quarta-feira, 7 de março de 2007

5)Se o aluno não lê nada, mas nada mesmo, é porque, provavelmente, não sabe ler.

Leituras: os direitos do aluno leitor e não leitor. (5-7)


Inspirada por um post do Rafael Galvão e outro do Alex, sobre a leitura na escola e os livros infanto-juvenis, decidi escrever um texto sobre o que penso sobre tudo isso, que acabou se transformando em uma espécie de manifesto, pelos direitos dos alunos leitores e não leitores. Ficou um texto longo, bastante pessoal, que publicarei aqui aos poucos, um por dia, em meio ao dia a dia do Diário da Lulu.

No total, os direitos são esses ( basta clicar em cada um, que o post aparece) :

1)O aluno não precisa gostar do livro lido.
Inclusive, é livre para odiá-lo.

2)Ao aluno deve ser oferecido sempre o que há de melhor na literatura universal, passando por todos os gêneros.
3)A literatura não é objeto santificado, sagrado nem de culto máximo.
4)Livros inteligentes devem ser tratados com inteligência.
5)Se o aluno não lê nada, mas nada mesmo, é porque, provavelmente, não sabe ler.
6)Os alunos têm direito a excelentes bibliotecas e a livros baratos.
7)Os alunos têm direito a professores ultra bem remunerados e com tempo para dedicarem-se a eles.


5)Se o aluno não lê nada, mas nada mesmo, é porque, provavelmente, não sabe ler.

Esse assunto é dos mais sérios, e graves. Ser alfabetizado não quer dizer saber ler. E muitas vezes, inúmeras vezes, diria que infinitas, quando o aluno chega e diz: odeio ler, nunca li nada na vida que gostasse, aliás nunca li nenhum livro, aliás nem sei porque existem livros, é porque o aluno, simplesmente, não entende aquilo que lê. Não estou falando do aluno que leu e não gostou,não incorporou esse hábito em sua vida, estou falando do aluno que não leu nunca, nada, e não lê de maneira alguma. Se ele não leu nem Christiane F., sei lá, nunca leu nem uma porcariazinha qualquer, nem quadrinhos, nem nadica de nada; se não consegue ler um capítulo, nem o suficiente para entender o contexto geral e dar uma enrolada na prova, há algo de errado.

Peça para ele ler um parágrafo qualquer para você, em voz alta. Aposto todos os meus sapatinhos como essa criança não tem uma leitura fluente, não respeita a pontuação e não lê com entonação, essa criança lê, mas não entende nada do que lê. E essa criança pode ter de nove a oitenta anos.

Ninguém gosta do que não entende. É esse o problema, por exemplo, de dar um livro com vocabulário muito difícil. O livro fica chato não porque é chato, mas porque, simplesmente, não se entende. Um bom leitor adivinha os significados das palavras desconhecidas, insiste um pouco e logo pega o jeito de um português diferente daquele com o qual está acostumado (seja pelo estilo, seja pela distância temporal), mas isso não é para qualquer um, é uma conquista, que se adquire com o tempo e muita leitura. É legal lidar com a estranheza, mas para isso é preciso ser um bom leitor, bem familiarizado e bem à vontade em meio às palavras impressas, senão a estranheza assusta demais.

Se a pessoa não entende o que lê, não há como gostar. Óbvio, não? Não. E atenção, a pessoa não é culpada por não entender. Toda hora damos diagnósticos apressados e fáceis, como vagabundagem e quetais e, na minha experiência, na maioria das vezes, esses diagnósticos estão errados. São poucos os alunos que ficam confortáveis no papel de mal aluno, ou vagabundo, o que eles e elas têm é dificuldade e, na maioria das vezes, a escola não tem como ou não sabe lidar com as dificuldades individuais de cada aluno.

Experimente ler qualquer coisa sílaba por sílaba, ou sem entonação, ou sem pontuação, fica um saco mesmo, esses alunos estão certos, para eles, qualquer livro é chato.

Como resolve? Com tempo, dedicação, pedido de leitura em voz alta, desmistificação. Não entendeu? Tudo bem; fulaninho, explica o que aconteceu até agora; sicraninho, leia em voz alta, deixa que eu leio um pouco para você, vamos ler juntos e conversar a cada página sobre o que tá acontecendo. Em tempo: quais escolas dão condições para que os professores possam realmente trabalhar assim? Pouquíssimas. Quantos alunos saem da escola sem saber realmente ler? Muitos. Qualquer estatística ou estudo que se leia a esse respeito, impressiona e entristece, e aí a questão extrapola o gosto, e torna-se uma questão política de possibilidade de exercício de cidadania. É grave, gravíssimo que tenhamos tantos alfabetizados incapazes de entender, quem dirá interpretar e analisar, o que lêem.

Em tempo: os alunos têm direito de pular as partes chatas de um livro, e não precisam ir ao dicionário a cada palavra nova. Eu, heim?