terça-feira, 5 de junho de 2007

leio e releio


Talvez por falta de grana, talvez por preguiça, talvez por amor mesmo, eu mais releio que leio.

Minha estante tem uns livros fixos, com os quais rompo e depois reato, esqueço e revisito, que me fazem companhia e me dão um respiro, porque estão lá.

Escrevi aqui sobre como as nossas bibliotecas contam a história da gente, como nos desvendamos e nos contamos através dos nossos livros, e quando decidi escrever sobre o que estou lendo, resolvi primeiro escrever sobre o que sempre leio. E releio, e releio. Desde Reinações de Narizinho à Anna Karênina, passando por alguns contos da Clarice, do Cortázar e de Tchekhov, passando por Katherine Mansfield e Scott Fitzgerald, Machado, Guimarães, Gabriel Garcia Marquez. São escritores que fazem parte da minha história, personagens com quem namorei e que um dia quis ser, livros que são como uma casa, gostosa de revisitar, de portas quase sempre abertas.

Eu sou uma leitora compulsiva. Fico profundamente aflita se não tenho nenhuma leitura à mão. É até um exagero, mas me dá quase um pânico. Quando viajo, tenho que levar pelo menos três livros, mesmo se for para um final de semana, vai que chove e os livros se acabam? Vivo bem sem tevê e até sem DVD, sem livros tenho verdadeiras crises de abstinência. Se os livros acabam, descubro e leio todas as revistas velhas da casa, vou à recepção da pousada e pergunto o que há ali para ler (e já tive surpresas bem engraçadas com isso - uma vez, em Visconde de Mauá, em meio à chuva, fui parar numa pousada onde havia dois livros: Escrava Isaura e Moreninha... Li os dois, e acabei que me diverti), mergulho no jornal local, no que for.
Se as revistas e os livros acabam, e na pousada não há nada, e nem mesmo na gaveta do hotel há o indefectível exemplar da Bíblia, entro numa espécie de aflição, porque só durmo depois de ler.

Não entendo essas pessoas que deitam, apagam a luz, se viram e dormem, acho um espanto - sempre reparo nisso nos filmes. Para mim, faz parte do ritual de descanso, de preparação para o dormir, o abajur ligado, um momento de silêncio, as letras na minha frente, o entrar no livro até que o sonho venha; sempre me contaram histórias para dormir e acho que eu me viciei.
Às vezes os livros me tiram o sono, às vezes durmo e sonho com a continuação - e acho um barato, porque não sonho com imagens, nesses casos, mas com palavras.

Sim, é vício; se um dia você tomar café da manhã comigo vai me ver lendo jornal, revista, e se não houver nada disso, lerei o texto da caixa de sucrilhos, do nescau e do leite.

Há um livro bonito sobre esse negócio de vício de leitura e hábitos de leitor, chamado Ex Libris - confissões de uma leitora comum , onde a autora conta que, uma vez, numa situação assim, sem nada para ler, numa chácara distante - se pegou lendo o manual de instruções do carro, e até começou a achar poética a passagem sobre as trocas de marcha...
Pois bem, sou assim.
Aliás esse é um lindo livro, escrito por Anne Fadiman, sobre o hábito de leitura, sobre os hábitos dos leitores. Trata-se de colunas que a autora escreveu sobre sua vida e seus livros, para a revista Civilization. Anne é editora, filha de escritores, cresceu rodeada por livros, casou-se com outro obcecado, e o casamento, além de filhos, rendeu um delicioso capítulo sobre como casar as bibliotecas, dela e do marido - assunto mais complicado e delicado que o próprio casamento em si.
Anne
conta da relação que cada um constrói com o objeto livro, conta que seu pai, por exemplo, ia rasgando as páginas já lidas (vixi!), e que ela faz orelha, rabisca e marca as páginas de seus livros sem dó. Um livro bacana, que vale ser lido, sobre uma amante de livros, para outros amantes. Ao final, uma interessante bibliografia sobre leitura e leitores. Para quem não conhece, Lulu recomenda enfaticamente.

E dentre toda essa compulsão, ao invés de ter um repertório imenso de leituras, tenho um repertório bem pequeninho, por causa disso: fico relendo. Às vezes acho que poderia ter uns dez livros em casa, e os releria sem fim. às vezes me bate uma loucura zen budista e tento fazer esse exercício: se fosse me desfazer da biblioteca, quais os dez livros que levaria comigo? mas aí entro em crise, e deixo para lá.
Teriam que ser dez livros intercambiáveis, dez livros mutantes, que me acompanhariam por onde quer que eu fosse, se transformando conforme minhas fasezinhas. Assim, um Tosltói poderia virar um Dostoiévski, e o Dom Casmurro, às vezes poderia se transformar no Bentinho, ou mesmo no Aires; o Guimarães viraria Graciliano, e o Dashiel Hammet Ray Bradbury....

E hoje ia escrever sobre um dos livros que sempre releio, Anna Karenina, mas acabei falando sobre a compulsão de ler. Fica para amanhã, se as palavras não mandarem de outro modo.

Beijos a todos,
deixo com vcs um pedaço da minha biblioteca, com direito a um naco do meu joelho, e um pedaço da minha coleção das bonecas, aquelas das quais não tive coragem de me desfazer.
para os mais curiosos, acho que se clicar em cima da imagem ela aumenta e dá para ver melhor as lombadas dos livros, seus fetichistas! É caótica, a minha biblioteca, já deixo avisado.




17 comentários:

  1. De longe parece com a minha. As estantes são iguais. Hmmm... Philip K. Dick, A. Clarke, Bradbury. Eu gosto disso.

    Você conhece o Anobii? Eu descobri ontem (fui convidado pela Bibi, do Bibi's Box). É como um Flickr de livros. Você cria sua biblioteca virtual, anota os que está lendo, que vai ler, compartilha com outras pessoas, descobre livros em comum. Eu resisto a me inscrever em serviços na Internet (me disperso fácil) mas este eu gostei. Você cadastra um livro digitando o ISBN e o sistema automaticamente descobre o resto, classifica por autor, etc. Se você tiver os ISBNs em formato eletrônico você pode transferir vários de uma vez (foi o que eu fiz). O endereço é www.anobii.com. Se seu e-mail estiver por aqui eu lhe mando um convite.

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  2. “Às vezes acho que poderia ter uns dez livros em casa, e os releria sem fim.”. Li certa vez (se mto não me engano, n’Os intelectuais na Idade Média, de Jacques Le Goff) que os intelectuais da Europa medieval chegavam apenas a ler uns 12 livros durante toda a vida. Só que eram livros importantíssimos para a época e eles os reliam sem parar, conheciam as obras com muitos detalhes. Daí surgiram grandes pensadores, como Abelardo, Dante...

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  3. eu já li "a crônica da casa assassinada" umas três vezes. e sempre que leio acho mais fantástico que na vez anterior. eu também sou fã de alguns livros e sempre volto a eles. =]

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  4. Lulu, eu adoro o que escreves...eu sou uma amante de ler, reler...ler outra vez...e adoro o ritual de deitar, acender o abajur e ler ate o sono chegar ...tenho livros de Machado de Assis, Monteiro Lobato, Jorge Amado (que lia escondido qdo adolescente) e muitos mais que estao guardados como tesouros, trouxe do Brasil em 1996 (nao poderia vir morar aqui e deixar meus livros...Agora qdo tenho saudades releio.
    Sempre venho por aqui nem sempre deixo comenta´rios mas me delicio com os seus posts, adoro a visao que tens para passar para seus alunos, quiça todos tivessem a oportunidade de ter uma professor atao interessado em seus alunos...quiça

    Beijinhos carinhosos do outro lado do oceano

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  5. também sou compulsivo, lulu, inclusive na leitura
    :)
    leio embalagem de shampoo, rótulo de corn flakes, leio as placas no ambiente e as capas das revistas de celebridades enquanto espero na fila do supermercado, leio a composição nutritiva dos alimentos tentando imaginar, afinal, como o magnésio age no corpo...
    as vezes é melhor nem saber!

    aqui dentro tem uns tubinhos todos interconectados que ficam pegando as palavras, embaralhando todas e fazendo mais e mais embaralhamentos de palavras, porque afinal, é um brinquedo divertido esse de embaralhar palavras na cabeça.

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  6. OI Helder!
    recebi seu convite! Valeu, vou me inscrever sim, embora seja bem tonta para esses negócios de internet...

    agora que vi que vc também tem link prá sua! vou lá xeretar!
    beijos,
    Lulu.

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  7. é mesmo, elas se parecem. e viva A EVOLUKIT!

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  8. Ulisses,
    é... acho que sim, acho que dez ou doze livros, lidos no correr da vida, Livros com L maiúsculo, lidos e relidos, no original, etc... são suficientes, sim.
    Devem ser. Como diz o Walter Benjamin, a gente hoje tem pouca Experiência, e muita informação...
    :-)
    um beijo bem grande procê,

    Lulu.

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  9. Cris, Adriana,
    é muito, mas muito legal - e me faz sorrir por aqui - saber que tenho leitoras como vocês.
    Muito obrigada.

    Lulu.

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  10. Eu fiquei pensando o que escrever aqui...fiquei olhando pra tua estante, pros escritores que leu...

    Sabe o que fiz?

    Fui num sebo virtual e encomendei alguns livros clássicos, que lerei não sei quando, mas estarão me esperando em minha estante:

    Ilusões Perdidas, do Balzac (influenciada pelo Rafael Galvão num post dele sobre o cara, digo, sobre o autor...rs)

    Os irmãos Karamazov(i?), do Dostoievski (pensa, peguei uma aluna minha do cursinho "no flagra" lendo Crime e Castigo dele e eu nunca nem peguei nem um livro dele na mão...não dá...rs. Aí meu marido sempre me fala que este aí dos Irmãos é muito bom e tal...aí encomendei este)

    O cavaleiro Inexistente, do Ítalo Calvino (influenciada por uma pessoinha que tem um blog e tal...)

    E vou comprar a Ana Karênina, tô esperando resposta do sebo pra ver se o livro tá em bom estado...

    E não vou falar é nada, vou é ler.

    Abraço.

    Janaína, a invejosa ou a influenciável.

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  11. Eu fiquei pensando o que escrever aqui...fiquei olhando pra tua estante, pros escritores que leu...

    Sabe o que fiz?

    Fui num sebo virtual e encomendei alguns livros clássicos, que lerei não sei quando, mas estarão me esperando em minha estante:

    Ilusões Perdidas, do Balzac (influenciada pelo Rafael Galvão num post dele sobre o cara, digo, sobre o autor...rs)

    Os irmãos Karamazov(i?), do Dostoievski (pensa, peguei uma aluna minha do cursinho "no flagra" lendo Crime e Castigo dele e eu nunca nem peguei nem um livro dele na mão...não dá...rs. Aí meu marido sempre me fala que este aí dos Irmãos é muito bom e tal...aí encomendei este)

    O cavaleiro Inexistente, do Ítalo Calvino (influenciada por uma pessoinha que tem um blog e tal...)

    E vou comprar a Ana Karênina, tô esperando resposta do sebo pra ver se o livro tá em bom estado...

    E não vou falar é nada, vou é ler.

    Abraço.

    Janaína, a invejosa ou a influenciável.

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  12. Apaga um destes coments iguais, bem de querida.

    E acrescente a minha lista Metamorfose, do Kafka.

    É empolguei...

    Abraço.

    Janaína.

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  13. Janaína,
    adorei!!
    vai contando para a gente, aqui, como andam essas leituras todas! sabe que os irmãos Karamozov eu não li? quem sabe não lemos juntas e trocamos impressões?

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  14. Provavelmente eu não lerei estes livros este ano, já que estou entrando em fase de monografia, fora as mil outras coisas.

    Mas vou escolher um pra começara ler, que pode ser o Irmãos, e a gente troca impressões, ia ser muito bom mesmo!!

    Abraço.

    Janaína.

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  15. Lulu, querida.

    Releio pouco. Quase nada. Não gosto. Assim como não gosto de rever filmes. Há duas exceções: Dom Casmurro e cem anos de solidão. Releio, mas de uma forma especial, como um evento. Eu os li aos 20 anos e por acaso, os reli aos 30. Aí, transformei essa coisa numa tradição, relendo-os aos 40. Daqui a 3 anos irei relê-los pela terceira vez. Estou ansioso.

    Uma dúvida cruel: Aquele naco é do teu joelho direito ou esquerdo?

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  16. Janaína,

    combinado, vai me contando. Eu acho sempre bom ,além dos livros de trabalho, ler algo que não tem nada a ver, como descanso. Por favor, me conte, nos conte. Talvez, em fase de monografia, os irmãos seja muito cabelça, pesado, sei lá ... tem uns livros que - confesso - me dão uma preguiiiçaaa... não que sejam ruins, são ótimos, mas quando estou trabalhando muito quero mais livros de ação. mas enfim! não deixe de contar, tá?


    Meu querido Arnaldo,
    engraçado, tenho mais dificuldade em ler pela primeira vez do que em reler.
    e agora vc me pegou...acho qu eé o meu joelho direito, pois esse é um sofá que fica transversal à estante, encostado na parede e se não me engano estava lendo deitada nele, com os joelhos dobrados, então acho que é o direito. mas não garanto. ai, ai.... :-)!!!

    Lindo seu ritual de leitura dos cem anos, que vc o repita até os cento e vinte, de uma vida bem acompanhada! :-)
    beijo grande,
    Lu.

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  17. Oi Lulu

    Adorei sua postagem, principalmente um pouquinho de inveja do tamanho de sua biblioteca. Bem, a minha esta crescendo mas ainda engatinhando. Foi vendo a foto da sua biblioteca que resolvi deixar um comentário a vc e convidar para conhecer o Blog - http://bibliofototeca.blogspot.com/ envia a foto da tua biblioteca para que possamos todos compartilhar, já enviei a minha. Abraços Andréa

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