segunda-feira, 30 de julho de 2007

Três filmes tristes

Outro dia, conversando com amigos, falávamos sobre filmes tristes. Filmes realmente tristes, que dóem de tão tristes que são, que mal dá vontade de revê-los, embora sejam obras primas. Conversamos, e fiquei pensando...
para mim, há três grandes filmes tristes, que entram nessa categoria, sendo que um deles é talvez um dos filmes que mais amo, As noites de Cabíria, do Fellini.
Outros dois granes filmes tristes são Ladrões de Bicicleta, do Vittorio de Sica ( 1948) e Dançando no escuro, de Lars Von Triers.












A tristeza nesses filmes não é uma tristeza curtida, blue, uma tristeza redentora, a tristeza nesses filme é profunda, de um mundo sem justiça e sem final feliz, onde vivem pessoas profundamente belas que lutam e não desitem de seus projetos, que não desistem, ainda assim, de amar.


Também não são filmes que pretendem ser o tal do soco no estômago, que pretendem mostrar a realidade assim como ela é, nada disso. São histórias tristes, de perrsonagens maravilhosos, e, nos três filmes, personagens que, a despeito de tudo, lutam por seus amores , filhos, pela possibilidade de alegria e conquista. Mesmo sem escapatória, sem redenção final, mesmo os personagens caindo quadro a quadro, findos os créditos, fica um estranhamento diante do mundo, uma raiva das injustiças, mas também algo é preenchido, pois pelos três paira um ar de que nas pequenas pessoas, bem pequenas, bem ferradas, há um mundo inteiro, e que devemos tomar cuidado, pois ele pode ser, e é, destruído a qualquer instante.





A vida, em cada um desses filmes, é uma vida que se alimenta de esperança, da mãe em relação ao filho, do pai em relação ao filho,esperança nos homens e no amor, de uma prostituta solitária e maltratada. São personagens em busca de possibilidades de uma vida mais inteira, de construção, em meio a um mundo inóspito.






Ladrões de biclicleta é um filme clássico, do neo realismo italiano. Filmado no pós guerra, mostra um país destruído e em grandes dificuldades. Um filme sobre pais e filhos, sobre o amor dos pais, e essa relação que se estabelece entre o pai e sua prole, que aliás - tenho a impressão - não é tão retratada no cinema e nas artes em geral quanto as relações entre mães e filhas. A história se passa logo após a Segunda Grande Guerra, com a Itália destruída e o povo passando necessidade. Ricci (Lamberto Maggiorani) consegue um emprego após muita espera. Só que esse emprego, de colador cartazes na rua, lhe pedia como obrigação uma bicicleta. Ricci e sua mulher Maria (Lianella Carell) conseguem um dinheiro para uma, possibilitando que ele realize o seu trabalho, aquela bicileta representa a possibilidade de comida na mesa, de recuperação da dignidade do pai. O menino Bruno (Enzo Staiola), filho do casal, acompanha todos os passos. Logo no primeiro dia de trabalho, a bicicleta é roubada. Pai e filho mergulham pelas ruas da cidade, à procura da bicicleta.




Dançando no escuro é outro filme que dói. Um filme que ultrapassa todas as regras de até onde a tragédia pode ir. Quando achamos que Selma, a personagem magnificamente interpretada por Björk não pode se ferrar mais, algo acontece e ela cai mais fundo, até o fim. Nele, as músicas de A noviça rebelde são desconstruídas uma a uma, virando do avesso um musical sobre a liberdade e a união familiar, e virando pelo avesso a própria noção de musical. Selma, que tem uma doença degenerativa e hereditária nos olhos, é roubada também. E como é cruel o roubo daqueles que não têm mais nada. Selma perde o dinheiro duramente economizado para a operação de seu filho, para que seu filho possa enxergar, e então se envolve em uma série de acontecimentos inexoravelmente trágicos. Não há nada de dramalhão na condução do filme, que é árido como são os filmes do diretor, e sustentado por duas magníficas atrizes, Björk e Catherine Deneuve, que emprestam às suas personagens uma força e uma capacidade de esperança comoventes. Uma história de amor de mãe.






Noites de Cabíria é um filme quase patético, a personagem, Cabíria é uma prostituta que não somente acredita nos homens, como também crê no amor e na vida. Isso é o que há em comum nesses três filmes, e que machuca, mas é bonito ao mesmo tempo. Sempre, até o fim, há o amor pela vida, apesar dela mesma.
Cabíria é constantemente enganada, ludibriada, humilhada, esquecida - faz tudo, absolutamente tudo pelos homens que crê que ficarão com ela.
Também perde tudo, também se ferra, mas ao final ainda guarda um sorriso e, sem nada, dança no meio da rua.

Fellini, sobre o filme, escreveu o seguinte texto, que encontrei na revista Contracampo e cito em parte aqui:


(...)

É sempre difícil remontar justo à fonte da inspiração, mas eu poderia contar a esse propósito como nasceu o fim de Noites de Cabíria. Ele não nasceu apenas como fim, mas também como a idéia geradora de todo o filme. Quando um certo jornal de esquerda me acusou de ter uma atitude evasiva perante a realidade, de nunca sugerir nas minhas histórias uma solução, um ponto de vista preciso, esforcei-me em agir com humildade sem levar em conta a irritação que senti ao ler coisas que realmente não esperava, e disse a mim mesmo: efetivamente, Zavattini e de Sica sugerem a inscrição a um partido, assim como sugerem alguma coisa a seus personagens, dão-lhes uma direção, e isso porque eles têm uma certa fé que eu não tenho, ao menos não num sentido preciso. É por isso que, ao fim de seus filmes, suas histórias e seus personagens satisfazem mais que os meus. Então eu me disse: talvez esses senhores tenham razão. A meus personagens, não termino por dizer ao fim do filme: “Vocês compreenderam direitinho, é preciso comprar tal jornal, ou também é preciso se casar, ou também ir à igreja...”. Não termino por lhes dizer nada.

No fundo, essa é uma atitude muito inumana da parte de um autor perante seus personagens. Portanto, investindo toda minha boa vontade (como se eu tivesse enfim resolvido dizer a meu personagem: “Você compreendeu bem, você fará isso ou aquilo”), me perguntei: “O que vou lhe dizer?”. E depois de pensar sobre isso durante muito tempo, percebi que não saberei o que lhe sugerir, porque não sei o que dizer a mim mesmo. Assim sendo, aos meus personagens, que são sempre tão infelizes, a única coisa que poderei oferecer será minha solidariedade: e assim poderei, por exemplo, dizer a um deles: “Escuta, não posso te explicar o que não sei, mas, em todo caso, te amo o suficiente e te ofereço uma serenata”. E assim, para Noites de Cabiria, pensei: quero fazer um filme que conte as aventuras de uma infeliz que, a despeito de tudo, espera confusamente, ingenuamente, por melhores relações entre os homens, simplesmente melhores relações; e ao fim do filme quero lhe dizer: “Escuta, fiz você passar por todo tipo de desgraça, mas você me é tão simpática que quero compor-lhe uma pequena serenata”. E depois, sobre essa idéia talvez um pouco ingênua, imaginei uma cena. Tratava-se de uma mulher, de uma personagem infeliz que, ao fim de uma aventura ainda mais terrível que as outras, deveria perder de maneira absoluta e definitiva sua confiança na humanidade que a rodeava. E então me perguntei: por que essa personagem, num dado momento, não pode se convencer de que há alguém que lhe diz gentilmente e com simpatia: “Você tem razão”? E assim essa personagem se tornou Cabiria, e suas aventuras se tornaram aquelas de uma prostituta que vive como um pequeno camundongo num meio aterrorizante, continuamente esmagada pela realidade, mas que atravessa a vida com inocência e aquela misteriosa confiança. Ao fim do filme eu a faço encontrar um grupo exuberante de pessoas bem jovens, de uma humanidade ao limiar da vida, que gentilmente, debochando um pouco mas com candura, exprime-lhe sua gratidão cantando uma canção. Foi dessa idéia que, finalmente, nasceu todo o filme.

(O texto inteiro, que fala também sobre o amor que Fellini sente por sua mulher, está aqui : Adaptar o personagem ao autor ).

Não quero rever Dançando no escuro nem Ladrões de bicicleta. Revejo de vez em quando Npites de Cabiria, porque no final, há uma serenata. São entanto, grandes filmes.

Três filmes tristes. Necessários.

















em tempo:





E agora, agorinha mesmo, leio nos blogs amigos que Bergman morreu. Ele, autor também de filmes tristes e de sombras.
Foi coincidência, ou não, esse post de hoje.

fica aqui, então, uma serenata,

e o sorriso de Giulietta, Cabíria, para o Bergman.























6 comentários:

  1. Lulu,

    Pois é,o mundo ficou mais triste com a perda de Bergman. as sepensarmos em quanto ele deixou o mundo melhor com sua obra... Agora, quanto a seu post, quanta sensibilidade pra falar sbre filmes tão necessários. Agradeço seu texto, tão no ponto que me faltam palavras.

    beijos,

    miranda

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  2. Lulu,

    Só não assisti "Noites de Cabíria". Linda esta cena final!

    Dediquei-lhe um post, no meu blog. Dê uma olhadinha...

    Bjo,
    Clé

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  3. eu tenho 'noites de cabíria' aqui na minha estante. e, olha, concordo com tudo o que você escreveu. é um filme lindíssimo e triste, como só as obras primas conseguem ser. realmente necessário. bj

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  4. Lulu, querida:
    Sou péssima em listas, quer sam de 100 ou de 3.
    mas diria que o filme mais triste que me aterroriza de tanta, tanta tristeza é The Wrong Man,1956, de Hitchcock, meu diretor favorito, isto é, um dos.

    É tão triste, tão triste, porque passa por algo que eu chamaria de a redenção *irredimível*, porque trata de uma coisa, que quando eu era viva (alusão ao livro de Medeiros e Albuquerque) ainda acreditava: (na) justiça.
    E é lento e terrível em sua *mansidão*. Não admira que seja um filme de que quase ninguém lembra
    Henry Fonda está tão magnífico que seu rosto e expressão lembram mesmo a Falconnetti.

    Depois, acho o filme de Cronemberg (meu fave-fave): É *Spider*, neste filme eu acho que até aprendi de Ralph Fiennes.

    O terceiro não sei.

    Um beijo
    Meg
    BTW: Que belo post!

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  5. Como diz o Claúdi:
    É RATA:

    sejam

    Cronenberg ,

    e aprendi a gostar[

    por favor, sim?
    Não há redenção para mim, sempre vou digitar errado!
    Mais beijos
    M.

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  6. Descobri seu blog por acaso, e que grata surpresa!
    Pela primeira vez estou dando aulas de produção de textos para o ensino médio, e quanta dificuldade estou encontrando para tornar as aulas interessantes.Quanta resistência existe por parte dos alunos para trabalhar esse universo fantástico que é a palavra.
    Claro que voltarei mais vezes aqui para aproveitar as excelentes dicas, o acervo, e empreender a viagem pelo mundo das palavras, que nos esperam para serem abertas.

    um grande abraço,

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