domingo, 4 de março de 2007

2)Ao aluno deve ser oferecido sempre o que há de melhor na literatura universal

Leituras: os direitos do aluno leitor e não leitor. (2-7)


Inspirada por um post do Rafael Galvão e outro do Alex, sobre a leitura na escola e os livros infanto-juvenis, decidi escrever um texto sobre o que penso sobre tudo isso, que acabou se transformando em uma espécie de manifesto, pelos direitos dos alunos leitores e não leitores. Ficou um texto longo, bastante pessoal, que publicarei aqui aos poucos, um por dia, em meio ao dia a dia do Diário da Lulu.

No total, os direitos são esses ( basta clicar em cada um, que o post aparece!):

1)O aluno não precisa gostar do livro lido.
Inclusive, é livre para odiá-lo.

2)Ao aluno deve ser oferecido sempre o que há de melhor na literatura universal, passando por todos os gêneros.
3)A literatura não é objeto santificado, sagrado nem de culto máximo.
4)Livros inteligentes devem ser tratados com inteligência.
5)Se o aluno não lê nada, mas nada mesmo, é porque, provavelmente, não sabe ler.
6)Os alunos têm direito a excelentes bibliotecas e a livros baratos.
7)Os alunos têm direito a professores ultra bem remunerados e com tempo para dedicarem-se a eles.



2)Ao aluno deve ser oferecido sempre o que há de melhor na literatura universal, passando por todos os gêneros.


Tenho uma convicção que o curso de literatura no fundamental dois deve funcionar como uma espécie de passeio formador. Chegando ao ensino médio, a maioria estará presa à história da literatura, lerá principalmente romances nacionais ou portugueses, com a cabeça voltada para o que cai no vestibular: datas, dados sobre os autores, escolas literárias e tal. Uma tristeza. Então, há que se aproveitar o período do fund. II para se ler o que há de mais bacana na literatura geral, sem amarras nem obrigações, é nessa época que os professores têm mais liberdade para decidir sobre seus currículos e cursos.

Em primeiro lugar, a questão da excelência. Dar um livro meio ruim mas fácil para os alunos lerem para mim é maior sacanagem que pode haver. Fico com o Harold Bloom que escreveu a coletânea “Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes”. Por princípio, todos os meus alunos são crianças extremamente inteligentes, ué.

Sou professora há uns dez anos, sempre ensinando português no ensino médio e fundamental, comecei ainda na faculdade, e agora, mestrado defendido, me divirto cada vez mais. Adoro mesmo é dar aulas para o fundamental, quanto mais crianças, melhor. E nesse meu caminho cada vez mais tenho a convicção de que a escola deve sempre oferecer o que há de melhor para os alunos lerem. Meus alunos lêem comigo somente grandes autores e grandes livros, que eu leio e me emociono lendo, que fazem sentido, em excelente português e excelentes traduções. Pode ser Poe, Arséne Lupin, Kafka, Tolkien, Machado, Clarice, Drummond, enfim... Esse ano a oitava pediu até para ler Dostoievski, por que não? Que leiam, que curtam, ou não, mas se lerem uma página e curtirem, já valeu, e não há porque diminuir. Uma página do Dostoievski vale cem do Sidney Sheldon, e pronto. Mas não... pensamos assim:

“Desculpa... você só vai comer batata frita e bife porque é muito novo para experimentar caviar, sushi, Boeuf a la Bourguignonne, carne seca, sei lá."

Que besteira!! Desculpa, vamos só ler gibis da Mônica e ver figurinhas imbecilizantes, porque afinal, nos museus, você vai se encher terrivelmente, e fazer bagunça e não vai entender nada. Que nada. Meus pais sempre me levaram a museus, desde pequena, e era divertidíssimo, aliás, acho que me divertia inclusive mais àquela época do que agora...(saudades... eu levava até papel e lápis, e ficava desenhando, brincando com as maluquices das obras contemporâneas, me divertindo um monte, sem pensar tanto, sem obrigações de gosto, pensamento e crítica que ganhei ao longo do tempo e precisava urgentemente perder...)

Existe um conceito em educação que se chama profecia auto-realizável, para mim é quase um mantra, uma filosofia de vida. É assim: se você fala, ou mesmo se pensa: não vamos ao museu, porque você vai achar chato e bagunçar e correr e atrapalhar e pisar em cima de um obra de três milhões, é exatamente isso que acontece. A criança vai ao museu e cumpre a profecia: corre, grita, não se concentra e ainda estraga alguma coisa.

Nas reuniões de professores, quando se diz: esse aluno não tem jeito, ele é mesmo um baderneiro, irresponsável, sei lá o quê, ele vai lá, e cumpre a profecia. É batata. Se você decide que seus alunos são idiotas, eles serão, se você decide que eles são super inteligentes, juro, serão também. Todo mundo quer crescer, todo mundo quer se superar, todo mundo gosta de coisas boas. É uma questão de apostas e oportunidades.

A literatura ruim, eles que leiam em casa, imagina, dar Código Da Vinci na escola, ou Col. Vagalume, ou Simmel, não... não porque não devam ser lidos, mas porque quem lê esses livros, e gosta, vai ler de qualquer jeito, não é necessário que a escola os apresente... E alguns livros nem cabem na escola: imagina uma prova de leitura de Harry Potter... Coitado do Harry!! Ou, ainda, ler com os alunos On the road, do Kerouak. Não... você até indica, empresta, diz que existe, mas esse livro deve ser uma descoberta solitária, pessoal, assim como os livros eróticos, assim como as revistas de sacanagem. Tive um aluno cuja mãe tinha dado um assinatura da Playboy para ele de presente de aniversário....Nunca vi coisa mais broxante.

Enfim, por que apresentar algo que eu acho médio e guardar para mim o Visconde Partido ao Meio, do Italo Calvino? Acho até sacanagem, e uma espécie de condescendência. Ninguém nunca vai gostar de todos os livros lidos na escola, aliás muitos jamais vão gostar de algum, qualquer que seja, simplesmente porque acham chato, por princípio, ler por obrigação - um princípio aliás que respeito muito. Essas pessoas, no entanto, também não vão gostar nem de Sabrina, essa que é a verdade. Pelo contrário, às vezes essa história de facilitar acaba retirando dos meninos a possibilidade do encantamento real com a boa literatura.

Ano passado fizemos uma sessão suspense terror e detetive na sexta série, e lemos Arséne Lupin, Sherlock Holmes, Poe e Agatha Christie. Poe ganhou na preferência geral, o Arséne também fez muito sucesso, Sherlock foi considerado um chato e a Agatha Christie ficou sem graça. O Médico e o Monstro, A Ilha do Tesouro, O Fantasma de Canterville... um ótimo quadrinho, Eu robô, do Asimov. Literatura legal e boa é literatura legal e boa, pronto. Vamos guardá-la para quê? para quando?

E, por último, não existem gêneros mais nobres que outros. Cada um tem que achar, ao longo da vida, os gêneros dos quais precisa. Já tive a fase best seller porcaria de tribunal, quando li todos os livros do John Grisham, a fase poesia, a fase romance existencial, quando devorei todos os livros do Camus e descobri o existencialismo, a fase meio mística, quando descobri As brumas de Avalon e viciei.

Aos alunos deve ser apresentada a maior variedade possível, de gêneros, épocas, estilos. Quadrinhos, ficção científica, terror, romance, poesia, crônicas,comédia, teatro. Dentro de cada gênero, o melhor.

Um passeio, por mundos, épocas e estilos, nesse passeio, quem sabe, cada um acabe achando algum lugar, ou vários, onde se sinta bem. E que lendo bons livros, passem a ser bons leitores também do mundo, cada vez mais carente de pessoas que o leiam e nele ajam, sabedoras e atentas do que leram e inclusive crentes em possibilidades de transformações.

Porque a boa literatura é também, sempre, transformadora.



8 comentários:

  1. Hahah, teve uma época, qdo minha escola começou a se meter a ser séria(antes era boa, exceletente - criada a partir de uma cisão com o esquemão que ela veio a adotar mais tarde, qdo a grana começou a entrar), que a gente tinha que ir pra biblioteca qdo não conseguia chegar na hora das aulas depois dos intervalos. Eu e uma amiga "perdíamos o horário" com certa frequência.

    A gente ia pra lá e lia Bocage em voz alta. Hahahhaha... A mulher que cuidava da gente não sabia o que fazer, pois estávamos fazendo o que era exigido: estávamos lendo na biblioteca.

    Tinha um livro lá cujo autor me recuso a falar que era meu sonho de consumo. Não existia em lugar nenhum. Só lá. E e ninguém lia. Só seu. Um belo dia, o livro sumiu da biblioteca. Fiquei desesperada, puta, pois eu sabia que o livro ia estar melhor em minhas mãos.

    E foi exatamente pra onde ele foi no meu aniversário. Embalado numa cesta enorme de presentes. :-)

    k

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  2. E sobre dar um livro meia boca pra criança: criança é sempre tratada como um meio ser, um bichinho meio burro, que só vai ficar possivelmente inteligente depois de crescer. E, tratando criança feito um meio ser humano, teremos meio adultos mais pra frente.

    É só pensarmos em Rimbaud e em outros escritores pra vermos como idade não tem muito a ver.

    Então. Essa coisa de infância hiper protegida do mundo malvado da literatura pra adultos é a maior burrice. Obviamente, imposta por adultos que não amam literatura. E as crianças e adolescentes(invenção mais tosca, esta última)vão ter em mãos só o que é adequado pra idade deles. Ah tá.

    Ainda bem que eu li tudo escondido na minha casa antes de ser considerada uma adolescente.

    Então as crianças de 600 anos atrás eram o quê? Algum de vcs já leu as estórias originais dos contos de fadas? Muita estória de terror hoje apropriada pra maiores de 14 ou 16 anos iria parecer extremamente ingênua.

    Enfim. Se querem adultos burros, tratem as crianças feito meio seres. E assim caminha a humanidade. k

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  3. Lulu, perfeito. Concordo com vc e sei que seus alunos tem sorte.
    Pra ser transformadora, tem que ser com qualidade. Como comentei no Rafael, não acho que a leitura, como exercício em si, tenha qualidade.O cara pode passar a vida lendo porcaria e ....e?
    Acho que o que se lê pode ser transformador, pode ter esse devir.
    Gostei demais do post.

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  4. A coisa mais legal de ver fotos de pés no Alex é ter sempre a certeza de que os meus até hoje são mais bonitos. Hahahhaha... E tem um menininho aí que gosta. Hahahahha.... k

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  5. eancantador, como sempre.

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  6. agora fiquei curioso de ver esses pezinhos...

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  7. Hahahaha, são pra poucos. k

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  8. Lulu, vc arrasou! a profecia da burrice é terrível mesmo! Agora começo a entender por que crianças tão geniais, tornam-se imediatamente crianças xuxais!!

    Sempre dou livros para o meu sobrinho e sempre acreditei que a boa literatura legal(putz adorei isso!!!) deve ser disseminada!

    eu adorei esse post e fiquei com muita pena de só ter tido tempo de comentar agora!

    beijos

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