrativa, nada disso. Simplesmente, uma boa história, bem contada, através de imagens em movimento.
O filme Um lugar, na platéia é um filme assim.
A construção do enredo não tem nada de original, e no começo dá até um certo nervoso por causa disso. Trata-se da fórmula que o Robert Altman fazia tão bem, e que virou meio modinha quando o filme quer ser alternativo: várias histórias de personagens marcantes, autônomas entre si, que se entrecruzam no final ou durante o filme.
O lugar de cruzamento dos personagens do filme é um café parisiense, que fica em frente ao Ritz, ao lado de uma casa sofisticada de leilões, um teatro bacana, uma sala de concerto. Logo no início a singularidade do lugar é explicada: não há na região um supermercado, uma mercearia, um boteco, qualquer outro lugar que seja simples, onde seja possível comer um sanduíche de presunto honesto e barato. Por isso, o tal café é frequentado tanto por varredores de rua quanto por hóspedes chiques do Ritz ou artistas que querem se sentir um pouco normais de vez em quando ou querem, simplesmente, tomar um café.
A protagonista do filme, Jessica, é uma moça simpática que veio do interior da França viver um pouco do luxo e do glamour de Paris. Como não é rica, vai trabalhar em lugares luxuosos. A certa altura ela diz que tudo o que quer da vida é um bom lugar na platéia, que não seja nem muito longe, nem muito próximo da orquestra. E aí está a maior qualidade do filme, e a razão pela qual quis resenhá-lo aqui. Em meio a grandes personagens, que são grandes artistas cheios de talento e realizações, a personagem principal é uma espectadora. Uma mulher bacana, sem grandes pretensões a não ser curtir o que há de bom por aí.
Essa é a grandeza do filme, sua simplicidade e a absoluta falta de pretensão com que a arte e o fazer artístico são tratados.
Freqüentam o café um senhor de idade, colecionador de arte que venderá, em três dias, toda a a coleção que construiu ao longo da vida inteira. Uma atriz adulta, que está para estrear, no teatro, uma comédia de costumes e é a personagem principal de uma novela de sucesso que, para o seu desgosto, lhe dá fama e, principalmente, um dinheiro irrecusável. Um grande concertista, pianista, que não agüenta mais sua vida de concertos carésimos entre Japão e Europa, agendados até o ano de 2012.
Todos hiper e absolutamente bem sucedidos. Todos em crise, e todos, e isso é o que emociona, absoluta e sinceramente apaixonados por aquilo que fazem, pela arte.
A crise de todos eles tem a ver justamente com uma espécie de glamourização e importância excessiva que se dá à arte, ao ser artista, à posse de obras de arte, ao dinheiro, ao que supostamente é chique e de bom gosto. Em meio a isso, o prazer se perde.
E o filme trata disso. Do prazer que se sente ao ver uma escultura que nos toca, que faz com que sintamos vontade de nos apaixonar. Do prazer de ouvir um concerto de piano, de ver uma peça engraçada. Prazeres simples, que no entanto ficam inacessíveis a pessoas como Jessica, a garçonete.
E não é preciso, muita atenção nessa hora, não é preciso que a arte seja chata para nos dar esse tipo de prazer.
É um prazer simples, uma boa obra de arte também é divertida, também nos retira do nosso dia a dia, também entretém, mas mais do que isso: nos lembra de nossa humanidade, dá uma vontade da gente ser melhor do que é, de viver uma vida mais inteira, mais corajosa, de Ser. Um bom livro não é um livro chato, um bom filme não é um filme que nos faz sentir nojo do mundo ou que nos faça sentir burros ou com sono, uma boa escultura ou pintura não é algo que não entendemos ou que, ao vermos, pensamos assim: nossa, como é fácil a vida de artista, até meu filho de quatro anos faria isso. Boas obras são aquelas que nos tocam, seja porque razão for, mas nos lembram de que a existência é algo que vale ser vivido.
O lance é que somos mais interessantes que o homem aranha e sua banal dualidade preto-malvado, vermelho-bonzinho.
Somos mais que um mundo constantemente salvo graças a poderes sobrenaturais, somos mais que um casal onde a mulher apaixonada pelo feioso se transforma em feiosa também para que o amor possa realizar-se ( tenho birra desse final do excelente shreck 1).
Somos mais, podemos mais, mas às vezes a gente deixa para lá, e acabamos nos esquecendo disso.
Uma aventura amorosa pode nos lembrar disso, que estamos vivos e pulsantes, que podemos ser melhores e mais fiéis a nós mesmos. Uma ida ao parque de diversões também pode exercer essa função, um dia de jardinagem, cozinhar, sei lá. A arte pode também ter um papel assim, de lembrar que é bacana viver. Um belo filme também.
Assistam, Um lugar, na platéia.
Nem muito longe, nem tão próximo, apenas um bom lugar.
Lulu,
ResponderExcluirGraças à sua indicação, qdo estivemos em São Paulo, assistimos este delicioso e envolvente filme. No cartaz, no hall de entrada do Belas Artes, chamou-me a atenção a frase: “O que se quer na vida é UM LUGAR, NA PLATÉIA, nem muito perto, nem muito longe” (lema, como você mesma disse, da protagonista, espectadora, como nós). E, no decorrer da história, vejo a "atriz" argumentar sobre as vantagens e desvantagens de se sentar mais próximo ou distante do palco. Pra mim, que tenho o hábito de querer sempre sentar na frente, em shows e peças de teatro, pra ver e ouvir melhor [no cinema, ao contrário, prefiro a(s) última(s) fileira(s), longe da tela], e entro sempre em choque com Arnaldo que afirma que mais distantes temos uma visão mais ampla de tudo o que acontece em cena, veio a calhar! Como você, chorei. Me emocionei. Vale a dica!
Bjo,
Clé
Oi lulu,
ResponderExcluirhá muito não vou ao cinema, acabo assistindo filmes em casa, com um ouco de atraso, mas ok. Qdo vc falou de sua teoria sobre filmes argentinos, me lembrei de um filme que assisti um tempo atrás, com velhinhos. Elsa e Fred, vc assistiu? Achei despretensioso, bem bonitinho.
Outro que assisti na ultima leva, e que gostei bastante, foi o labirinto do fauno, tb gostei.
bjs
Cansei de te elogiar hoje.
ResponderExcluirEntão não vou escrever nada neste comentário, mas vou dar um jeito de assistir este filme.
Abraço.
Janaína