Dizem por aí que professor não trabalha, que levamos uma vida boa de sombra, água fresca e férias infinitas, que não ganhamos mal, essas coisas. Professor trabalha, trabalha prá burro e é um trabalho que não permite muita desatenção. Uma sala de aula com vinte ou trinta caras ali te olhando, meus amigos, pode ser assustadora. Chegue sem pique, e danou-se. Distraia-se um pouco, e danou-se. Cometa uma injustiça, daquelas, fáceis de cometer, já que você não viu tudo e não tem como saber, danou-se.
Estar ali no tablado requer constante atenção e foco. Às vezes invejo um pouco esse povo que tem trabalho que permite, por exemplo, ficar xeretando blogs por alguns tempinhos no meio do dia. Não. Não invejo não. Eu adoro dar aulas. É muito muito legal ter trinta caras ali na minha frente, sentadinhos, com todas as suas ansiedades, inseguranças, medos, talentos. Cansa prá burro, porque a classe não perdoa, e não tem nada pior que uma classe contra você, ou incontrolável, ou que te ignora. Por outro lado, conheço poucas coisas mais bacanas do que sair de uma sala de aula com a sensação de que a aula deu certo.
Outro dia me perguntaram se eu não preferia dar aula para o ensino médio, ou mesmo em uma faculdade, já que tenho mestrado e tal, "não é mais legal dar aula para gente mais velha? não dá para aprofundar mais o assunto? elas não são mais interessantes?".
Nunca uma resposta foi tão simples na vida: não.
Todo mundo é um pouco interessante e um pouco desinteressante, mas as crianças são mais interessantes, em sua maioria, que os adultos, de maneira geral. E até a oitava série, a meninada ainda é tudo meio criança.
Lembremos de nós mesmos, que é o que eu faço toda vez que entro em crise com esse negócio de ensinar.
Com onze, doze, treze, quatorze anos, a vida é muito legal, mas é também difícil prá burro. E a gente tem um monte de paixões, de sonhos, de tristezas infinitas, de mundo imaginários, de ansiedades. Tem o primeiro beijo a primeira menstruação, o primeiro porre, a primeira briga, o primeiro livro lido, as descobertas sobre si. Há, no fundamental II ( ginásio), uma espécie de alegria em estar na escola, ir bem, receber uma nota boa, ter um caderno caprichado. A escola é um acontecimento.
A quinta série, por exemplo, AMA listas de palavras bem difíceis, adorou estudar coletivos, superlativos, e hoje se acabou tentando descobrir que raios significava o adjetivo argênteo. Eu achava que eles nunca iam gostar de uma coisa dessas, mas gostam, curtem, se divertem inventando significados, se orgulham quando sabem uma resposta. Para mim, não há classe mais divertida que uma quinta série.
Tem gente que se enche, pois criança demanda muito. Por exemplo, no final da aula da quinta série, todo mundo queria me mostrar o caderno, que eu visse e analisasse a letra, se estava bonita ou não, melhor ou não. Na véspera eu havia dado uma bronca generalizada falando que eles tinham que melhorar a caligrafia deles e sei lá o quê. Aula seguinte: tem que ter paciência, para olhar o caderno de todo mundo e verificar se a letra tá ou não melhor. Eles demandam atenção mas ao mesmo tempo, se esmeram e tentar melhorar a letra e o visual da pagina do caderno deles. Quinta série é assim. E lá vai a professora olhar, tem que ser o caderno de todo mundo, esqueceu da Amanda, lá está ela chorando, porque você não olhou o caderno dela. Sério. Eu acho bonito, ver o Zezinho que tem uma letra horrível mordendo os lábios a língua ao tentar dar o máximo de si para fazer um "m" legível. Ele merece que eu olhe o "m" dele. E ele fica todo contente quando eu olho e o "m" de fato está mais legível e eu digo assim: melhorou, agora vamos ao "v". Eu ficava contente também. Quem não fica?
Numa faculdade, é possível chegar, sentar, dar sua aula, e nem olhar para a classe. Tive professores assim, alguns deles excelentes, a gente que se virasse. Na escola, nem pensar. E eu gosto de olhar pros alunos. Tenho toda curiosidade do mundo em vê-los crescendo, escrevendo melhor, caprichando na letra, lendo, inventando histórias. Tenho toda curiosidade do mundo em ouvir o que eles têm para dizer, fico com uma sensação de que há mesmo algo que eu posso fazer para ajudá-los a ser cada vez mais fiéis a si mesmos, aos seus talentos, possibilidades, desejos e sonhos; fico achando que eu posso mesmo apresentar um pedacinho do mundo para eles, e que talvez isso faça uma diferença naquela existência. E acho isso bacana prá burro.
Ando muito impaciente com as pessoas em geral, mas dos meus alunos eu gosto.
Estar ali no tablado requer constante atenção e foco. Às vezes invejo um pouco esse povo que tem trabalho que permite, por exemplo, ficar xeretando blogs por alguns tempinhos no meio do dia. Não. Não invejo não. Eu adoro dar aulas. É muito muito legal ter trinta caras ali na minha frente, sentadinhos, com todas as suas ansiedades, inseguranças, medos, talentos. Cansa prá burro, porque a classe não perdoa, e não tem nada pior que uma classe contra você, ou incontrolável, ou que te ignora. Por outro lado, conheço poucas coisas mais bacanas do que sair de uma sala de aula com a sensação de que a aula deu certo.
Outro dia me perguntaram se eu não preferia dar aula para o ensino médio, ou mesmo em uma faculdade, já que tenho mestrado e tal, "não é mais legal dar aula para gente mais velha? não dá para aprofundar mais o assunto? elas não são mais interessantes?".
Nunca uma resposta foi tão simples na vida: não.
Todo mundo é um pouco interessante e um pouco desinteressante, mas as crianças são mais interessantes, em sua maioria, que os adultos, de maneira geral. E até a oitava série, a meninada ainda é tudo meio criança.
Lembremos de nós mesmos, que é o que eu faço toda vez que entro em crise com esse negócio de ensinar.
Com onze, doze, treze, quatorze anos, a vida é muito legal, mas é também difícil prá burro. E a gente tem um monte de paixões, de sonhos, de tristezas infinitas, de mundo imaginários, de ansiedades. Tem o primeiro beijo a primeira menstruação, o primeiro porre, a primeira briga, o primeiro livro lido, as descobertas sobre si. Há, no fundamental II ( ginásio), uma espécie de alegria em estar na escola, ir bem, receber uma nota boa, ter um caderno caprichado. A escola é um acontecimento.
A quinta série, por exemplo, AMA listas de palavras bem difíceis, adorou estudar coletivos, superlativos, e hoje se acabou tentando descobrir que raios significava o adjetivo argênteo. Eu achava que eles nunca iam gostar de uma coisa dessas, mas gostam, curtem, se divertem inventando significados, se orgulham quando sabem uma resposta. Para mim, não há classe mais divertida que uma quinta série.
Tem gente que se enche, pois criança demanda muito. Por exemplo, no final da aula da quinta série, todo mundo queria me mostrar o caderno, que eu visse e analisasse a letra, se estava bonita ou não, melhor ou não. Na véspera eu havia dado uma bronca generalizada falando que eles tinham que melhorar a caligrafia deles e sei lá o quê. Aula seguinte: tem que ter paciência, para olhar o caderno de todo mundo e verificar se a letra tá ou não melhor. Eles demandam atenção mas ao mesmo tempo, se esmeram e tentar melhorar a letra e o visual da pagina do caderno deles. Quinta série é assim. E lá vai a professora olhar, tem que ser o caderno de todo mundo, esqueceu da Amanda, lá está ela chorando, porque você não olhou o caderno dela. Sério. Eu acho bonito, ver o Zezinho que tem uma letra horrível mordendo os lábios a língua ao tentar dar o máximo de si para fazer um "m" legível. Ele merece que eu olhe o "m" dele. E ele fica todo contente quando eu olho e o "m" de fato está mais legível e eu digo assim: melhorou, agora vamos ao "v". Eu ficava contente também. Quem não fica?
Numa faculdade, é possível chegar, sentar, dar sua aula, e nem olhar para a classe. Tive professores assim, alguns deles excelentes, a gente que se virasse. Na escola, nem pensar. E eu gosto de olhar pros alunos. Tenho toda curiosidade do mundo em vê-los crescendo, escrevendo melhor, caprichando na letra, lendo, inventando histórias. Tenho toda curiosidade do mundo em ouvir o que eles têm para dizer, fico com uma sensação de que há mesmo algo que eu posso fazer para ajudá-los a ser cada vez mais fiéis a si mesmos, aos seus talentos, possibilidades, desejos e sonhos; fico achando que eu posso mesmo apresentar um pedacinho do mundo para eles, e que talvez isso faça uma diferença naquela existência. E acho isso bacana prá burro.
Ando muito impaciente com as pessoas em geral, mas dos meus alunos eu gosto.
Lulu,
ResponderExcluirVocê não é uma professora. Você é a professora.
Muito inspirador!!! Dá pra ver q vc gosta muito do que faz e faz com prazer!! Dá vontade até de ser sua aluna hahahahaha!!
ResponderExcluirbjo
Lulu,
ResponderExcluirVocê me faz lembrar a Professora Maluquinha do Ziraldo! O livro começa assim:
"Era uma vez uma professora maluquinha.
Na nossa imaginação ela entrava voando pela sala (como um anjo) e tinha estrelas no lugar do olhar.
Tinha voz e jeito de sereia e vento o tempo todo nos cabelos (na nossa imaginação).
Seu sorriso era solto como um passarinho.
Ela era uma professora inimaginável.
Para os meninos ela era uma artista de cinema.
Para as meninas, a Fada Madrinha. (...)"
["Uma professora muito maluquinha", Ziraldo, Melhoramentos, 1995]
Na contracapa, lê-se:
"Era uma vez uma professora – essa que está dentro deste livro – que tinha um jeito todo seu de entender o mundo e um modo que todos achavam muito maluquinho de mostrá-Io aos seus meninos e meninas."
É você!
Bjão,
Clé
Em tempo: Vá no Achados, ler meu último post...
Vc tb não imagina como estou feliz por voltar para as salas de aula depois das férias. Bom ver outra professora feliz com isso também.
ResponderExcluirOi, Lulu
ResponderExcluirOlha, a imagem da professora maluquinha é a que mais se arpxima de vc realmente, mas acho que se o Ziraldo te conhecesse, escreveria outro livro. Algo como "A professora que gostava de ensinar e outras lendas e mitos do nosso folclore"
Mirada
Beijos
Lu querida,
ResponderExcluirPensar na possibilidade de fazer a diferença? Vendo que vc faz com paixão, isso já é um tesouro na vida desses alunos.
Lembrei muito dos meus professores, dessa fase, que foram importantes. Delícia de lembrança!
Beijocas.
Mari.
Esse final de vc estar impaciente com gente em geral me levou a escrever um comentário, lá no post "dificuldade de conexão.
ResponderExcluirAgora, vc é professora melhor e mais boa do mundo, pois se tem e se avém com meninos imperativos e isso não é coisa que se esqueça pisc*
beijos
M
Lu-Lu,
ResponderExcluiré muito bom que existam pessoas tão apaixonadas pelo que fazem, assim como você.Tanto mais nobre em se tratando da sua profissão. Você é tão apaixonada que consegue nos convecer que estar lá na frente dessas criaturas com hormônios recém chegados(ou recém chegando!), cheio de dúvidas e de necessidades é a melhor coisa do mundo.
A parte isso, vc conseguiu nos levar ao nosso ginásio, e eu era a tartaruga da turma(por ser mais novinha) e também com uma letrinha meio sofrível(será por isso que virei médica?), me lembrei da minha professora de português me aconselhando comprar caneta de escrita fina para valorizar a minha letra. Ah, professores são inesquecíveis, assim como você é eserá para uma bando de gente!
Parabéns
Tita
Claro que vc não vai dar bola para mesu erros de portugês, né, professora?!?
ResponderExcluirSorry!
gente,
ResponderExcluirobrigada a todos,
mas sabe?
há muitos, muitos mesmo, professores que amam o que fazem. diria até que é a maioria, a maioria dos professores ama lecionar, é uma espécie de vocação. O que acontece é que ficamos muito cansandos, ganhamos muito mal, essas coisas- as condições de trabalho são muito ruins - , mas esse amor pelo ensino que vcs vêem e admiram tanto em mim é presente na maioria dos meus colegas. Sério.
de qq jeito, obrigada!é claro que eu amei ser a professora maluquinha!!
Tita,
ResponderExcluirligo não.. sério!! que erros?
um beijo.
Acho que ao menos no caso do Estado, as primeiras séries são interessantes por quê o estrago não foi feito de forma completa. Você tem esperança que daquele bolo vai sair alguma coisa. Já no Ensino Médio você tenta fazer com que eles aprendam a escrever, argumentar e pensar(em especial por quê eles estão acostumado a fazer cartazes, não textos, em aula).
ResponderExcluirMas emocionalmente quinta e sexta série te prende mesmo.
André,
ResponderExcluirque honra vc por aqui!Obrigada, pela visita, pelo comentário.
Sim, de maneira geral, nas séries iniciais os alunos estão sim menos "estragados", é verdade, nas escolas particulares também.
vc já deu aulas ?
fiquei curiosa.
um abraço,
Lulu :)
Olá,
ResponderExcluirgostei muito de seus textos, principalmente deste sobre a dor e a alegria de ser professora...
posso ler para as professoras do meu grupo?
num texto mais acima, fiquei intrigada e inquieta com os livros que seus alunos lêem. Alguns dos livros acho bastante complexos e, embora sempre comente com as professoras q não há livros adequados para esta ou aquela faixa etária, perdi o fôlego com os que vc trabalha..
Parabéns!
Tereh