sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

chorar na frente do espelho .

Eu já chorei, você já chorou, todo mundo já chorou. Choramos de cócoras, agarrados ao travesseiro, no canto mais canto da casa, debaixo da escada. De vez em quando choramos em público, mas deusmelivre, como é chato chorar na frente de desconhecidos, muito só de vez em quando. Eu choro bastante, e haja lenço de papel e até, de vez em quando também, em meio à choradeira, assôo o nariz no lençol mesmo, ninguém tá vendo e a meleca parece que nunca acaba... É até bom chorar, muito, de se acabar de choro e perder a respiração. É até meio bonito (em se tratando de certas dores, passageiras), desde que se levante logo no dia seguinte, prontinhas e prontinhos para outras e outros.

Agora, chorar na frente do espelho... é um clássico;
uma experiência necessária na vida de qualquer ser humano, conversávamos sobre isso ontem, lá no bar, fonte de noventa por cento dos assuntos de cá, e quando cheguei em casa fiquei pensando sobre essa experiência tão comum e extraordinária, ao mesmo tempo, que não pode ser vivida de qualquer maneira. A experiência de chorar muito e ir para a frente do espelho, para se ver chorando.

De preferência, deve haver uma música de fundo. Ela definirá tudo sobre o tipo de choro-na-frente-do-espelho a ser vivido naquele momento.

Se a depressão for séria e trash, é necessário que se ouça Carly Simon, de preferência aquela, itsie bitsie spider... ( sim, eu achei e coloquei o link do you tube, para vocês, meus queridos leitores) "I believe in love..." e aquele tresheira toda, que só de ouvir, ou dá vontade de se jogar de uma vez pela janela, ou você embarca, canta junto e ´bora prá frente do espelho, presenciar esse momento triste e dramático de nossa existência. Um vinho branco qualquer serve, mas ele deve ser tomado diretamente da garrafa. E fica proibido contar para quem quer que seja que um dia você já fez isso, já cantou Carly Simon bêbada-chorando-na-frente-do-espelho, eu mesma tô falando por pura hipótese. Para combinar e compôr a cena, aquele seu pijama meio velho meio sexy cai bem, e pode usar meias e andar com elas arrastando-se pela casa que combina também.

Outra linha metodológica é embarcar num uísque e partir logo prum Charlie Parker ou mesmo um John Coltrane, assim, meio enlouquecido, dilacerante. Como ninguém tá vendo, você pode até fingir, na frente do espelho, que está tocando saxofone, trompete, ou qualquer outro instrumento enquanto chora lágrimas sentidas de loucura e solidão. Ninguém tá vendo mesmo, e a garrafa de uísque já está pela metade. Super cool, esse choro ao som de jazz. Os meninos podem ficar com a calça jeans, mas se mantiverem a camiseta, senão furada ela deve estar, no mínimo, amarrotada. As meninas, uma camisola sexy, ou jeans também. fica bacana. Simbora para a frente do espelho, eternizar esse momento profundo de dor e desvario.

Se o clima for realmente de cortar os pulsos, um cigarro na boca e Billie Holiday na vitrola. Nada otimista, please, se é para chorar na frente do espelho a coisa tem que ser bem feita. Toda a boa turma do blues sentido e triste cai bem também, o problema é conseguir abrir os olhos e se ver, ali, na frente do espelho, em meio a tanta dor, tanto blues.

Johnny Cash nessas horas é bom também, e se você quiser mesmo ir ao fundo mais fundo do poço escuro da sua alma, Hurt é uma boa recomendação. Arraste-se até o espelho, gaste nisso suas últimas forças, e veja-se ali, porque sofrimento maior não pode haver.

Cada um tem sua trilha sonora para chorar na frente do espelho, e cada momento pede uma específica. É claro que lulu quer saber quais as de vocês.

Ainda sobre estilo, se no caso a figura chorante for do sexo feminino é indispensável que se tenha passado bastante rímel nos cílios para que, as lágrima caindo, tudo borre, e aquela tinta preta e dramática escorra pela face, emprestando-nos o ar mais decadente, triste e profundo possível. O cabelo em desalinho é um must. E soluços em profusão, se bem que cada um tem sua personalidade e estilo de choro.

Eu sou um horror, me acabo, totalmente deselegante meu choro. Meu nariz incha, fica o dobro do tamanho e inacreditavelmente vermelho; meus olhos diminuem, mal enxergo o mundo, e soluço que até perco a respiração. Um choro dramático, com um quê espanhol Almodóvar (isso já são as elocubrações feitas na frente do espelho).

Há aquelas pessoas que choram como em filmes, choram e o rosto não incha, o nariz permance o mesmo, os olhos não se transformam. Seus choros são lágrimas escorrendo pelas bochechas, um choro cool, melancólico como uma chuva no vidro, nada de rios de meleca escorrendo pelo nariz. Morro de inveja. Lindas essas pessoas, ali, chorando na frente do espelho. Dá até para ouvir um Mozart, de repente, enquanto rola a melancolia.

Há ainda aqueles que choram como bebês, vão chorando e falando ao mesmo tempo, bunitinho também, esse tipo de choro. Enfim, há os choros para fora, e os choros para dentro.

Seja qual for seu estilo de choro, sua trilha musical, seu cantinho de ficar chorandinho e mesmo seu figurino, o importante, o realmente importante é que, no auge, você vá, pelo menos uma vez na vida, ao espelho, ver sua cara quando está chorando.

por quê? sei lá. Mas todo mundo que eu perguntei já fez ou ainda faz isso. E a gente fica se vendo, talvez para lembrar que existe e não vai desaparecer, nem desfalcer, nem evaporar com as lágrimas, para dar um contorno, sei lá. Talvez porque a gente ache que fica bela chorando e goste de nos ver assim, talvez porque ache chic e cool e ache até mesmo que esse choro todo nos dê uma certa hotture, como a Caki ensinou que se fala lá em noviorque. Ou talvez, simplesmente, porque ali, na frente do espelho, a gente vê o ridículo todo da situação, e acabe talvez até rindo do drama da nossa vida.
Uma experiência também bastante necessária. :)

Leia também: Da obrigação de "estar bem".

11 comentários:

  1. Qdo a dor que hoje não lateja, vir a me desesperar.
    Se um dia estiver triste o bastante para chorar, me
    descabelar diante ao espelho vou ouvir "Você não me
    ensinou a te esquecer", com Caetano claro... uma
    melancolia revolta, triste, irremediável, porém linda.
    Não vou aprender a esquecer...

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  2. Antes do ano passodo eu inventava sofrimento e dramatizava para saber o que era sofrer por amor, depois, de 3 anos pra cá as dores do mundo começaram a me rondar e
    o ano passado foi um ano de chorar em muitos lugares, mas, principalmente, na frente do espelho... A minha trilha sonora preferida para chorar na frente do espelho é:

    Esquece o nosso amor, vê se esquece.Porque tudo no mundo
    aconteceE acontece que eu já não sei mais amar.Vai
    chorar, vai sofrer, e você não merece,Mas isso
    acontece.Acontece que o meu coração ficou frioE o
    nosso ninho de amor está vazio.Se eu ainda pudesse fingir
    que te amo,Ah, se eu pudesseMas não quero, não devo
    fazê-lo,Isso não acontece.

    Estou chorando na frente do blog da Lulu, de camisola e com cabelos desgrenhados!!!

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  3. Lulu,
    agradeço a referência às moçoilas que choram agachadas nos cantos - mas choram mesmo, com soluço e tudo. Mas não há como esquecer o choro no chuveiro - bastante cinematrográfico - que tb termina com a figura (sempre feminina) encolhendo-se até se agachar totalmente sob a água que cai, braços em torno dos joelhos, olhar perdido em direção aos azulejos do piso. Esse lava tudo, principalmente a alma.

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  4. Emma, tem tb o choro no carro, dirigindo e chorando e se estiver chovendo fica ainda mais dramático!

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  5. Fabiola,
    o do carro tb merece parar na telona.
    Agora, há o choro sem lágrimas, que parece que escorre por dentro. Vem de uma tristeza quase silenciosa. É um choro seco, de olhar perdido, acompanhado apenas do barulho oco do coração batendo fraco.

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  6. o do carro é o melhor, porque sou míope, uso lentes de contato maleáveis, e o choro faz uma confusão na minha visão que vcs nem imaginam. uma vez, depois de um fim de semana frustrado, dirigi sozinha chorando de Ibiúna até S. Paulo na Raposo, sem parar... sobrevivi! os outros que estavam na estrada também. gosto de lembrar daquela nuvem de água entre minha retina, as lentes e o pára-brisas.

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  7. hahahahahhaha!! Brigitte!! nada como o pergiso aliado ao drama!!

    sim, sim, as cenas do chuveiro e a do carro são ultra clássicas também.

    Karina, acho que nunca precisamos aprender a esquecer, o lance é outro, né?

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  8. o choro é clássico e quase sempre patético.;0)
    Adorei o texto.

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  9. Oi Lulú...
    os meus choros na frente do espelho não tem trilha sonora, mas são geralmente cinematográficos. Lembro-me de alguns filmes que fui ver no cinema e saí aos prantos, soluçando... simplesmente patético, eu sei...
    O espelho, quando eu chegava em casa, era a visão do inferno...hahaha
    Beijoca!

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  10. Vivien,
    que bom!! sim somo spatéticas e clássicas .
    Paty, querida, e nada como uma patetice cinematográfica, não é mesmo?

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  11. 'Lady in Satin' da Billie Holiday é perfeito, assim como Miles Davis. Recomendo. E se não tiver o vinho branco, apelar pra vodka é mais que normal. Sempre tem aquele fundinho de garrafa no freezer. Ao menos no meu...
    Later.
    Astrid.

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