quinta-feira, 22 de março de 2007

Maria Antonieta e o tédio do próprio umbigo

Acabei de assistir ao tal do Maria Antonieta da Sofia Coppola.






Já devo começando a dizer que já não gostei do Encontros e desencontros, o filme anterior dela. Sim, eu sei, você provavelmente gostou, um monte de gente gostou, eu não gostei. E tento explicar porquê.

Existe, ao meu ver, uma diferença entre o spleen e a melancolia em relação ao mundo, um certo tédio, uma certa falta de motivo e tesão com a vida, que já foi ultra bem retratada no cinema, por exemplo na Dolce Vita, do Fellini, alguns filmes do Godard, e um monte de outros bons filmes, e simplesmente uma vivência de enfado em relação ao mundo, não importa ele qual seja.

No Encontros e Desencontros, é tematizado esse enfado, esse outro enfado, que não é um enfado de ócio ou da solidão do homem na multidão, mas do enfado do ser humano que simplesmente não consegue mais se comunicar com ninguém, nem ter experiências e zanza daqui para lá achando tudo muito chato e muito sem graça, sem crítica nem distanciamento, sem nada. O outro é um eterno estrangeiro, e todo mundo tem que ser igual a mim, e me achar, senão eu me perco. Ora... poupe-me. No Encontros e desencontros essa espécie de solidão e tédio do mundo são tematizadas, mas de maneira uma rasa, que não convence, junto a uma visão extremamente preconceituosa do Japão, que vira lugar ou da tradição exótica e bela ou do ridículo, onde mesmo uma relação de um possível amor, ou sei lá, se resume a nada. Eu adoro o olhar vazio do Bill Murray, acho sensacional, mas Encontros e desencontros para mim soou falso, uma grande balela que poderia se chamar: como ser extremamente rico e não conseguir nem ao menos comer bem no Japão. Como curtir uma impossibilidade de enxergar o outro e a vida, impossibilidade essa que vem, ao meu ver, de um certo embotamento de sentidos que são, no fundo , extremamente auto-centrados e mesmo auto-condescendentes. Poupem-me, tem um certo tipo de tédio que irrita, e no caso desse filme, esse tédio é retratado sem crítica nem angústia, sem nem uma nota fora do lugar, é o que é, e eu acho chato, mais que chato, irritante.

Há de fato, hoje em dia e talvez sempre, uma necessidade da experiência, da vivência do extraordinário e do intenso, principalmente numas vidas esvaziadas de afeto e experiências humanas de fato, vidas cada vez mais abundantes por aí. Há um certo tédio que, perigosamente, ronda nossas vidas burguesas, do tipo, já vi tudo, já tomei todas, já dei para todo mundo, já rodei o mundo e daí?, ai que vida chata. Me irrita. Me irrita pessoalmente, porque fico achando isso uma grande injustiça mundial ( dá todo o dinheiro e o tempo livre para minzinha, então... e vai lá na fila do banco no meu lugar...) e me irrita em termos sociais e políticos também, porque os sentidos embotados, esse tédio e melancolia em relação ao mundo são, no fundo, profundamente alienados e reacionários. Porque tanto faz, porque todo mundo é desencontrado na vida, todo mundo é sozinho e fora do lugar, então ninguém se comunica e não há nem sociedade nem nada, só indivíduos perdidos por aí. Ora...

E é sobre isso que versa o Maria Antonieta.


Tudo bem fazer um retrato de época onde aparece uma trilha sonora contemporânea ( que aliás é bem boa), que narra a história do ponto de vista não do povo mas da nobreza ( e nessas horas sente-se até saudades do reacionário, mas bom, do Eric Rohmer) e que centra a narrativa na intimidade das personagens e dá até aquela hiper simplificada nos fatores sociais e talz que movem as histórias das quais essas personagens fazem parte.

O melhor retrato de época que já vi, é o Casanova do Fellini, que é bonito justamente por não procurar ser um retrato de época em termos da precisão estética ( o mar de plástico da cena inicial é um dos mais belos mares já retratados) nem nada, mas que causa uma estranheza na gente, que nos confronta, de fato, com o estranho e causa uma percepção de que sim, trata-se de uma outra época, que visitamos como se fora um país estrangeiro, um outro e diferente de nós, exagerado, estranho, não confortável. Grande filme, belíssimo.

Uma vez, em um simpósio sobre cinema e história, um colega comentava que o extremo oposto nesse sentido são os filmes da Disney. A Pocahontas, o Faraó, o Príncipe do Egito, o Mowgli, falam como a gente, sentem como a gente, amam como a gente, enfim, não fossem os cenários e as roupitchas, seriam e são, perfeitos personagens americanos contemporâneos. E isso é uma anulação completa não somente da História, mas também, o que é mais triste e mais grave, da possibilidade de se ser, de fato, diferente e mesmo da possibilidade de olhar e compreender o outro. Exagero meu? acho que não.

A Maria Antonieta Sofia Coppola é quase uma Paris Hilton, entediada, hedonista ( e é até divertido ficar vendo os sapatinhos que ela escolhe e os docinhos que ela come enquanto se entope de champanha) , que vai para lá e para cá, casada com um moço rico de masculinidade duvidosa, novinha em uma corte, perdida de tudo. Lá pela metade de um filme lento, com imagens bonitinhas que parecem saídas de uma publicidade de shampoo ou perfume, a mocinha boba e ingênua que havia caído na farra, finalmente encontra biblicamente seu marido bobão e transforma-se. E logo vem a maternidade... ah, a maternidade!!! lhe devolve e restaura uma pureza interior, uma beleza até, ela inclusive se veste de maneira mais simples enquanto lê Rousseau nos jardins de sua casinha campestre enquanto come morangos silvestres com sua filhinha... ( juro, e a cena não me pareceu irônica).

A vida continua, ela gasta muito, o maridón insiste em financiar a independência da América e ... de repente, lhe cai na cabeça uma Revolução, saída não se sabe de onde nem por onde, e pronto, the end. A vida vazia da pobre da Antonieta não fica emocionante nem nesse momento, coitada. Haja champã.

Eu curto roupas, curto rock, curto sapatos e decoração, mas posso ter tudo isso em separado, folheando livros, vendo vitrines, revistas especializadas, ouvindo meus cedês. Não preciso me submeter a três horas de falta de enredo sobre o tédio da vida rica para ver tudo isso. E se vocês querem saber, sim, fico achando reacionário e até mesmo perigoso essa total incapacidade de ver o outro, de entender minimamente o que se passa ao redor, de se sair do próprio umbigo e ainda achar que a vida é assim, e nossa... que fascinante.
Os dois filmes da Sofia Coppola que vi, apesar de tão "diferentes" eram bem iguais, e versam ambos sobre esse tédio umbigal.
me irrita.
humpf.

ps. Alex, brigada ( e divina lulu me deixou contenta pro resto da semana) !!!
Seu post sobre o Lost in Translation é lindo. Sem querer, fizemos sim um belo diáologo. Gente, vão todos ver.



20 comentários:

  1. Gente, eu amo Encontros e Desencontros e me acabei de chorar no cinema! E eu li o filme de um jeito tão diferente que até me assustei com seu texto! Ouch. Beijo k

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  2. K...
    eu sei...
    todo mundo ama esse filme...
    eu num gosto. ouch !
    já viu o maria antonieta?

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  3. Valeu pelo "todo mundo"...

    Sem problemas, mas eu até fiquei chocada com a diferença entre nossas idéias sobre o filme. Tipo: não tô falando que eu tô certa e vc, errada. Nem é isso. Mas eu fiquei de cara com a diferença...

    Enfim... Doeu. :-)

    Não vi e nem vou ver esse, acho. E eu acho tbem que seus leitores vão concordar c vc.

    Aliás, uma tendinite dos infernos no braço direito.

    k

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  4. Ai dona K...

    retiro o todo mundo, mas é que muitos amigos e migas meus, queridos que nem vc, gostaram muito do filme. E eunão gosto radicalmente mesmo, já deu briga até... desculpa por te colocar no todo mundo...;)
    escreve no seu blog sobre o que vc acha do filme, enfim... polêmicas são boas, não são ruins. né?
    ai, ai..
    espero que vc num tenha se chateado.
    beijo,
    lu.

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  5. Não, amor, de forma alguma. E espero o mesmo de vc. É só que me senti mais burra do que devo ser...

    Aliás, eu tô em crise.

    Qualquer hora escrevo sobre isso. Meu braço tá doendo demais...

    Beijo, amore.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. ulu, nem que eu ficasse uns cinco anos tentando conseguiria escrever um texto tão bom quanto o seu, pra justificar um gosto ou a falta dele. aliás, eu não consigo teorizar sobre os filmes que gosto. tenho uma relação bem passional com eles e pra mim tá bão. eu gosto de "encontros", tipo, tenho o dvd e tudo, mas também amei teu texto que tem uma argumentação tão boa. eu tenho umas preferências meio loucas; gosto de babel, rocky VI e david lynch. tudo junto. e eu não vou ver maria antonieta; a crítica também não gostou e, pra mim, de paris hilton já chega a original, né? eu não tô podendo jogar dinheiro fora. bjks

    p.s.: quem excluiu isso aí em cima fui eu.

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  8. Lulu,
    Você disse exatamente o que eu achei do Lost In Translation. Um tédio egocêntrico, um je-ne-sais-pas de reclamação de barriga cheia. Acho que a Sofia tem, sim, sensibilidade, mas retrata o que conhece - a vida vazia dos pobres mocinhos ricos de Hollywood. Sem julgamento, sem mais engrandecimento, e sem visão crítica - simplesmente retrata (um pouquinho de maquiagem em cima, claro, sempre, que afinal essa é uma indústria com fins lucrativos).

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  9. Luaninha
    Você devia escrever sobre cinema. Por que você não tenta publicar essa sua crítica em algum jornal ou revista? Independentemente de eu concordar, tá muito, muito boa!
    Beijinhos

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  10. Eu até gostei de Encontros e Desencontros, mas para mim, o filme fala exatamente desse tédio mórbido e auto-centrado. Ele tem uma certa piedade dos personagens, mas eu enxerguei isso mais de um jeito "pobres loucos, não sabem o que fazem". E a imagem estereotipada e exagerada do Japão é exatamente a visão desses dois personagens, que não se identificam (nem se esforçam) para pertencer a nada ali.

    Maria Antonieta realmente mostra a rainha da França como uma patricinha real. E ela é! E foi exatamente por isso que sua cabeça foi cortada, porque seu tédio egocêntrico criou uma indiferença mostruosa para com o resto da humanidade e um senso de entitlement tão grande que a impedia de entender porque aquelas pessoas estavam tào chateadas com ela. É a visão de dentro, mas não só de dentro da corte francesa. É de dentro da cabeça empoada da própria rainha.

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Estou meio que aliviada. Me sentia quase culpada de não gostar de Lost in Translation. Quando a pessoa perguntava, eu quase começava respondendo com desculpas. Todo mundo adooooora essa merda. But, Maria Antonieta eu adorei. O ritmo, as cores, a estética, a idéia de contar a historia não pelos textos mas pelas pausas e pelo rosa e o choque do mundo encantado, lento, doce do umbigo de antonieta com a Revolução que lha cai na cabeça. Fiquei lah curtindo no escurinho do cinema...

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  13. virgens suicidas é bom. aliás, fora a "genial participação" de sofia em o poderoso chefão, é a única coisa boa que ela fez no cinema.

    Eu tbm não gosto de encontros e desencontros. mas até hj eu só conhecia eu que não gostava. bom saber que não sou o único louco no mundo.

    abraço

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  14. Eu nunca encano de gostar ou não de um filme, independetemente da rececptividade que tenha diante da crítica. To c*** pra crítica.
    Seu texto está delicioso, completo e inteligente, como sempre.
    Implico com esse tédio generalizado tb....sempre que vejo isso, no meu íntimo, me lembro do que as mulheres diziam lá na Baixada: "isso é falta de um tanque de roupa suja, minha filha!!!".
    beijos.

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  15. lulu,
    eu gostei do "lost in translation" mas preciso rever com outros olhos, nunca é tarde pra descobrir a verdade
    hahaha

    enfim, acabei fazendo um post sobre a solidão e esse sentimento de se retirar do mundo...achei curiosos quando li agora esse seu, foi um diálogo entre a gente também.
    bem sutil, mas ainda assim um diálogo.

    bjo

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  16. Se queres ver algumas fotos de La Coruña, estas convidada indo no meu blog...


    Beijinhos carinhosos do outro lado do oceano

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  17. Quem usa o termo "reacionário" é marxista - mesmo que não saiba - logo, idiota.

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  18. O tédio é o sentimento por excelência dos tempos modernos... todo mundo parece que não agüenta mais a vida... fico olhando para as pessoas no metrô, está todo mundo com cara de que queria enfiar a cara na banheira e não tirar mais. Colocam a música do iPod o mais alto que podem e ficam olhando os próprios cadarços. Já reparou?

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  19. CRIS querida!!

    eu adoro Rock 1!! queria ir ao cinema reassisitir mas ninguém topou ir comigo! e tô louca para ver o Rock VI, juro, agora com vc gostando, eu vou mesmo! e comento aqui!! Obrigada pelos elogios, :)

    CLAUDIA,
    é isso aí... pobre mocinha rica.. quisera eu!!
    abraço,
    l.


    HELENA,
    sabe que esse negócio de não gostar de lost in translatios realmente é um dos maiores geradores de saias justas? O outro é eu achar exagerado o afã que se tem pelo Chico Buarque... mas esse é tão, mas tão polêmico que eu num tenho coragem nem de comentar aqui no blog.. :)
    sobre o Maria Antonieta...
    as cores do filme são lindas, a trilha também, mas confesso que achei chaaato... :)
    beijinho,
    l.

    VIVIEN
    sim... também tô cagando prá crítica... obrigada, minha querida. já já te escrevo para fazermos planos, tá?
    beijo
    l.

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  20. ALESSANDRA,
    vc tem razão, concordo com vc, a visão estereotipada do Japão é própria das personagens... o problema é a ceitação de tudo isso e uma certa fascinação, como se a vida fosse assim mesmo e o tédio um dado inquestionado... enfim... a mim encomodou, mas eu entendo bem do que vc fala, e não é à toa que tanta gente gostou do filme...
    beijinho,
    lu.

    45iso,

    vou alugar o virgens suicidas. depois conto. E... acho que minh aimplicância começou ali, no Poderoso Chefão 3, que ela quase consegue estragar, a povereta!!
    bj,
    lu.

    INTER

    Tem "verdade não..." Nem lá fora nem aqui dentro. :) Tá lindo lindo seu post sobre a solidão.
    beijo carinhoso,
    Lu.

    PAULO,
    sim.. a atração pelo próprio cadarço é, de fato, digna de nota.
    :)
    beijo,
    Lu.

    ADRIANA, minha leitora do além mar!!
    já fui lá e adorei!!!
    :) l.

    E, meu querido anônimo...
    hahahahahahahha!!!!!

    beijos a todos e obrigada pelos comentários!!
    Lulu.

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