É assim:
todos os alunos, da quinta à oitava série, têm um caderno de redação. A primeira tarefa do ano é fazer uma capa para o caderno de redação. Uma capa onde cada um coloque as coisas que mais gosta. Fotos, escritos, letras de música, uma pintura, o que for. Cada um faz a capa do seu caderno e encapa depois, com contact transparente. Tem desde capa com mulheres lindas, até capas cabeças com fotos abstratas, capa com heróis de desenho animado, e até um da quinta que colocou fotos dele bebê. Na sexta-feira eles trazem seus cadernos para a escola.
Sempre as atividades de redação têm a ver com a leituras que estão sendo feitas, é um jeito legal de melhorar a escrita, no começo, perceber o estilo e a técnica dos autores lidos e tentar fazer parecido. Assim os alunos também começam a perceber a especificidade de cada gênero literário e percebem que cada tipo de narrativa - ou mesmo de escrita - pede uma construção diferente - com vocabulário, estilo e estrutura próprias.
A idéia é que da quinta à oitava série eles passem por tudo, escrevam histórias de aventura, histórias de fantasia, histórias de suspense, terror, ficção científica, crônicas, poemas, histórias sem histórias, notícias de jornal, cartas, e-mails e assim por diante.
Além disso, e essa é uma técnica ótima para desengatar a escrita, trabalhamos o tempo inteiro com os elementos da narrativa:
personagens, tempo, espaço, foco narrativo, enredo.
Em toda história alguém ( pode ser um grupo se pessoas, animais, objetos, o que for ) faz alguma coisa ( mesmo em "Esperando Godot", uma peça sobre a espera, coisas acontecem Toda história tem enredo, nem que seja um enredo interno), em algum lugar ( fechado, aberto, inventado, real...) , num determinado período de tempo ( uma história que se passa em três minutos, num dia, em um asemana, um ano, muitas gerações...) , e isso é narrado sob algum ponto de vista ( que pode ser imparcial, parcial, etc. ) .
Esses elementos são como peças de montar, brinquedos, com os quais a gente monta as histórias. Basicamente essa é a base: escrever histórias é como brincar, a gente cria mundos, pessoas, e decide o que acontece com elas. É basicamente bem divertido.
Na quinta série, já contei, estamos lendo Tom Sawyer. O grande barato do Tom Sawyer é que ele é um personagem muito bem construído, tudo o que ele vive, as aventuras em que se mete e assim por diante, têm a ver com a personalidade dele. Aí a gente conversou um monte sobre isso, e na aula de redação cada aluno está criando personagens. Na quinta série isso funciona assim:
cada um ganha uma folha sulfite, em branco. Todos devem dobrá-la ao meio ( as aulas de redação na quinta série têm que ser super ritualizadas, e o mais engraçado é que eles entram no ritual e obedecem cada passo com toda seriedade.). cada um olha para sua folha em branco, dobrada. Essa será a ficha de identidade de cada personagem, que passará a existir no momento em que a ficha for preenchida ( ohh...).
E aí eu vou ditando os ítens que eles têm que preenchere eles vão preenchendo a medida em que eu dito, sem pensar muito:
Nome. ( Nome completo, é claro. Faz a maior diferença a pessoa se chamar só Maria ou Maria da Conceição Tavares de Mello) . Data e local de nascimento ( aí uma menina decidiu que ia fazer uma mulher parisiense, o outro que a história ia se passar na idade média , e assim por diante... - se for necessário, nesse momento, pode mudar o nome) . Idade atual ( ou seja, o ano em que se passará a história. "Pode ser no futuro? " Pode, ué... ). Aspectos físicos ( e na quinta série tem que ser bem objetivo: altura, cor da pele, peso, tipo de cabelo, tipo de corpo, roupas que gosta de usar e assim por diante). Personalidade: duas coisas que ama ( "espinafre e namorar!" gritou um menino e a classe inteira cai na risada) ; dois medos, dois sonhos, duas coisas que odeia. Depois eu peço que descrevam o "jeitão" da personagem, se é tímido, nervoso o que faz da vida, como passa o seu tempo, como é o quarto dele ou dela, essas coisas. Quanto mais elementos, melhor.
A essa altura cada um já tem um personagem inteiro criado. Eles vão ler em voz alta para o resto da classe, e a gente vê se dá para visualizar ou não como é a personagem. Alguns querem colocar a foto no documento de identidade, e fazem também um desenho.
Eles estão criando três personagens, que depois vaõ se juntar em alguma história. Essa é a aula de hoje.
Na sexta série eles têm que criar uma história de detetive. E aí é muito legal porque não tem jeito, têm que planejar a história antes. Primeiro escolhemos a ambientação. O livro que estamos lendo se passa todo no Egito, num barco, com pessoas de classe alta que se juntaram ali. Cada um escolhe que tipo de lugar e que tipo de pessoas vai querer em sua história. Clube, escola, cidade ( mas que partes da cidade? que tipo de cidade? ), parque de diversões, sei lá. Tem que ser um lugar meio fechado, pois isso facilita elencar os suspeitos e assim por diante. Pode ser mais de um lugar, uma boate e o condomínio, por exemplo. Pode ser em outro país, outra época, o que quiserem. Que eles percebam como os ambientes escolhidos determinarão toda a história: os tipo de personagens, os diálogos, as cenas, e assim por diante.
Isso feito, cada um decide qual vai ser o mistério a ser resolvido: roubo , assassinato, desaparecimentos....
E aí cada um vai fazer uma lista de cinco suspeitos. E têm que pensar e listar:
-quais as ligações dos suspeitos com o mistério? ( vive na casa onde foram roubados os quadros; é irmão da assassinada, é amigo da pessoa que desapareceu, uma paixão antiga, sei lá... )
- quais as motivações de cada um, ou seja, por que eles se tornam suspeitos?
O tipo de detetive.
Cada história de detetive tem um tipo clássico, que dá o tom da história. Pode ser desde a velhinha boazinha que faz chá e enquanto conversa reitira todas as informações necessárias do suspeito, até um cara fortão e cheio de tecnologias, que gosta de ação, perseguições e ciência. Pode ser um grupo de gente, que nem no Gênio do Crime, pode ser o jeito que eles quiserem. Cada um escolhe como será o investigador, e isso determinará também como o mistério será resolvido.
Pronto, as peças estão montadas. A tarefa é começar a escrever o primeiro capítulo, de maneira a apresentar aos leitor esses elementos: o ambiente da história, as personagens principais, as ligações e conflitos que existem entre eles ( que vão dar as motivações) e, se der, o detetive. Essa é a aula de hoje.
Na sétima série eles estão lendo Italo Calvino, e há duas coisas que eu pretendo tabalhar. O romance é todo narrado por uma freira que, depois descobre-se, é também personagem. O que muda quando uma história é narrada por um personagem que faz parte dessa história?
O exercício de hoje é pegar uma história curta (peguei o conto " os músicos" do Rubem Fonseca) e recontá-la a partir da perspectiva de cada personagem que aparece. Mesmo o garçom que aparece de relance, se ele fosse narrar aquela cena, como narraria? E aí é feito todo um exercício de entrar na cabeça das pessoas que estão no mundo e narrar o mundo a partir da visão delas. Difícil prá caramba, mas bem legal. A mesma história contada sob várias perspectivas.
Na oitava, Clarice Lispector. Eles têm que criar um personagem, como na quinta série, mas apresentá-lo em forma de texto narrado em primeira pessoa, como um fluxo de consciência - não a deles, mas a da personagem. Uma pessoa que está escrevendo sobre si mesma e sobre o ato de narrar ( sim, é a mesma estrutura do livro). Atenção: essa pessoa tem que ser diferente de você. E essa pessoa tem que ganhar contornos de humanidade. O que é isso? E aí a gente discute. Uma pessoa que tem história, tem defeitos, falhas, pensamentos e angústias. Única regra: essa pessoa tem que ser diferente de você.
Essa é a aula de hoje.
As regras das aulas de redação, para todas as séries, são:
cada um é obrigado a escrever pelo menos vinte linhas. Não tem choro nem vela, vai escrevendo, a primeira coisa que vier à cabeça, as palavras depois se ajeitam e uma coisa puxa a outra. Escrever sem pensar muito, sem tentar fazer nada de genial, sem grandes ambições. É uma brincadeira e a única regra é que tem que brincar. Não precisa se preocupar com erros de ortografia, nem de gramática. O primeiro passo é escrever, o bom escritor não encontra barreiras entre o que lhe vai na cabeça e o que aparece no papel, a mão é extensão dos pensamentos, que fluem. Depois a gente arruma tudo, corta o que for necessário, reescreve, mas o primeiro momento tem que ser o de uma escrita fluida.
Não pode passsear pela sala, pode sair para beber água a hora que quiser, nem precisa pedir, dois de cada vez. Não pode conversar com o amigo, nem para ter idéias. Escrever é um ato solitário e silencioso.
E assim vai. Demora uns quinze minutos para que todos engatem, mas logo a sala está no maior silêncio. Cada pessoinha ali escrevendo, criando seus mundinhos, e eu fico parada, olhando.
Acho bonito. Me divirto.
É uma delícia escrever e criar histórias, depois a gente fica adulto e não faz mais isso. Que pena.
Post relacionado: dia de literatura.
ATUALIZAÇÃO:
A Clélia fez um comentário tão lindo e rico, tão bacana e generoso, enfim, tão Clélia, que eu fiquei com vontade de colocá-lo aqui.
E como nessas horas o melhor é obedecer às nossas vontades... aqui vai.
Aproveitem!! Papa finíssima!
Lu,
Como a Vivien, também adoro seus relatos! E este último remeteu-me a Gabriel García Márques...
Em setembro de 99 (lembro-me a data, pela dedicatória), comprei um livro pro Arnaldo, com a intenção de incentivá-lo a escrever: "Como Contar um conto" – Oficina de roteiro de GGM [Casa Jorge Editorial, 3ª edição, 1995]. Nas orelhas, escritas por Eric Nepomuceno (tradutor do livro), as palavras:
"Todo escritor tem suas manhas e suas manias na hora de construir uma história. Esses truques de equilibrista, pequenos segredos que se dissolvem nos caldeirões da escritura e dão sabor único aos grandes cardápios literários, costumam permanecer ocultos aos leitores. (...) Pois bem: neste livro você vai poder desfrutar de um privilégio raro. Vai acompanhar o trabalho de um dos maiores narradores do século - o colombiano Gabriel García Márquez - junto a um pequeno grupo de roteiristas. (...) Resultado: no final do livro, você terá convivido durante alguns dias com um escritor que sabe, como pouquíssima gente, arrancar histórias de quase nada. Uma imagem, uma frase, uma situação: ele não precisa mais do que isso para erguer suas narrativas."
Na Introdução, escrita por García Márquez, uma passagem qu’eu acho incrível...
O enigma do guarda-chuva
(...) A coisa mais importante deste mundo é o processo de criação. Que tipo de mistério é esse, que faz com o simples desejo de contar histórias se transforme numa paixão, e que um ser humano seja capaz de morrer por essa paixão, morrer de fome, de frio ou do que for, desde que seja capaz de fazer uma coisa que não pode ser vista nem tocada, e que afinal, pensando bem, não serve para nada? Algumas vezes acreditei – ou melhor, tive a ilusão de estar acreditando – que ia descobrir, de repente, o mistério da criação, o momento exato em que uma história surge. Mas agora acho cada vez mais difícil que isso aconteça. Desde que comecei a dirigir estas oficinas ouvi inúmeras gravações, li um sem-fim de conclusões, tentando ver se descubro o momento exato em que a idéia surge. Nada. Não consigo saber quando isso acontece. Mas nesse meio tempo, tornei-me um viciado no trabalho coletivo. Esta coisa de inventar histórias em grupo, coletivamente, virou um vício. Dia desses, folheando uma revista Life, encontrei uma fotografia enorme. É uma foto do enterro de Hiroíto. Nela, aparece a nova imperatriz, a esposa de Akihito. Está chovendo. Ao fundo, fora de foco, aparecem os guardas com suas capas brancas, e mais ao fundo ainda, a multidão com guarda-chuvas, jornais e pedaços de pano na cabeça; e no centro da foto, totalmente vestida de negro, com um véu negro e um guarda-chuva negro, aparece a imperatriz, num segundo plano, solitária e muito magra. Vi essa foto maravilhosa e a primeira coisa que me veio ao coração foi que ali havia uma história. Uma história que, claro, não é a da morte do imperador, a que a fotografia está contando, mas outra: uma história de meia hora. Fiquei com essa idéia na cabeça, e ela continuou lá, dando voltas. Já eliminei o fundo, me desfiz completamente dos guardas vestidos de branco, das pessoas... Por um momento, fiquei unicamente com a imagem da imperatriz debaixo da chuva, mas logo descartei também. E então, a única coisa que me ficou foi o guarda-chuva. Estou absolutamente convencido de que existe uma história nesse guarda-chuva. Se a nossa Oficina tivesse uma finalidade diferente da que tem, eu proporia a vocês que partíssemos desse guarda-chuva para tentarmos fazer um longa-metragem. Mas nosso objetivo são os filmes de meia hora. Tenho a impressão de que, de um jeito ou de outro, vamos acabar encontrando o tal guarda-chuva no caminho. E quero deixar bem claro que não vou criar nenhuma armadilha para forçar esse encontro... (...)
[extraído das págs. 14 a 16]
Depois dele, outro livro, da mesma Oficina de Roteiros, me atraiu pelo belo título: "Me alugo para sonhar" [Casa Jorge Editorial, 2ª edição, 1995], com prefácio & comentários de Doc Comparato, tradução de Eric Nepomuceno.
Eis o trecho inicial:
PREFÁCIO
Em latim as palavras "inventar e "descobrir" são sinônimas. Aliás segundo Aristóteles a multiplicação destes dois verbos teria como resultado o ato de "recordar".
Se não existem invenções ou descobertas, só recordações, o criar torna-se, com efeito, um admirável exercício da memória. Um incansável esforço do lembrar.
Esta hipótese seria apenas curiosa se não fosse também verdadeira. Pois um dos efeitos mais perturbadores do ato de criar é aquele que nos dá a sensação de que não estamos descobrindo nada de novo, somente resgatando algo esquecido.
O talento da criação estaria, portanto, na maneira que utilizamos para revelar aos outros este algo, esta estória, uma vida, saga ou percepção, que sempre existiu, mas que de alguma forma oculta foi esquecida pela humanidade. Ficou adormecida sem emocionar ninguém.
E é exatamente o que você encontrará neste livro: uma jornada cuja missão é o ressuscitar da verdadeira estória de uma enigmática mulher, Alma.
A investigação é realizada por vários profissionais da escrita, cada um deles levando a bagagem dos instintos, emoções e das sensibilidades, mas acima de tudo a capacidade de imaginar. (...)
Acredito que isso tudo tem muito a ver com as suas aulas... Conhece estes dois livros? Procure-os...
Bjo gde,
Clélia
Outros links:
http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=16246&ST=SR
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/676398.html
http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=47618&ST=SR
http://www.releituras.com/ggmarquez_sonhar.asp
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2642,1.shl
Acho que você tem que escrever um livro sobre como ensinar literatura e, consequentemente, ensinar a escrever e contar histórias. São lindos e muito vivos seus relatos. Você resgatou o contar histórias.
ResponderExcluirEu queria ter tido uma professora de redação assim. Das aulas do primeiro grau nem lembro muito, quase não tinha, agora no segundo grau era um terror. Pensar ficava em segundo plano, o importante era o tal do texto argumentativo pro vestiba: introdução assim, desenvolvido assado e por aí vai. Se escrever depende-se só do colégio (e eu não tivesse decidido mandar a nota pro espaço e fazer do meu jeito)hoje, certamente, odiaria redação, e não estaria no curso de jornalismo. Enfim, parabéns.
ResponderExcluirUm dia eu ainda vou ser adulto pra poder fazer só isso. Que bom!
ResponderExcluir:)
Lu, perfeitíssimo! queria ser sua aluna! hehhhe
ResponderExcluirMais um que vou imprimir e colar no corredor de letras e na minha sala...vamos ver se este povo se inspira com uma aula dessas, esta sim uma "aula como acontecimento" muito melhor que ler Geraldi.
ResponderExcluirConcordo com alguém aí em cima que disse pra vc escrever um livro, outro que eu compro.
Abraços!
Janaína
Adoro seus textos sobre aulas e alunos.;0)
ResponderExcluirLu,
ResponderExcluirComo a Vivien, também adoro seus relatos! E este último remeteu-me a Gabriel García Márques...
Em setembro de 99 (lembro-me a data, pela dedicatória), comprei um livro pro Arnaldo, com a intenção de incentivá-lo a escrever: "Como Contar um conto" – Oficina de roteiro de GGM [Casa Jorge Editorial, 3ª edição, 1995]. Nas orelhas, escritas por Eric Nepomuceno (tradutor do livro), as palavras:
"Todo escritor tem suas manhas e suas manias na hora de construir uma história. Esses truques de equilibrista, pequenos segredos que se dissolvem nos caldeirões da escritura e dão sabor único aos grandes cardápios literários, costumam permanecer ocultos aos leitores. (...) Pois bem: neste livro você vai poder desfrutar de um privilégio raro. Vai acompanhar o trabalho de um dos maiores narradores do século - o colombiano Gabriel García Márquez - junto a um pequeno grupo de roteiristas. (...) Resultado: no final do livro, você terá convivido durante alguns dias com um escritor que sabe, como pouquíssima gente, arrancar histórias de quase nada. Uma imagem, uma frase, uma situação: ele não precisa mais do que isso para erguer suas narrativas."
Na Introdução, escrita por García Márquez, uma passagem qu’eu acho incrível...
O enigma do guarda-chuva
(...) A coisa mais importante deste mundo é o processo de criação. Que tipo de mistério é esse, que faz com o simples desejo de contar histórias se transforme numa paixão, e que um ser humano seja capaz de morrer por essa paixão, morrer de fome, de frio ou do que for, desde que seja capaz de fazer uma coisa que não pode ser vista nem tocada, e que afinal, pensando bem, não serve para nada? Algumas vezes acreditei – ou melhor, tive a ilusão de estar acreditando – que ia descobrir, de repente, o mistério da criação, o momento exato em que uma história surge. Mas agora acho cada vez mais difícil que isso aconteça. Desde que comecei a dirigir estas oficinas ouvi inúmeras gravações, li um sem-fim de conclusões, tentando ver se descubro o momento exato em que a idéia surge. Nada. Não consigo saber quando isso acontece. Mas nesse meio tempo, tornei-me um viciado no trabalho coletivo. Esta coisa de inventar histórias em grupo, coletivamente, virou um vício. Dia desses, folheando uma revista Life, encontrei uma fotografia enorme. É uma foto do enterro de Hiroíto. Nela, aparece a nova imperatriz, a esposa de Akihito. Está chovendo. Ao fundo, fora de foco, aparecem os guardas com suas capas brancas, e mais ao fundo ainda, a multidão com guarda-chuvas, jornais e pedaços de pano na cabeça; e no centro da foto, totalmente vestida de negro, com um véu negro e um guarda-chuva negro, aparece a imperatriz, num segundo plano, solitária e muito magra. Vi essa foto maravilhosa e a primeira coisa que me veio ao coração foi que ali havia uma história. Uma história que, claro, não é a da morte do imperador, a que a fotografia está contando, mas outra: uma história de meia hora. Fiquei com essa idéia na cabeça, e ela continuou lá, dando voltas. Já eliminei o fundo, me desfiz completamente dos guardas vestidos de branco, das pessoas... Por um momento, fiquei unicamente com a imagem da imperatriz debaixo da chuva, mas logo descartei também. E então, a única coisa que me ficou foi o guarda-chuva. Estou absolutamente convencido de que existe uma história nesse guarda-chuva. Se a nossa Oficina tivesse uma finalidade diferente da que tem, eu proporia a vocês que partíssemos desse guarda-chuva para tentarmos fazer um longa-metragem. Mas nosso objetivo são os filmes de meia hora. Tenho a impressão de que, de um jeito ou de outro, vamos acabar encontrando o tal guarda-chuva no caminho. E quero deixar bem claro que não vou criar nenhuma armadilha para forçar esse encontro... (...)
[extraído das págs. 14 a 16]
Depois dele, outro livro, da mesma Oficina de Roteiros, me atraiu pelo belo título: "Me alugo para sonhar" [Casa Jorge Editorial, 2ª edição, 1995], com prefácio & comentários de Doc Comparato, tradução de Eric Nepomuceno.
Eis o trecho inicial:
PREFÁCIO
Em latim as palavras "inventar e "descobrir" são sinônimas. Aliás segundo Aristóteles a multiplicação destes dois verbos teria como resultado o ato de "recordar".
Se não existem invenções ou descobertas, só recordações, o criar torna-se, com efeito, um admirável exercício da memória. Um incansável esforço do lembrar.
Esta hipótese seria apenas curiosa se não fosse também verdadeira. Pois um dos efeitos mais perturbadores do ato de criar é aquele que nos dá a sensação de que não estamos descobrindo nada de novo, somente resgatando algo esquecido.
O talento da criação estaria, portanto, na maneira que utilizamos para revelar aos outros este algo, esta estória, uma vida, saga ou percepção, que sempre existiu, mas que de alguma forma oculta foi esquecida pela humanidade. Ficou adormecida sem emocionar ninguém.
E é exatamente o que você encontrará neste livro: uma jornada cuja missão é o ressuscitar da verdadeira estória de uma enigmática mulher, Alma.
A investigação é realizada por vários profissionais da escrita, cada um deles levando a bagagem dos instintos, emoções e das sensibilidades, mas acima de tudo a capacidade de imaginar. (...)
Acredito que isso tudo tem muito a ver com as suas aulas... Conhece estes dois livros? Procure-os...
Bjo gde,
Clélia
Outros links:
http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=16246&ST=SR
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/676398.html
http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=47618&ST=SR
http://www.releituras.com/ggmarquez_sonhar.asp
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2642,1.shl
Lu, querida, Ana, minha filha, a adolescente mor da casa, ontem à noite: _mãe, quero ter aulas com a Luana! Hehe - garota esperta!
ResponderExcluirSeguinte, Lu, preciso falar contigo. Como fazemos, amiga?
Beijos,
Patrícia.
Menina q maravilha de aula! Deu vontade até de ser sua aluna!
ResponderExcluirMto bom! Meus parabéns!
Samy
=p
Oi. Tenho saudades de uma professora la de Ribeirão Preto, que como você, é apaixonada pela literatura e fez de mim um apaixonado também. Seus alunos certamente sentiram saudades.
ResponderExcluirObrigado pela visita ao meu blog volte sempre e comente sempre que quiser.
PAULA,
ResponderExcluirQue bom que vc conseguiu traçar seu próprio caminho sem se deixar intimidar pelos pseudo donos do saber. Tem gente que acaba com as pessoas, atropela e nem percebe. Que bom, mesmo.
INTER!
Um dia quero ser adulta assim também!!! ( mas só assim)
JANAÍNA, VIVIEN, FÁ...
Muito, muito obrigada, mesmo.
Um beijo bem grandão.
PATRÍCIA QUERIDA!!
Cada uma, né??? Quero conhecer tuas filhotas!!
Beeeijooo.
SAMY,
obrigada. :-) !!!
memso.
CORRETOR,
achei seu blog muito sensível, fiquei surpreendida, de um jeito bom.
obrigada.
Luana.
Lu-Lu
ResponderExcluirPapo de tia esse meu, mas eu nem tive aulas de redação na minha vida e não ouso contar como fazia redações para o vestibular...
Interessante ver, nesse texto seu, o brilho nos olhos de quem gosta muito do que faz, e que, por transbordar esse prazer,é como se a gente também tivesse esse mesmo entusiasmo, como num passe de mágica.
É muito bom ter realização profissional e admirável ver que você consiga isso na árdua tarefa da educação.
PARABÉNS,
um beijo
Tita
Poxa, Lu, me emocionei... Valeu, 'brigadão!
ResponderExcluirbjo,
Clé
Ah, volta lá no Achados que tem mais um comentário pra você...
ResponderExcluirLuana, acho muito legal essas tuas aulas. Teus alunos devem adorar.
ResponderExcluirPassei prá te deixar um beijo, viu menina?
Esse post foi super inspirador! Me deu vontade de fazer um caderno desses pra mim! bjs
ResponderExcluirAMEI TUDO.
ResponderExcluirVC É EDUCADORA COM SENSIBILIDADE.
PARABÊNS...