segunda-feira, 28 de maio de 2007

Ainda sobre o ensino público

Esse post tem uma história que talvez precise ser contada.

Ando muito muito atarefada e tinha resolvido que, por falta de tempo para dedicar-me com o afinco e a seriedade que a questão merece, não me meteria por aqui em discutir a ocupação da reitoria e a greve na USP. Do que conheço bem, sinto-me à vontade para falar com mais ligeireza, não é o caso da história da ocupação nem dos decretos , conheço um pouco, mas não BEM. Mas meus dedos começaram a coçar, tenho montes de amigos envolvidos em tudo isso, e não aguentei e postei algo meio em cima do muro, divulgando um fotolog de amigos meus.
E , claro , me pediram, com toda justeza, um posicionamento. E procurei escrever algo mais, ainda ligeiro, mas algo, porque nessa vida a gente tem mais é que dizer a que veio. E ficou do jeito que ficou, pouco informativo, muito opinativo, talvez bastante idealista.
E logo fiz mais um post, com mais links para posts e artigos bem mais interessantes e ponderados e sábios do que o quê eu dizia.
E prontamente a Meg entrou para a dança também, e em meio a um post bem interessante e ponderado, conversou generosamente comigo.
Aqui vai uma resposta, ou a continuação da conversa:

Minha querida Meg,

As coisas da vida: li seu post hoje ainda de manhã, e um dia inteiro de tarefas me aguardava. As aulas de literatura das segundas feiras, uma reunião na outra escola, outra reunião à noite, nada de tempo para sentar e escrever. Então, o resultado é que passei o dia inteiro conversando internamente com você; talvez, para ser mais justa, posto que por mais que vc seja presente, ainda não tenhamos inventado a telepatia, passei o dia inteiro conversando comigo mesma, imaginando que conversava com você.

E sobre o que falei, sobre o que falamos? Ah, tantas coisas!

Falamos sobre quem mandou escrever um post sobre um assunto tão sério, assim tão intempestivamente? Falamos que deveria escrever de e sobre e na literatura, e cozinha, e momentos de mulher e vida, e aulas, escrita, e quê que foi isso, de escrever também sobre universidades e políticas? Não sei falar dessas coisas. Ou achamos que não sabemos - respondi. Mas falei que pôxa, essa é minha vida, meu ninho, uma espécie sim de lugar seguro, onde me formei e continuo sendo formada, pelo qual tenho imenso carinho, um lugar que eu acredito, o da educação pública.

Falei de como é difícil a gente se posicionar, ai quanta coragem para se expor, mas como é bom, tão bom o debate, e como eu te gosto e te respeito mais ainda, por me ter convidado ao debate, porque as idéias paradas, guardadas para nós, são tão válidas como coisa nenhuma.

E hoje, em uma das escolas em que dou aula, uma escola particular, bastante especial, pelo projeto pedagógico que tem e pela história, um professor falava que todo projeto de educação é, afinal, baseado e radicado em um projeto político, em um projeto para a sociedade, e nisso, Meg, eu acredito com todas as minhas forças. Acreditamos.

Um dos sentidos que eu construí para minha vida é o de ser professora, porque eu acho, mesmo, que sendo uma professora decente, dentro das minhas possibilidades, eu posso contribuir para, quem sabe?, um mundo um pouquinho mais decente. Um mundo do tamanho da minha aldeiazinha, que é do tamanho da minha aldeia, é verdade, mas você mesmo me falou um dia que somos da altura dos nosos sonhos, não foi assim que você disse? Então é assim que eu me criei, ao menos essa parte de mim.

E, sabe, eu cada vez acho mais importante o trabalho intelectual, o cultivo do saber pelo saber, a formação de sensibilidades para o mundo, algo sobre o qual eu falava alguns posts atrás, a possibilidade da imaginação, da observação, de se colocar no lugar do outro, e assim por diante. Achamos.

Quando entrei na graduação, em letras, quis fazer grego. Para quê? Para ler Homero e os gregos no original, só para isso, mais nada. Para quê? Para nada. Para poder ler. E isso é tão importante. Porque eu fico achando que é sempre bom que haja alguém, no mundo, que saiba ainda ler os gregos no original ( eu não sei, aprendi um pouco, lentamente, e desaprendi um monte, de maneira rápida...).
E eu não sei, no Brasil, onde mais isso é possível senão no espaço do ensino público, porque me parece que em cada vez mais lugares daqui de Pindorama o ensino vira mercadoria, o saber transforma-se em produto. E como produto, fica à serviço desse mundo que está aí. E venhamos e convenhamos, se eu e você não estamos nada bem, o mundo que está aí está bem pior, não é mesmo?

Se fossem outras as minhas habilidades, eu poderia falar que resolvi estudar física teórica, matemática de base, história antiga, sei lá. Coisas que não servem imediatamente para coisa alguma, que são conhecimento, que têm seu espaço na universidade. O fato é que um professor que é pago pela hora aula que dá, mal tem tempo de pensar, quanto mais estudar, produzir conhecimento e assim por diante.
A boa educação, ao meu ver, é uma educação sempre, na medida do possível, contra o mundo. Uma educação que provoque alguma mudança, incômodo, movimento, desconforto. Eu não vejo outro lugar onde essa educação possa ocorrer senão na esfera pública, Meg, não vejo mesmo, e talvez esteja sendo ultra romântica idealista; aceito.


As coisas são mais complicadas, eu sei, e sei eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução, e talvez eu esteja sucumbindo àquilo mesmo que eu critico. Mas estamos discutindo tudo isso agora. E até a Folha de SP, por exemplo, deu para questionar o Serra e seus decretos. Há uma discussão no ar, e isso é um mérito. A universidade está se repensando? A usp, a mastondôntica usp, está se repensando? Não sei, provavelmente não. Mas me parece que essa hisitória toda ao menos criou um zum zum zum, e isso já é tão importante.

Há aqueles que acham que esse movimento é uma espécie de canto do cisne antes da decadência final. Que a partir daqui o ensino público estadual irá ladeira abaixo, como foi o ensino público de ensino fundamental e médio. Outros, que tudo faz parte do grande processo de privatização, ou dessa nova concepção utilitarista de universidade.

Eu não sei... Eu sei, por um monte de experiência própria também, como graduanda e mestranda, que na greve, quem se ferra mesmo, é o aluno. Que na universidade nada mais pára, e que mal se nota que há uma greve, sei de tudo isso. Sei da apropriação partidária que se faz dos movimentos, sei de um monte de coisa.

Mas sei que, para mim, a mim, todo esse debate e todo esse movimento, emocinam e tocam. Porque nada dá em nada, mas e então? Fumemos nosso cachimbo na varanda, leiamos nossos livros, sejamos bons pais, boas mães, bons maridos, bons amantes? Para mim, isso não é suficiente, porque somos também animais políticos, seres públicos, mas isso eu acho que você pode explicar melhor que eu. Eu sei que fico meio triste, meio envergonhada, de não ter como, agora na minha vida, dar aulas em uma escola pública, isso é quase uma desgraça.
E que tudo isso me deprime também, não pelo movimento dos alunos, da greve, e tal, mas pela nossa pouca esperança em mudanças de fato.


Mas enfim, sei que nossa conversa fica em aberto, e que te agradeço profundamente pelo debate respeitoso.

Um beijo enorme, minha amiga, e que bom que pudemos nos encontrar.
Com toda admiração respeito e carinho,

Luana, Lulu.

e quem está acompanhando a discussão, leiam a bela resposta da Meg, a continuação do nosso diálogo, lá no sub rosa ( trata-se do comentário que está aqui, que virou post, porque tinha que virar mesmo).

Sabem que eu tô achando tudo isso bem bacana? Nada como o debate inteligente e respeitoso!

:-) e vivam as amizades internéticas.

6 comentários:

  1. Ah, este sim um post da Lulu.

    Eu tenho acompanhado toda esta discussão sobre a USP aqui e nos blogs que vc tem indicado, porém nada tinha comentado pq ainda não tinha entendido o que realmente estava sendo discutido.

    Mesmo assim pouco posso falar como uma posição real sobre o assunto, entretanto queria dizer o que penso:

    Já fui muito mais idealista do que sou e acretitava que greves de professores e alunos adiantavam, eram produtivas. Acreditava nisso antes de entrar pra faculdade.
    Hoje penso que o governo quer mais é que sejamos bem ignorantes mesmo para votarmos inconscientemente em suas promessas vãs e aplaudir seus discursos vazios, e para tanto, quanto pior tiver a educação, melhor.

    Se então penso que não deveria haver greve?
    Bem, penso que o professor faz greve e quando recebe um mês do salário volta a dar aula e tira totalmente a força de sua greve. Mas também o professor é uma das únicas classes trabalhistas que se preocupa realmente com seu cliente: o aluno e como vc mesma disse, a greve prejudica o aluno.

    Bem, quanto a greve e reinvindicações de alunos, quando entrei na faculdade logo fui me envolver com o DCE e CA e querer fazer mil mudanças, hoje sei que este estes movimentos estudantis são muito usados por pessoas políticas para outros fins e aí a coisa se mistura de tal forma que se perde a força. Já fui chamada de "moleque que fazia politicagem na Universidade" no jornal e pelo Reitor, sem nem ao menos participar de algum Partido e nem sinpatiar por nenhum, depois descobri que tinha sido usada neste sentido.

    Porém, uma greve de estudantes e professores, mesmo não sendo produtiva quanto às suas reinvindicações, é uma das poucas formas que se tem fazerem-se ouvir. E isso é algo produtivo de alguma forma.

    Infelizmente esta é a pouca experiência que tenho com greve e que não me permite ter a capacidade de levantar uma nova proposta em casos assim.

    Talvez ocupar a reitoria não seja lá grande coisa, mas ao menos isto está sendo feito numa época que a apatia dos jovens em relação a problemas sociais tem sido marcante.

    Abraço.

    Janaína

    ResponderExcluir
  2. Luana; Lulu:
    sei que não são duas pessoas diferentes, mas quero separar bem, a pessoa que escreve aqui (n)este blog e a minha amiga tão recente, mas já tão querida.
    Como disse lá no meu post, tal como Aristótels, amo muito ser delicada com todos, mas amo mais a correção (em vários sentidos) e o respeito a todos.
    Dito isto, vejamos para que não soe artificial o que vou responder aqui (deveria transformar em post também?;-))] uma vez que também vc já sabe e já conversamos a respeito.
    Então, pelo respeito a seus leitores e eventuais e pouquíssimos leitores meus que aqui venham, eis o que tenho a responder;
    1- Acho que houve aquele erro célebre - de minha parte - discrepância entre a idéia do mensageiro e a mensagem.
    Sim, mas não é por isso que vai-se jogar fora, como vc diz, nem a mensagem , nem a mensageira inábil.
    2- A respeito do que disse seu professor, obviamente Lulu, que o que ele disse é algo que eu e muita gente *take for granted*: mas acontece que às vezes, o óbvio está tão na nossa frente que nos faz tropeçar nele.
    A respeito da política e de seus fatos, outros o fizeram melhor que eu, já menconei entre eles, o professor Idelber Avelar por quem nutro a maior consideração, e, não raro vou ao blog dele, não só para visitá-lo ou ler o post do dia - o que seja o que se chama de "bater o ponto";-), mas vou também para ficar esclarecida, e algumas vezes, escrevo para ele, para perguntar coisas que não sei ou que ele sabe melhor que eu.
    3- Meu post não guarda nenhuma semelhança com o post do prof Idelber, que tem uma intencionalidade - no caso realizada, - que é de mostrar o factual na cena e nos solo político - ou seja trazer (e trouxe) para a luz, o que de político não pode ser ignorado neste caso da ocupação da Reitoria da USP.
    E uma vez que isso seja admitido, passemos então propriamente ao meu post.

    a) se ele não é "político" o que é então? Eu respondo que ele é - com muito boa-vontade - uma conversa com você sobre o ideal e o existencial.
    b) e era necesária? Sim, Lulu era necessario, não só por causa de tudo que andei lendo e como também talvez mais até por causa do que *não* vi e não li.

    c) A mensagem do meu post, que acredito foi morta ou retalhada pela inabilidade da mensageira intenta o seguinte:
    * - mostrar que o que passei a falar era baseado em experiência, pessoal e vital , e que essa experiência já foi vivida por mim, mais de uma vez, muitas vezes e que você a estava vivendo agora.

    d) De modo algum acho que - pelo o menos o post seu que eu li e que tentei dialogar com ele - é um texto escrito com légèreté (a ligeireza que vc diz e que eu tomo no sentido de ligeiro, próximo do ser leviano, daquilo que demanda muito mais tempo e reflexão).
    Ao contrário, disse, digo e reafirmo que seu post é digno de ser citado como um dos que melhor traduz o que é que se deve esperar de Universidade. Não preciso de aprovação de ninguém, logo sinto-me confortável para dizer e repetir: seu post é brilhante no que se refere à uma Universidade ideal e palavra *ideal* tem um peso afirmativo.

    Sabe por quê? Porque se não lutarmos pelo ideal, não teremos o possível.
    Fico p*** da vida em ver Maio soixante-huit ser colocado de maneira pejorativa, pois foi esse movimento, que abriu caminho para muito do que se conseguiu e para o que necessitamos agora: SEJAMOS REALISTAS; PEÇAMOS O IMPOSSÍVEL! era uma das palavras de ordem do movimento na França (que muita gente, até hoje, que o viveu, não gosta: queriam aulas, do jeito que fosse, de qualquer modo, memo de um jeito ruim em qualquer condição)
    Deixo claro que não o vivi;-)
    mas muito precisei dele.

    e) acho que seria boa idéia transformar essa resposta num post, pois isso deve ser lido, para fazer justiça a nós duas, certo?
    Eu digo assim " Lulu, uma das mais brilhantes pessoa que conheci defende uma Universidade deontológica (corram aos dicionários, crianças, é para isso que eles existem) mas facilito o trabalho - deontológico: o SER TAL COMO DEVE SER.
    Era (e é) um elogio sincero e justo.

    f) e finalmente eu falei sobre o famoso sei lá como resposta ao: "Que melhores formas de realizar esse combate...etc.."

    E então arremato dizendo que se você não sabe então, está em boa companhia (por modéstia não dise a minha, mas ficou subentendido) a dos seus colegas e a companhia do Giannotti.;-)
    E mencionei a "prática teórica" que já foi motivo de riso antes e hoje, não sei não, mas os blogs estão me dando a idéia de que voltou, só não sei com qual nome.

    Para finalizar: O inevitável, Luana é o não saber: afinal se soubéssemos, não diríamos?
    Se soubéssemos, seríamos mais maravilhosos e espetaculares e inteligentes que os que estão lá e mais toda a USP e já não teríamos dito, espalhado aos 4 ventos e falado; a "nossa" solução?

    Então essa é a 'situação'. Essa é a circustância. Essa é a parte existencial.
    Ao contrário do que cantava Geraldo Vandré: "quem sabe faz a hora não espera acontecer..." eu digo que não e repito: quem não sabe e quer saber e resolver alguma coisa é que constrói, é o que caminha.
    É como diz um famoso e muito subestimado poeta espanhol Antonio Machado (lê-se Matchado), amigo de Lorca: Caminhante, não há caminho, faz-se o caminho ao caminhar.

    Então, alunos e profesores seja de que instituiçao do ensino público, inclusive da USP , Luana e Lulu e outros que puderem e queiram ouvir:
    Nada nos é dado, tudo o que se ganha(?) é ganho pela luta, acertando aqui e errando ali, avançando um pouco mais lá, e recuando um pouquinho para cá, em outras instantes.
    Nós, os da minha geração já passamos por isto e fizemos o que *CIRCUNSTACIALMENTE* era possível e tivemos um resultado. Pelo qual lutamos. Nem sempre ganhamos . Nem sempre ganhamos tudo que queríamos, mas sempre se saiu mais enriquecido de cada vez.

    Cabe agora a vocês - nas circunstâncias próprias e específicas de vocês, lutar para obter o que for o máximo de suas possibilidades.
    Ninguém os vai presentear com nada, tudo será conquista de vocês.

    E nem deixe que lhes digam ao contrário: Peçam tudo etc...;-)

    Era o que eu tinha a dizer.
    (mentira tinha mais a dizer mas sei que ninguém aguentará ler até aqui.
    Anda mais com meus erros de digitação hohoho.)

    Um abraço a todos, um beijo a Luana, outro à minha Lulu.
    Respeitosamente é isso o que quis dizer. E disse.
    Está erado? Ensinem-me então a aprender o certo!
    Maria Elisa (Meg) Guimaraes;
    Meglyn para os amigos mais próximos e queridos:-)

    P.S Ah sim, para ser mais do que sincera, reclamei da Lulu, não ter comentado no meu post, e reclamarei por todos os bons comentaristas: afinal o filé mignon de um post , está muitas vezes (não sempre) nos comentários.
    M.

    ResponderExcluir
  3. Ótima cartinha; linda mesmo. Sinto-me feliz de ouvir isso de alguém que também fez FFLCH e que tb é professora. Mas, na verdade, quero só fazer um comentariozinho, Lulu: você disse várias vezes, nas últimas postagens, que tem muito trabalho a fazer... interessante que isso foi logo depois que o Alex “disse” que você era “desocupada” o bastante para tomar conta do LLL enquanto ele estivesse fora. ;-)

    ResponderExcluir
  4. Janaína,
    é verdade, vc reparou bem, estava meio presa e amarrada ao falar de todo esse assunto, acho que só me soltei mesmo foi agora... eu gostei muito do seu comentário.
    Um beijo grande,
    Lulu.

    ResponderExcluir
  5. Meg querida,

    pronto, estamos entendidas, comovidas e, olha lá, e como é bonito tudo isso que vc falou!
    Um beijo enorme.
    Lulu.

    ResponderExcluir
  6. Ulisses,
    colega!!
    pois é... a moça aqui trabalha, dá duro, rega as plantas dos outros e ainda insinuam que é desocupada...

    dura essa vida...

    Beeeijoo!

    ResponderExcluir